Brasil e Covid-19: gestão boa ou ruim?

Uma análise estatística comparando o Brasil com outros países, verificando em quais pontos o Brasil está defasado.

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Introdução

Um ano e alguns dias após a primeira morte de Covid-19 no Brasil, vivemos talvez o pior momento da pandemia aqui no país. A média móvel de óbitos, pela primeira vez, passou de 2 mil mortos por dia [1]. Muitos países, de maneira parecida, também estão sofrendo algumas dificuldades. Existe uma dificuldade muito grande na hora de comparar países, visto que há muitas características que afetam o comportamento do vírus: desde questões geográficas (clima por exemplo) até características da saúde do país (número de idosos, morbidades, entre outros). No texto de hoje, vamos tentar apresentar ao leitor uma análise estatística usando dados sobre mortalidade e vacinação.

Obs: os dados sobre mortalidade foram acessados dia 17/03/2021, enquanto que os de vacinação foram acessados dia 18/03/2021.

Análise de Mortalidade

O Brasil, até o dia analisado, apresentava uma mortalidade por milhão igual a 1327 mortes/milhão. Alguns países europeus, como Itália e Espanha, apresentaram valores superiores a esse, 1703 e 1552, respectivamente. Será então que o Brasil está conseguindo fazer um trabalho melhor para evitar a mortalidade? A resposta, infelizmente, é não. Para analisarmos o desempenho do Brasil, vamos comparar com outros três países: Argentina, Itália e Espanha.

Uma das características que está associada ao risco da morte é a idade do paciente. De acordo com dados do CDC (Centro de Controle de Doença dos EUA) [2], o risco de morte de alguém com 30 anos é cerca de 45 vezes maior do que uma criança de 15 anos, como mostra a tabela abaixo.

Figura 1— Risco de Infecção, Hospitalização e Morte por idade. A idade de referência são crianças de 5 até 17 anos. A terceira linha (risco de morte) dessa tabela será utilizada para comparar os países selecionados. Extraído de [2].

Então, antes de comparar a mortalidade dos países, vamos ver se a idade deles é diferente. Abaixo, um gráfico que mostra a distribuição das idades nos 4 países.

Figura 2 — Distribuição das idades nos 4 países. Fonte: autor, dados extraídos de [3].

A partir do gráfico acima, podemos observar que Brasil e Argentina têm uma população mais jovem quando comparados aos países europeus. Logo, é esperado que os dois países latinos tenham uma taxa de mortalidade menor. Então, como podemos comparar? Uma solução é calcular o risco de morte médio de cada país, e normalizar a mortalidade por milhão com esse valor. Vamos entender um pouco melhor esse processo.

O risco de morte médio de cada país está sendo calculado da seguinte forma: pegamos o risco de cada idade e multiplicamos pela quantidade que cada país tem de pessoas nessa idade; em seguida somamos todos os valores. A expressão de cima representa esse cálculo, onde o R representa o risco (figura 1, terceira linha da tabela) e P representa a população naquela faixa etária (figura 2). Um exemplo, para as idades 40–49, o risco é de 130 vezes o valor de referência (figura 1), e a Argentina tem 12,6% de pessoas nessa faixa (figura 2), então multiplicando esses dois números temos 16,38. Realizando esse mesmo processo para todas as outras faixas etárias e somando todos os valores obtidos, obtemos um risco de morte médio para Argentina de 38,93. Dividindo a número de morte por milhão da Argentina por esse risco médio, obtemos a morte por milhão normalizado. A figura abaixo apresenta todos os valores finais desse cálculo para os 4 países mencionados.

Figura 3 — Dados finais dos países. O risco médio foi calculado como uma média ponderada dos riscos da Figura 1, com os pesos sendo a distribuição de idades da Figura 2. Fonte: autor.

Podemos ver, agora que normalizamos as mortes pela idade dos países, que o Brasil possui uma morte por milhão superior à Itália e Espanha, sendo quase o dobro. A Argentina apresenta um valor superior aos europeus também, mas inferior ao nosso.

Além disso, há um outro problema: o crescimento dos óbitos. Ainda não vencemos a pandemia, então é esperado que continue crescer o número de óbitos. O problema é, até onde pode crescer o número de casos? Para responder essa pergunta, criamos um gráfico de previsão, como vemos abaixo:

Figura 4 — Morte por milhão no Brasil. A curva roxa representa os dados de mortalidade dos últimos 100 dias. A região cinza representa o intervalo de confiança de uma predição dos próximos 30 dias. As curvas azul e vermelho indicam, respectivamente, o melhor e o pior cenário. Fonte: autor, dados extraídos de [4].

Vamos entender esse gráfico: a curva roxa é a morte por milhão dos últimos 100 dias. A região cinza é uma predição dos próximos 30 dias feita utilizando um modelo matemático; ela representa o intervalo de confiança da predição, ou seja, a região onde há uma grande probabilidade de que a curva esteja nos próximos 30 dias.

A partir dessa predição, podemos ver quais seriam os cenários “otimistas” e “pessimistas”. No melhor cenário, em 30 dias, o crescimento seria o menor possível, alcançando quase 1500 mortes por milhão. No entanto, no pior cenário, pode superar a marca de 1700 mortes por milhão! É importante alertar o leitor que esse crescimento é caso seja mantido todas as decisões no combate à Covid-19 que temos presente. Um lockdown (fechamento completo das atividades não essenciais) ou uma vacinação em massa mudaria completamente os possíveis valores dessa predição.

Vacinação

A nossa maior salvação nesse momento é a vacinação (temos um texto sobre isso, leia aqui). Ela é a única ferramenta capaz de acabar com a pandemia. No entanto, estamos em um cenário de escassez de vacinas, onde não há oferta suficiente para a demanda mundial. Para iniciarmos nossa análise, vamos ver em que posição o Brasil se encontra quando vemos número de doses que o Brasil aplicou até o momento (18/03/2021).

Figura 5 — Vacinação (doses aplicadas) ao longo do tempo. Extraído de [5].

O Brasil, vendo pela figura 5, está em quarto lugar (atrás somente dos EUA, da China e do Reino Unido) na quantidade de doses aplicadas. Essa informação, no entanto, nos informa nada. Por quê? Aqui, aplicamos cerca de 12.7 milhões de doses [5]. O Uruguai, que possui 3.5 milhões de habitantes, teria que aplicar somente 7 milhões de doses para imunização completa do país, e ainda sim ficaria abaixo das 12 milhões de doses do Brasil. A forma correta, então, de analisar a vacinação é vendo doses aplicadas a cada 100 pessoas. O resultado é negativo: o Brasil está na posição de número 48 [6]. Nossa vacinação está lenta, e vai demorar para a vacinação começar a fazer efeitos nas curvas epidemiológicas.

Conclusão

No texto dessa semana, analisamos os dados do Brasil sobre Covid-19. Vemos que o número de mortes por milhão aqui é alto, e que pode alcançar cenários preocupantes se nenhuma medida for tomada. Além disso, a nossa vacinação está andando devagar, e ainda não começou a fazer efeito nas curvas epidemiológicas.

Se possível, um apelo ao leitor: siga as recomendações da OMS para se cuidar.

Referências

[1] https://cultura.uol.com.br/noticias/17753_brasil-registra-media-movel-de-mortes-por-covid-19-acima-de-2-mil-pela-primeira-vez.html

[2] https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/covid-data/investigations-discovery/hospitalization-death-by-age.html

[3] https://www.populationpyramid.net/

[4] https://github.com/owid/covid-19-data/tree/master/public/data

[5] https://ourworldindata.org/covid-vaccinations

[6] https://www.statista.com/statistics/1194939/rate-covid-vaccination-by-county-worldwide/

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