A luz no fim do túnel

Uma carta para a Juanita

Alex Bretas
Educação Fora da Caixa
15 min readJan 6, 2016

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Juanita Brown é a criadora do World Café, uma abordagem de conversação e aprendizagem para grupos utilizada no mundo todo. Ela também é uma das mentoras do meu doutorado informal.

São Paulo, 6 de janeiro de 2016,

Eu não tinha a menor ideia do que era um World Café. Passava meus dias indo e voltando a pé da faculdade, tentando obter algum dinamismo mudando a rota que fazia todos os dias. Eu tinha três opções de caminho, e cada vez eu escolhia um diferente. Frequentava as aulas, achava algumas interessantes, outras odiáveis, fazia as provas, mas um sentimento anestesiante de normalidade sempre pairava no ar. Obviamente, naquele tempo eu não pensava assim. Não havia vivido outra coisa senão a normalidade, a preguiça de estudar, o medo da prova, as fofocas e maldizeres em relação aos professores (no meio disso havia algumas empolgações). Desde o “prézinho” — como chamávamos a pré-escola — , passando pelos ensinos fundamental e médio até chegar ao suposto “ensino superior”, boa parte da minha vida era povoada dessa forma. Até que, depois de uma aula tensa de cálculo, um amigo me convidou para fazer parte do Diretório Acadêmico (DA) do curso.

Fazer parte do DA me fez enxergar uma pequena, mas crescente fresta por entre a fria e monótona rotina da faculdade. Entre uma aula e outra fazíamos reuniões e discussões: enfim pessoas discutindo temas que pareciam importantes para elas! As conversas eram vivas, as pessoas estavam ali porque queriam estar. Ainda que fosse para discutir quantos engradados de cerveja deveríamos comprar para a próxima festa. Como esse tipo de conversa não me interessava muito, mergulhei de cabeça nos afazeres mais “nerds” do DA: os eventos acadêmicos e a representação estudantil. Planejei seminários, um simpósio e vários “ciclos de debates”, o nome que demos às pequenas conversas que organizávamos em torno de temas polêmicos relacionados à administração pública, nosso campo de estudo. Um dos ciclos ocorreu por conta da iniciativa de reforma curricular do curso, e eu era o responsável pela mobilização dos alunos. Um colega se ofereceu para “facilitar” a conversa e disse que poderia utilizar uma abordagem chamada World Café.

World Café. Fonte: Multi-stakeholder Partnerships.

No instante em que vi o World Café funcionando, Juanita, a forma com que eu encarava minha própria educação se transformou. Fui procurar saber o que era aquilo: uma metodologia de diálogo e aprendizado colaborativo para grupos. O curioso é que durante o encontro não aconteceu nada de especial que pudesse justificar de modo contundente o meu interesse posterior no World Café — foram “apenas” boas conversas. Facilitei e participei de outros Cafés muito mais significativos e interessantes nos anos seguintes. Mas, de alguma forma, vi um potencial misterioso naquele estranho método. Aprendi que a curiosidade não depende de justificativa racional para se manifestar, ela súbita e simplesmente acontece.

A partir deste primeiro contato, iniciei uma verdadeira jornada. Busquei artigos, livros, textos, cursos e oportunidades para praticar a técnica — cheguei até mesmo a conseguir dinheiro emprestado para fazer uma formação. Comecei a conhecer pessoas novas cujos interesses eram semelhantes aos meus. Passei a frequentar eventos em que se utilizava o World Café e adorava falar sobre minhas descobertas para as pessoas. No meu último ano de graduação, eu estava tão tomado pelo assunto que arranjei um jeito de torná-lo central no meu trabalho de conclusão de curso. Já tendo começado a escrevê-lo, precisei apertar a tecla “delete” e apagar dezenas de páginas para dar lugar ao que genuinamente me interessava. Não me arrependo, embora minha orientadora talvez tivesse achado que eu havia enlouquecido (às vezes somos taxados de loucos quando ousamos mergulhar no que mais nos interessa).

Fonte: Deviant Art.

Era como se o World Café fosse o centro de um enorme vórtex que “sugava” tudo ao meu redor. Um vórtex ocorre quando há diferença de pressão entre duas regiões vizinhas. Certamente havia muita diferença entre o modelo educacional normalizante que eu estava acostumado e a incrível jornada que se descortinava bem na minha frente. Eu me sentia muito mais instigado a percorrer o caminho desafiador que se iniciara por meio da curiosidade do que fazer bonito “para constar” no sistema.

Pela primeira vez, consegui dizer em alto e bom som: “é isso que quero aprender e é isso que vou aprender! É por aqui que quero seguir!” Até então, meus espaços de liberdade nesse sentido ficaram restritos à minha infância e adolescência mexendo no computador. Hoje acredito que minha íntima e precoce relação com a informática se deu justamente porque aquele era um terreno livre de julgamentos e pressões sociais. Aprendi o básico de programação e a criar sites, li sobre espiritismo e técnica vocal em fóruns e fiz amigos virtuais. O que distingue esse período do meu caminho de aprendizado em torno do World Café é que este último eu pude compartilhar presencialmente com outras pessoas. Eu não precisava mais me esconder atrás de uma tela.

Depois de me ver sugado pelo vórtex da aprendizagem pelo desejo, não consegui mais parar. Do World Café, uma metodologia para anfitriar conversas em grupo, passei para a facilitação de processos colaborativos. Descobri o Open Space, o Círculo, o Aquário, o objeto da fala e diversas outras ferramentas para se trabalhar com grupos. Em paralelo, descobri a educação democrática. Comecei a ligar os pontos: percebi que facilitação e aprendizagem livre tinham muito em comum. Depois, ao me deparar com o doutorado informal, embarquei em uma nova jornada de descobertas. Uma coisa foi atraindo a outra pela via da serendipidade.

Acredito que o seu percurso, Juanita, tem algumas semelhanças com tudo isso que acabei de contar. Na verdade, acredito que todos os percursos de aprendizagem que conjugam curiosidade e autonomia carregam algumas características comuns (é o que pretendo elucidar por meio deste livro).

Ao se identificar com a minha trajetória e no início do projeto ter compartilhado um pouco de sua história comigo, você me fez sentir que eu podia. Afinal, você pôde. Desde o seu primeiro e-mail, em que você me conectou a diversas pessoas interessantes, percebi que eu tinha companheiros de jornada. Isso me energizou numa etapa crucial do projeto: a campanha de financiamento coletivo.

Depois de muitos e-mails, conversamos “cara a cara” pela primeira vez por Skype. É interessante como algumas pessoas que, num primeiro momento, achamos inatingíveis acabam se revelando gente como a gente logo no primeiro contato. São os filtros e rótulos que criamos quase inconscientemente que nos impedem de ver. Você se mostrou humana e acessível mesmo quando a minha imagem mental de você me dizia o contrário.

Antes da nossa primeira conversa, lembro de andar para todo canto com a sua tese de doutorado. Eu a possuía em formato digital e sempre tinha em mãos o notebook para poder lê-la: nas aulas da faculdade, na biblioteca e até no curso de inglês (quer jeito melhor de se aprimorar numa língua estrangeira do que ler apaixonadamente algo naquele idioma?). Eu não sabia que era possível alguém ser tão autêntico num doutorado. No vídeo que você carinhosamente gravou para apoiar a campanha de crowdfunding do projeto, ouvimos você contando um pouco sobre esse processo:

“Eu mesma fiz um doutorado sobre o World Café de uma forma muito diferente, ajustada às minhas necessidades, num programa de doutorado alternativo para adultos no Instituto de Inovação Social da Fielding University. Por conta desse programa único e inovador eu pude fazer minha tese contando uma história, compartilhando minha jornada pessoal de aprendizagem, o que incluiu encontrar minha própria voz e meus próprios entendimentos sobre o trabalho da minha vida.”

Juanita, seu percurso acadêmico é a prova viva de que é possível encantar ao mesmo tempo em que se é consistente, de dentro da universidade. Ele atesta que sim, é possível à ciência “contar boas histórias”, respondendo positivamente à indagação do professor Ian Mitroff resgatada por você em sua tese. Mas, infelizmente talvez ainda seja mais difícil fazer isso dentro das estruturas formais do que fora delas. Seu caminho não foi fácil. Lembro de você ter me contado que demorou muito até você conseguir concluir o doutorado, bem mais do que “o que se espera” comumente de um pesquisador. Você não encontrava espaço para investigar o que você realmente queria investigar: o World Café era ainda uma descoberta recente, sem muitos parâmetros “realmente científicos”. Em alguns momentos você quase deixou de acreditar que seria possível ir até o final, e foi “empurrando com a barriga” o processo com pouca esperança de ser de fato ouvida.

A reviravolta dessa história aconteceu quando você começou a conhecer algumas pessoas que acreditaram no poder da autenticidade e da motivação intrínseca. No limite, elas simplesmente acreditaram em você. Por meio da comunidade de aprendizagem autodirigida da Fielding University, você finalmente foi estimulada a encontrar sua própria voz, o que se refletiu não apenas na escolha do World Café como tema central do seu trabalho, como também no desenho de uma metodologia própria, a “investigação conversacional” (conversational inquiry).

Na sua descrição dessa metodologia, é evidente a coerência de princípios que ela estabelece com o próprio World Café. Através de uma coleção de conversas inspiradoras com diversos praticantes do World Café pelo mundo, entremeadas por insights vindos de diferentes autores e pela sua própria narrativa pessoal, uma verdadeira colcha de retalhos é tecida. É um “conversar junto como amigos”, como você mesmo descreve. Não há a pretensão de se apresentar nenhuma resposta ou conclusão definitiva, mas sim a de explorar saborosamente perguntas e novas possibilidades de entendimento (no plural). Assim como num diálogo, você propõe uma mescla de perspectivas metodológicas oriundas da pesquisa-ação, da visão apreciativa, da contação de histórias (storytelling), da investigação heurística (um encontro do pesquisador com o fenômeno estudado é necessário, contrastando com uma suposta neutralidade positivista) e de várias outras referências ressonantes com o seu jeito de pesquisar. O resultado disso é a sensação, em quem lê, de estar sentado junto com você e dezenas de outros estudiosos e anfitriões de World Cafés em um grande círculo de cadeiras, podendo desfrutar de seus valiosos aprendizados.

Tenho certeza que há outros trabalhos acadêmicos tão genuínos quanto o seu, inclusive em várias universidades brasileiras. O mundo está cheio de pessoas querendo encontrar sua própria voz, mas antes é preciso que elas sejam ouvidas e consideradas também de modo genuíno. Um ambiente estimulante, livre de julgamentos e que convide cada um a se expressar a partir de sua potência única é uma variável importantíssima dos processos de aprendizagem. Isso o próprio World Café nos ensina. Esse ambiente de desenvolvimento livre e hospitaleiro é o que estamos buscando criar a partir do doutorado informal. É o que estou buscando fazer ao escrever tudo isso, ao desvelar minhas próprias histórias, ao me dedicar à investigação da minha vida neste momento.

Juanita, você foi e tem sido essencial para fazer transbordar minha coragem. Através de você conheci seu companheiro e parceiro David Isaacs e aprofundei meus laços com a Amy Lenzo, dois outros membros da comunidade global do World Café que também se mostraram muito gentis e afetuosos ao conversarem comigo. Para além dos insights resultantes dos nossos diálogos, vocês todos acreditaram no que eu estava fazendo. Tenho para mim que acreditar no outro é a principal atitude que alguém que quer educar pode ter.

Três poderes: presença, perguntas e visão apreciativa

A história do “descobrimento” do World Café como uma abordagem de conversação em grupo sempre me impressionou por ter ocorrido “por acaso”. (Juanita, você provavelmente já se cansou de relembrar essa história, mas permita-me contá-la a quem nos lê.)

Em 1995, você e David preparavam a segunda rodada de conversas sobre capital intelectual que contou com a presença de 24 executivos, pesquisadores e consultores em Mill Valley, Califórnia. O processo habitual seria formatar círculos de diálogo com todos os participantes juntos, mas a preocupação de vocês com a recepção e o aconchego dos convidados, num dia de chuva torrencial, fez com que se permitisse a acomodação das pessoas em mesas menores que lembravam as de um Café. Dessa forma, pequenos grupos se formaram. Durante as conversas — que se baseavam em perguntas norteadoras — , Charles Savage, um dos convidados, disse a todos que estava curioso para saber o que as outras pessoas conversavam nas demais mesas. Ocorreu então um “troca-troca” entre os grupos de modo que apenas um convidado permanecesse em cada mesa, para que pudesse atualizar os novos integrantes do que havia acontecido na primeira rodada. Após uma hora, a troca aconteceu novamente e uma terceira rodada começou. Ao final, todos se reuniram em torno de um grande papel em branco no chão para compartilhar o que haviam aprendido.

O entusiasmo escorria pelo ar. Todos se surpreenderam com o novo formato de diálogo que havia surgido ali, quase que por uma mágica evocação. Você ficou especialmente tocada pelo fenômeno e decidiu aprofundá-lo nos anos seguintes.

Para mim, a principal qualidade que tornou possível a emergência de uma configuração tão poderosa foi a presença. Ao falar sobre presença estou querendo falar de cuidado, de espontaneidade, de confiança e de plena atenção. Todos esses atributos se manifestaram na sucessão de atos em que consistiu o primeiro World Café: o cuidado em acomodar os convidados em pequenas mesas, a espontânea curiosidade de Charles Savage em relação às outras conversas e a confiança de todo o grupo em acolher sua sugestão. Por fim, a plena atenção, que se desdobrou numa escolha consciente por continuar a investigar a misteriosa aparição de um certo modo interessante de se dialogar. Foi você, Juanita, quem se deteve mais intensamente a explorar todo os tesouros que emergiram daquele enigmático encontro. De algum modo você percebeu que aquilo merecia ser escavado, aprimorado e compartilhado, e se colocou em movimento para que tudo isso acontecesse. Ao longo desse processo, muita gente contribuiu para aprofundar os insights iniciais que haviam surgido: precisava ser um percurso coletivo.

Além da presença, um outro grande aprendizado que você me provocou tem a ver com a importância das boas perguntas. No meu trabalho de conclusão de curso sobre o World Café na graduação, anfitriei um encontro utilizando a abordagem e minha principal descoberta foi sobre como construir perguntas poderosas. O Café funciona a partir das melhores perguntas que podemos nos fazer frente a uma situação realmente importante para todos os participantes. Em sua tese, você retoma os dizeres do consultor Felipe Herszenborn, que afirmou: “a pergunta gera uma descontinuidade, uma perturbação da qual o sistema tenta se recuperar. A pergunta precisa gerar um pouco de ansiedade”. Acho que as questões que propus no meu primeiro World Café geraram ansiedade demais. Elas focavam nos problemas e traziam perigosos julgamentos embutidos, e uma conversa em que só se fala dos problemas tende facilmente a se tornar um beco sem saída. Errei feio. Que bom!

Hoje compreendo um pouco melhor o quão essencial é desenhar boas perguntas (ainda tenho muitas dúvidas, mas como Yaacov Hecht diz, o mais importante é nunca parar de tê-las). E o mais interessante é que isso não se aplica somente à minha atividade como anfitrião de World Cafés, mas a praticamente tudo na vida. Pensar em torno de uma questão como “Qual a pergunta que deveríamos estar nos fazendo agora?” é algo que definitivamente não aprendemos a fazer no modelo de escola tradicional. Pensar em termos de “Quais oportunidades de transformação e mudança de patamar esta crise está querendo nos comunicar?” é contraintuitivo.

Acredito que perguntas construídas dessa forma são as melhores alavancas que podemos acessar para, coletivamente, empurrar nosso futuro em direção a um cenário entusiasmante. Vale a pena resgatar aqui a metáfora da alavanca, originalmente criada por Fran Peavey e resgatada por você em sua tese:

“Perguntas são como alavancas que usamos quando precisamos abrir uma tampa emperrada de uma lata de tinta… Se o que nós temos é uma alavanca curta, tudo o que conseguimos é entreabrir a lata. Mas, se nós temos uma alavanca mais comprida, ou uma pergunta mais dinâmica, acabamos conseguindo abri-la muito mais e realmente tiramos as coisas de lá… Se a pergunta correta é aplicada, e se ela vai fundo o suficiente, então nós conseguimos tirar da lata todas as soluções criativas.”

Juanita, seu amor pelas metáforas, assim como sua busca incessante pelas boas perguntas me contaminou. Com você aprendi que uma pergunta poderosa é um convite para que abandonemos nossas posições arraigadas. Ao pensarmos nas conversas que estamos tendo em nossas vidas, vale nos questionar: “elas estão gerando frustrações ou elas nos entusiasmam e geram novos insights?”. Conversas em grupo que são capazes de nos elevar e nos levar à ação são os principais mecanismos de mudança da sociedade. “Não há poder comparável ao poder de uma comunidade que conversa consigo mesma sobre o que quer”. Numa de minhas anotações ao ler uma citação sua a Fritjof Capra, imaginei o seguinte fluxo de acontecimentos:

Conversa entusiasmante > conversas posteriores > rede de conversas > compartilhamento de crenças, valores e entendimentos > ação coordenada > mudança em larga escala

Consigo ver esse padrão se manifestando em diversos movimentos. O Movimento Entusiasmo, de transformação educacional por meio de um olhar poético, a comunidade global Art of Hosting, que congrega anfitriões de conversas significativas, e o próprio movimento do doutorado informal são exemplos.

Um componente fundamental para que as conversas tenham tamanho poder polinizador é a visão apreciativa. A premissa básica por trás dessa visão diz que “os sistemas humanos crescem em direção ao que persistentemente se perguntam”. Se sempre fazemos perguntas depreciativas e com julgamentos negativos implícitos, não podemos esperar do nosso futuro algo muito melhor do que o teor de nossas questões. Isso não significa adotar uma postura do tipo Poliana, em que tudo é maravilhoso o tempo todo, mas sim conjugar o sonho com o pé no chão, o futuro com o presente, a utopia (que se torna) possível.

Sei que assim como eu, Juanita, você também foi bastante influenciada pelas descobertas de David Cooperrider, o precursor da Investigação Apreciativa. Toda a estrutura do World Café é fundada a partir de uma interpretação positiva da realidade, de modo que inundar os participantes com esse olhar é uma das tarefas mais importantes de um Café. Os problemas no World Café são “dissolvidos” ao invés de resolvidos. Eles são transformados em desafios e oportunidades à medida que a consciência do grupo começa a emergir. Acredito que dissolver problemas para se construir aventuras de aprendizagem é uma sábia e sutil mudança de paradigma.

E quando direcionamos nossa energia para o que está dando certo, ao contrário de focar no que está dando errado? Talvez este seja um dos desafios mais urgentes do nosso tempo. Nosso mundo aparentemente só se preocupa com o que está dando errado. Se isso ocorre no nível macro (sistemas políticos, grandes organizações, comunidades), também deve estar ocorrendo no nível individual. Por isso, o próprio conceito da Investigação Apreciativa às vezes nos parece tão difícil de ser alcançado: “usar o melhor do que já existe como a base para o futuro”. Será que a obsessão pela grandeza e pelo controle nos tornou especialistas em apertar parafusos? Como transformar grandeza em grandiosidade na direção do melhor futuro que queremos construir? Dissolver problemas é um ótimo primeiro passo.

Juanita, seu trabalho com o World Café significou para mim a luz no fim do túnel. O túnel parecia não ter fim e era feito de castigos, imposições, armadilhas e não quereres educacionais. Eu não estava procurando por essa luz, mas ela apareceu e eu a enxerguei. E então enxerguei também o túnel. Engajar-se em boas conversas, seja por meio de um Café ou em qualquer outro ambiente, para mim tem a ver com as três necessidades humanas básicas que você pontua em sua tese: sentirmo-nos seguros, pertencidos e exercitando nossas capacidades cognitivas a serviço de algo realmente importante para nós. Um espaço de aprendizagem precisa preencher essas três necessidades.

Durante minha frenética leitura de seus textos, criei arquivos e mais arquivos de anotações. Ao resgatar esses arquivos no meu computador para escrever esta carta, vejo um link perdido em um deles com algo escrito depois: “dever de casa de marketing”. Na época eu cursava a disciplina de marketing no setor público e estava prestes a concluir a faculdade. Quando será que nossas instituições educacionais entenderão que é impossível se apossar do desejo das pessoas? Em meio a parágrafos e mais parágrafos de intensas reflexões sobre um assunto que me fascinava, apenas uma linha remetia a uma matéria da grade curricular. A grade, nesse caso, não segura ninguém. Ou, quando segura, nos faz perdermos tempo.

Acabei me formando, mas não consegui sustentar uma trajetória tradicional por muito tempo. Às vezes fico pensando como teria sido se os espaços em que estudei honrassem nossas necessidades humanas de segurança, pertencimento e propósito. Mas, logo reconfiguro essa pergunta para o que pode ser aqui e agora, já que estou dando os primeiros passos no caminho de aprendizagem que de fato escolhi. Como você disse no vídeo da campanha de financiamento coletivo do projeto, Juanita, “escolher um caminho não convencional, mas necessário ao nosso mundo pode realmente fazer um grande diferença”.

Obrigado pela sua jornada,

Alex.

Referências

Educação Fora da Caixa. Campanha de financiamento coletivo no Catarse. Disponível em: https://www.catarse.me/pt/educforadacaixa.

Juanita Brown, Eric Vogt e David Isaacs. The Art of Powerful Questions: catalyzing insight, innovation and action. Whole Systems Associates. Mill Valley, California.

Juanita Brown. O World Café: dando forma ao nosso futuro por meio de conversações significativas e estratégicas. Trad. de Moises Sales. São Paulo: Cultrix, 2007.

Juanita Brown. The World Café: Living Knowlegde Through Conversations That Matter. Tese (Doutorado em Filosofia) em Desenvolvimento Humano e Organizacional. Saint Barbara: The Fielding Institute, 2001.

Cartas

Este texto dá continuidade à série de cartas do livro da Educação Fora da Caixa. A ideia é escrever intimidades a pessoas que abriram novas portas em minha jornada no campo da aprendizagem.

Leia as outra cartas que já publicamos: Carta a Paul Feyerabend | Sobre nascimentos e aprendizagens (Carta à Luísa Modena Dutra) | Tempo de nascer (a resposta da Luísa) | Histórias de um educador incansável (Carta ao José Pacheco)

Fez sentido para você? Ajude a sustentar este doutorado informal e conheça 50 ferramentas de aprendizagem inovadoras. Clique aqui.

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.