O Capitalismo é um Filme de Terror

Como os filmes de terror retratam a tortura capitalista.

Jota Gaivota
Enfim Cinema

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Esta matéria é parte de uma série chamada O Mês do Terror no Enfim Cinema (2019). Confira as outras partes.

Recentemente você pode ter visto a discussão sobre uma ideia de ‘pós-terror’ no qual o gênero estaria de algum modo sendo elevado ou refinado de seu passado mais mundano e grotesco. Acredito que esta interpretação provém de uma análise superficial destes filmes, considerando apenas o conteúdo que está explicito no texto e na tela.

Vamos combinar que nenhum filme é feito pra quem ainda vai nascer e muito menos pra quem já morreu. Fazemos Cinema pra quem está vivo junto de nós. Compartilhando a mesma realidade. Pense na tarefa de fazer um filme de terror: como produzir uma obra sombria, com visuais repugnantes que possam causar sentimentos ruins como o Medo ou o Nojo? Certamente você, assim como eu, procuraria dentro de si o que causaria essas sensações e tentaria traze-las para a tela. Assim o filme bem executado possui em si algo que provém da época em que foi feito, neste caso algum dos terrores que assombraram a equipe criativa e também aos expectadores.

Mark Stevens propôs em seu livro Splatter Capital: The Political Economy of Gore Films a análise do meio de produção capitalista como um filme de terror, com cenas grotescas e sangue abundante. Nós, os proletários, não temos maneira de sobreviver sem estarmos empregados. Nossa condição se deu por violência ancestral: seja de camponeses expulsos de suas terras durante os cercamentos, seja pela colonização portuguesa que sequer considerava indígenas e negros como humanos. Somos força de trabalho não por escolha, nem por falta de sorte, houve muito planejamento e massacre durante a História pra nos jogar aqui.

Um pensamento comum atualmente é de que ‘é um péssimo momento para se estar vivo’ com o alto desemprego, a desinformação das redes sociais e a crise climática. Essa ideia reacionária parte da premissa que já houve um tempo bom, o que nunca foi verdade. Sergei Eisenstei, precursor da montagem intelectual, retratou em A Greve (1925) uma analogia pertinente. Os grevistas encurralados pela polícia são massacrados como gado no abatedouro. Essa sempre foi a realidade de quem tenta mudar o mundo. Aliás é só olhar pela brutalidade policial dos protestos contra o (des)Governo pra perceber que ainda há muita violência pra nos manter dóceis. Já dizia o outdoor que ficou famoso durante o governo ilegítimo de Temer: “não pense em crise, trabalhe”.

Cena do filme A Greve (1925, Sergei Einsenstei)

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No livro Mark Stevens cita diversos casos de filmes representando as angústias do período em que foram feitos. Especificamente ele cita dois picos na produção do terror estadunidense: o primeiro nos anos 70 durante a expansão de políticas neoliberais e de globalização na indústria do país. O segundo no período pós-Guerra Fria e durante a Guerra ao Terror.

Imagem do filme Massacre da Serra Elétrica

O Terror da Globalização Neoliberal

Aqui um exemplo é o Massacre da Serra Elétrica (1974, Tobe Hooper) no qual a família de assassinos foi afetada pela globalização onde a industrial local foi transferida para outro país. Sem sustento eles mantiveram o abatedouro vivo substituindo o gado por pessoas.

Aliás os jovem não conseguem combustível para o carro justamente por um conflito internacional que aconteceu em 1973 no qual a OPEP embargou a exportação de petróleo para países, como os Estados Unidos, que apoiavam o Estado (ilegítimo) de Israel na Guerra de Yom Kippur.

O Terror no Fim da História

Em 1992 o economista Francis Fukuyama publica ‘O Fim da História e o Último Homem’ declarando que com o fim da União Soviética o modelo de sociedade ocidental tinha mostrado sua superioridade e que as mazelas da época seriam gradualmente eliminadas num processo suave de reforma contínua. Este é o Fim da História e todos nós estávamos condenados a ficar presos neste limbo ideológico. Ricos e Pobres. Vítimas e Assassinos. Jogos Mortais (2004, James Wan) retrata exatamente isso: tanto as vítimas quanto Jigsaw estão condenados. Elas pela armadilha de uma escolha impossível e ele por uma doença intratável sem plano de saúde privado.

Stevens argumenta que filmes como Jogos Mortais e O Albergue (2005, Eli Roth) são profundamente relacionadas com sua época porque o horror se passa em locais fechados assim como as técnicas de “interrogatório avançado”, conhecidas como tortura, e foram sancionadas pelo governo estadunidense — conforme visto de maneira bem didática no filme Vice (2018, Adam McKay).

Leia sobre minhas impressões do filme Vice (2018, Adam McKay)

Apesar de ser um gênero marginalizado, tanto por alguns críticos quanto pelo público. O terror tem potencial de servir como crítica, especialmente ao modelo de sociedade vigente. Seu apelo a sentimentos e sensações como o medo, a repulsa e o nojo podem ser ferramentas poderosas para sensibilizar o público física e psicologicamente sobre o horror de viver nas condições atuais.

Esta matéria é parte de uma série chamada O Mês do Terror no Enfim Cinema (2019). Confira as outras partes.

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