Em inglês, diz-se “Porto” ou “Oporto”?

Marco Neves
Entre Linguas
4 min readNov 30, 2014

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JÁ OUVI POR AÍ algumas pessoas a reclamar por causa do nome que os ingleses (e espanhóis, já agora) dão à nossa cidade do Porto. Pois que ideia é essa de chamar “Oporto” ao Porto? Que disparate vem a ser este? Não vêem que “o” é o artigo definido? Que não faz parte do nome da cidade? Segue-se, normalmente, um suspiro pela ignorância de tais estrangeiros.

Ora, isto diz mais da nossa tendência para disparar opiniões antes de pensar do que propriamente da correcção ou incorrecção do nome “Oporto”. Afinal, nós também damos nomes portugueses a algumas cidades inglesas e espanholas (Londres, Sevilha, Cantuária, Bilbau…) e não vemos os espanhóis e os ingleses a chamarem-nos ignorantes por isso.

Não há regras nesta questão: cada povo tem formas insondáveis de arranjar nomes para as cidades dos outros. Muitas vezes, mantemos um nome parecido com o original, outras vezes inventamos—e há quem junte o artigo e o nome na língua original e crie um nome novo (os Portugueses fizeram isso com o Al-Garb).

Sim, os ingleses juntaram o artigo português ao nome original para criar um nome inglês para a cidade do Porto. Não vem daí mal ao mundo. Pensem antes que isto de usarmos nomes próprios para designar uma cidade estrangeira só acontece quando damos importância a essa mesma cidade. O Porto é importante para ingleses e espanhóis—tanto que até lhe deram um nome só deles. Os ingleses fizeram o mesmo com “Lisbon” e ninguém reclama.

(Já agora, a designação técnica desses nomes estrangeiros das cidades é exónimos. “Londres” é um exónimo português. “Lisbon” é um exónimo inglês. “Oporto” é outro exónimo inglês.)

(…) nós também damos nomes portugueses a algumas cidades inglesas e espanholas (Londres, Sevilha, Cantuária, Bilbau…) e não vemos os espanhóis e os ingleses a chamarem-nos ignorantes por isso.

A PERGUNTA MANTÉM-SE: afinal os ingleses usam mais “Porto” ou “Oporto”? Parece haver uma tendência para o uso do nome “Porto” — se olharmos para os sites de turismo ou para as companhias de aviação, vemos em todo o lado “Porto”. Será que o nome “Oporto” está a desaparecer?

Uma forma simples de tentarmos perceber qual das expressões é mais usada é fazer uma procura do nome da cidade em todo o arquivo do Google. Temos de ter algum cuidado, no entanto: se procurássemos, simplesmente, “Porto” e “Oporto”, a pesquisa por “Porto” iria devolver resultados que incluiriam a língua portuguesa. Interessa-nos, aqui, saber o que acontece apenas em inglês. Podemos restringir a procura aos sites em inglês—mas também não queremos contar ocorrências do nome de cidades como Porto Alegre.

Como o que nos interessa é comparar as duas expressão, podemos pesquisar as expressões “Porto in Portugal” e “Oporto in Portugal”. Não iremos obter o número global de ocorrências de cada um dos nomes, mas iremos perceber qual deles é mais frequente (estamos a usar uma espécie de amostra do número total de ocorrências).

Neste caso, os resultados são estes:

  • Oporto in Portugal”: 38 100 resultados
  • Porto in Portugal”: 140 000 resultados

Olhando para estes números, parece haver uma tendência para o uso de “Porto” em detrimento de “Oporto”—isto se estivermos a falar dos textos que estão publicados na internet e indexados pelo Google.

Quis ir um pouco mais longe. Afinal, a internet tem de tudo, incluindo muitos erros e páginas repetidas. Usei o serviço do Google chamado Ngram, que investiga a frequência de uso de determinada expressão em todos os livros de língua inglesa que o Google já digitalizou. Neste caso, não estamos a falar da internet. Estamos a falar de publicações em papel, que passaram, grande parte delas, por revisores e editores—em princípio, estamos perante um conjunto de textos em inglês mais cuidado.

As expressões que procurei foram, mais uma vez, “Porto in Portugal” e “Oporto in Portugal”.

Os resultados foram estes, para os anos entre 1800 e 2008:

https://books.google.com/ngrams/graph?content=Porto+in+Portugal%2COporto+in+Portugal&year_start=1800&year_end=2000&corpus=15&smoothing=3&share=&direct_url=t1%3B%2CPorto%20in%20Portugal%3B%2Cc0%3B.t1%3B%2COporto%20in%20Portugal%3B%2Cc0

Curiosamente, nas obras publicadas entre 1800 e 2008, a expressão “Oporto in Portugal” é sempre mais usada do que “Porto in Portugal”. Esta última expressão tem aumentado de frequência nas últimas décadas, mas continua em segundo lugar.

Podemos, assim, propor a seguinte hipótese: em inglês escrito e publicado (e, por isso, mais cuidado), o nome “Oporto” parece continuar a ser a designação preferida pelos anglófonos para se referirem à nossa cidade do Porto.

(…) em inglês escrito e publicado (e, por isso, mais cuidado), o nome “Oporto” parece continuar a ser a designação preferida pelos anglófonos para se referirem à nossa cidade do Porto.

Para terminar, olhemos para o gráfico de novo. “Oporto in Portugal” parece ter sido muito usado no início do século XIX. Assim de repente, talvez tenha algo a ver com as Invasões Francesas, guerra em que os ingleses participaram activamente e que terá, certamente, levado a muitas referências às cidades portuguesas nas obras publicadas nessa época.

Não nos esqueçamos que Portugal era, para a superpotência da época, um palco de guerra. Daqui a umas largas décadas, quando olharmos para a frequência do uso do nome de cidades em inglês, é bem provável que vejamos um pico na frequência do nome “Baghdad” (e outros que tais) nos livros publicados no início do século XXI…

Marco Neves é tradutor e gestor na empresa Eurologos-Lisboa (www.eurologos.pt). É docente de Prática da Tradução na FCSH-UNL.

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Marco Neves
Entre Linguas

Writer of non-fiction books on language and translation. Assistant Professor at NOVA University of Lisbon. Researcher at CETAPS.