2020 Dedo no Olho e Gritaria — parte II
Um compilado de 10 discos maravilhosos lançados no segundo semestre.
Música salva e na loucura de 2020 isso foi estampando em vários momentos. No fatídico ano que “ficar em casa” se tornou um mantra obrigatório, vivenciamos um período repleto de lançamentos musicais que modificaram o conceito de cena e produção. Um som em forma de alento, a pistinha improvisada em casa, aquela canção pujante ou embargada no âmago da emoção.. teve música boa nos acompanhando em todos os momentos. Através de uma catarse sentimental, dedo no olho e gritaria, estes 10 discos listados aqui foram lançados durante o segundo semestre e fecham nossa edição de compilados.
Slow Pulp — Moveys
Em 09 de outubro, o quarteto Slow Pulp lançou seu notável álbum de estreia, “Moveys”. Indie-rock delicioso que atinge níveis de complexidade e excelência em sua composição direta. Neste trabalho, a banda de Chicago superou desafios de saúde, convulsões pessoais e a pandemia da covid-19, ao mesmo tempo em que aprendiam a ser melhores no que fazem e o estreitamento da amizade entre os músicos. O álbum de 10 faixas destaca a capacidade e a resiliência da banda para se unir mesmo quando eles estavam distantes fisicamente. Moveys é um álbum que se beneficia de sutis toques de pop, acalento na voz aveludada da vocalista Emily Massey, e registra a importante colaboração de (Sandy) Alex G.
TARDA — Futuro
TARDA é uma banda/projeto audiovisual formada pelas artistas Julia Baumfeld, Paola Rodrigues, Randolpho Lamonier, Sara Não Tem Nome e Victor Galvão. Atualmente, os integrantes estão divididos entre Belo Horizonte, São Paulo e Paris. Esse encontro artístico resultou no lançamento de “Futuro”, em 11 de novembro. Produzido pela própria banda, as gravações do disco foram iniciadas há dois anos numa mescla de estúdios em Belo Horizonte e São Paulo. O álbum conta com 11 faixas que transitam entre o shoegaze e o dream pop, com influências do post rock. Entre algumas das referências sonoras, destacam as bandas Slint, Low, Warpaint e Beach House. Lançado num momento em que é difícil vislumbrar o amanhã, Futuro é a forma imersiva que a TARDA encontrou de falar sobre o presente.
Jayda G — Both Of Us / Are U Down
A canadense Jayda G traz um combo de energia e talento em tudo que faz. Atuando na cena musical com produtora, dj e cantora, em 02 de novembro, lançou o EP “Both Of Us / Are U Down”. Na produção, G buscou inspiração nos primeiros discos de house ao cortá-lo e costurá-lo ao lado de chimbais, sintetizadores, bumbo e piano edificante. Junção perfeita com os vocais orgásmicos e espirituais. Both Of Us / Are U Down é uma carta de amor à dance music e sua terna conexão humana encontrada em uma pista de dança.
Carabobina — Carabobina
O disco homônimo de estreia da dupla Carabobina vem dando o que falar na cena indie brasileira. Composta pela venezuelana Alejandra Luciani e Raphael Vaz, do Boogarins, as nove músicas de Carabobina foram lapidadas ao longo de dois anos e lançadas em 06 de novembro. Trazendo composições em português, inglês e espanhol, o disco carrega uma atmosfera híbrida, orgânica e eletrônica, em que tudo parece construído com maestria sem deixar o tom do improviso de lado. Um disco harmoniosamente psicodélico e ótima pedida nos dias ensolarados de verão.
Adrianne Lenker — songs/instrumentals
Em 23 de outubro, a potente vocalista e guitarrista do Big Thief, Adrianne Lenker lançou mais um trabalho solo, “songs/instrumentals”. O disco aborda temas familiares de perda, solidão, memória e arrependimento em algumas das composições mais vívidas de sua carreira. No início da pandemia, Lenker se recolheu em uma cabana de um cômodo na floresta ao oeste de Massachusetts, com o coração partido pelo término de um relacionamento. As simples tábuas de madeira no interior da cabana a lembravam, disse ela, “do interior de um violão”. Seu amigo Philip Weinrobe, engenheiro de gravação, foi convocado com um caminhão cheio de equipamentos: gravadores de fita de meia polegada, cabos XLR, um microfone binaural. Eles passaram algumas semanas lapidando o material e outras três gravando. A sensação de presença que eles capturaram neste trabalho é quase esmagadora. O violão soa tão perto que você pode ouvir as pontas dos dedos de Lenker dedilhando e escorrendo pelas cordas de aço. Ocasionalmente, sua cadeira range ou seu pé encosta no chão. Algumas canções exibem um resquício do canto de pássaros ou chuva caindo. Singelo e belíssimo.
Jadsa — Taxidermia
A parceria da compositora e musicista baiana Jadsa com o músico e produtor João Milet Meirelles, mais conhecido por seu trabalho no BaianaSystem, resultou no excelente EP Taxidermia — fruto de um projeto colaborativo e experimental. O EP, lançado em 21 de agosto, tem quatro faixas que contam com a poesia muito pessoal de Jadsa enriquecida pelas colaborações com seus companheiros. As letras associam jogos de palavras, concretismo musical e exploração de sons, desconstruindo sentidos e renovando-os, misturando estilos e timbres, propondo pausas dramáticas e momentos instigantes. Em 2019, Jadsa assinou com o selo Balaclava Records, que lançará seu primeiro álbum completo, “Olho de Vidro”, com patrocínio da Natura Musical.
Deep Sea Diver — Impossible Weight
O terceiro álbum de estúdio do Deep Sea Diver, “Impossible Weight”, começou durante um período de turbulência interna e insegurança, que viu a compositora e guitarrista Jessica Dobson questionar se ela realmente queria continuar com a banda. No entanto, falou abertamente sobre seus sentimentos, e com o apoio de seus companheiros de banda e do marido Peter Mansen (também baterista do Deep Sea Diver), Dobson produziu um de seus álbuns mais livre e honesto até agora. Lançado em 16 de outubro, o disco é composto por doses metafóricas entre flashes de poder propulsivo furioso, impulsionado pela guitarra de Jessica Dobson, para momentos de reflexão e calma. A faixa-título, “Impossible Weight”, é sobre desmoronar e então juntar os pedaços e conta com uma dobradinha da sempre maravilhosa Sharon Van Etten. O álbum é uma documentação digna dos tempos mais difíceis, mas torna o feio em algo bonito e que dá gosto em compartilhar.
Mc Dricka — Rainha dos Fluxos
Aos 22 anos, Fernanda Andrielli, mais conhecida como Mc Dricka, se tornou uma das mulheres da música mais ouvida em 2020. Orgulho da Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de São Paulo, ela cantou a voz de várias minas com o hit que celebra autoestima das donas da rua: “E nós tem um charme que é da hora, da hora/ Um sorriso que é de impressionar/ E nós desenrola nas palavra, não leva desaforo pra casa/ Eu que posso me bancar…” Conhecida no cenário do funk paulista como a rainha dos fluxos, foi assim que ela resolveu chamar seu primeiro EP. Há três anos, Mc Dricka vem emplacando single atrás de single com seu funk ousadia empoderado. “Rainha dos Fluxos”, lançado em 20 de dezembro, consolida o ano produtivo e de reconhecimento da Mc.
Róisín Murphy — Róisín Machine
2020 carimbou o retorno da dance music para o mainstream. Prova disso foram os excelentes lançamentos que surfaram nas raízes setentistas e oitentistas do gênero. Para fechar a ótima safra, a irlandesa Róisín Murphy lançou, em 02 de outubro, seu quinto álbum solo, “Róisín Machine”, no qual batidas house pulsantes e arranjos de cordas sofisticados predominam ao longo das dez faixas de seis a oito minutos. A performance vocal de Murphy é cheia de emoção e prova que ela continua sendo uma das artistas mais interessantes e habilidosas da dance music, conseguindo soar atemporal e com alma. Murphy registra uma variedade de experiências ao longo do álbum e o faz habilmente, tecendo referências cerebrais a teorias filosóficas, literatura clássica e mitologia grega, oferecendo aos ouvintes uma chance de mergulhar profundamente na música. Este álbum é a chance de testemunhar uma artista totalmente formada e segura na construção de uma obra-prima excêntrica, envolvente e dançante.
Luedji Luna — Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água
“Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água” é brilhantismo, afeto e respiro. O álbum, lançado em 14 de outubro, confirma a artista baiana Luedji Luna como um dos grandes talentos da música brasileira atual. Ela passeia com naturalidade pela ancestralidade (parte do disco foi gravado no Quênia) e pelos dias atuais em uma obra bela, que fala de amor e de vingança naturalmente. Da mesma forma que fala do íntimo, do que se passa pela cabeça e ainda da necessidade de ir e vir sem barreiras. Atravessada pela maternidade, a artista cria uma narrativa que dá continuidade ao álbum de 2017, “Um Corpo no Mundo” — uma narrativa de mulher preta em um mundo que diferencia cada um pela cor da pele e pelo gênero. Nesta rica construção, percebe-se a influência de Cristiane Sobral, Nina Simone, Conceição Evaristo, Soujorner Truth, Miles Davis. Tudo ali concentrado, juntinho e equilibrado. Em Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água, Luedji mostra ao mundo que passou com louvor na “prova do segundo disco”.
Uma playlist com músicas dos discos retratados aqui e dos lançamentos do primeiro semestre está disponível no Spotify do ENTRE LP ❤