Exposição de livros do gênero Literatura de Cordel.

Cultura Nordestina fora do Nordeste

Jaqueline Amanda
Esquina On-line

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A contribuição cultural para a identidade da região

Falar em Cultura no Distrito Federal e não citar Ceilândia é como se os 46 anos da cidade não existissem. No dia 27 de março Brasília ganhava uma filha e irmã em pleno regime militar, destinada a atender a população do DF e o crescimento da Capital. Nasceu Ceilândia. Ação liderada pelo governador gaúcho, Hélio Prates, dando vida à cidade mais nordestina do Brasil fora do Nordeste.

De acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Ceilândia é a região administrativa que mais abriga nordestinos. Cerca de 48% dos moradores são de estados dessa região. Entre os imigrantes, o Estado do Piauí é quem mais possui representantes, 23,4%, o equivalente a cerca de 55 mil pessoas. Outros Estados também possuem representatividade expressiva: grande parte da população do Maranhão, da Bahia e do Ceará também imigraram para a Ceilândia, com 18,3%, 18,1% e 16%, respectivamente.

É só chegar à cidade que já da pra sentir um pouquinho do gostinho nordestino. São comidas, danças, artesanato, música, ritmo, literatura, entre outros. Ceilândia aproxima o nordestino de sua origem.

É o exemplo do aposentado Donzílio Luis, 86, ele apenas não veio do Nordeste, como trouxe o nordeste para cá. Nascido em Itapetim (PE), a 385 quilômetros do Recife, o repentista veio para a capital do país buscando melhores condições de vida não só para si, mas também para a família. A esposa e o filho, de apenas quatro anos, vieram logo após ele se estabilizar.

Junto com as malas veio o amor à literatura de Cordel. No entanto, para Donzílio Luiz poeta cantador, em uma conversa informal realizada no prédio da Casa do cantador, diz que: “tudo é resultado da literatura de cordel. Se eu canto, o outro faz embolada, o que chama embolada de coco2 também, o outro escreve cordel, o gênero é um só: literatura de cordel, engloba tudo isso.” Diz

De acordo com Donzílio Luiz, após o ajuntamento de grande parte dos nordestinos, agora ceilandenses, em uma única cidade, os cantadores também começaram a conhecer e se reconhecer em relação aos pares, se agruparam, e realizavam apresentações nos bares e vielas da nova cidade. A aceitação já era prevista, diante do público sempre presente assistindo às duplas, disputas e pelejas. Donzílio ainda afirma que, nos primórdios, “todos eram nordestinos em Ceilândia, e fazia-se muita cantoria nos bares”. Sendo, posteriormente, percebido que podiam pleitear um local para realizar suas atividades.

A literatura de Cordel

A Literatura de Cordel é uma das principais manifestações culturais nordestinas, consiste na elaboração de pequenos livros contendo histórias escritas em prosa ou verso, sobre os mais variados assuntos: desafios, histórias ligadas à religião, política. É o estilo literário com o maior número de exemplares no mundo. Para os nordestinos, a Literatura de Cordel representa a expressão dos costumes regionais. Veja abaixo as principais obras e artistas da literatura de cordel:

Para quem tem interesse o site Cordel Literatura Popular em Versos, disponibiliza maior acervo sobre literatura de cordel.Foram inseridos, na coleção, mais nove mil folhetos digitalizados e biografias de 20 outros poetas. Destes, estão publicadas no site cerca de 2.340 folhetos de cordel, biografias de cantadores e poetas. Os interessados podem também efetuar consultas bibliográficas, entre artigos, livros, teses e dissertações. criado pela Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). O objetivo é preservar, conservar e disponibilizar a maior coleção da América Latina sobre o assunto, com mais de nove mil títulos. O acesso é gratuito e livre, sem necessidade de inscrição online.

O mundo do repente

A arte hoje conhecida como Cantoria ou Repente teve origem na segunda metade do século XIX, na Serra do Teixeira, sertão da Paraíba, região onde os primeiros repentistas começaram a travar desafios de repentes. A maioria desses primeiros repentistas cultivava o hábito da leitura e da escrita e vivia da agricultura, comércio e outras atividades, sendo o resultado financeiro das cantorias uma renda complementar.

Existem mais de 30 modalidades de Repente. De acordo com a modalidade, os versos podem ser de 4, 5, 7, 10 ou 11 sílabas rítmicas e as estrofes, em maioria, são compostas por 6, 7, 8 ou 10 versos cada. Em certas modalidades, alguns dos versos componentes das estrofes são pré-definidos, com os quais são rimados versos improvisados.

Segundo Donzílio Luiz, os versos da cantoria, originados através da métrica, rima e criatividade, são “presos” ao tema solicitado, produzidos seguindo o tema proposto, em que também são contadas a quantidade de sílabas. Se uma cantoria é constituída por dez “pés” decassílabos, temos: dez versos de dez sílabas. Mas também pode ocorrer de uma cantoria ser constituída por dez “pés” sete silábicos. Assim teremos: dez versos compostos de sete sílabas. E dessa maneira, toda a cantoria deverá seguir a estrutura vertical e horizontal. Ou seja, o cantador deve metrificar a quantidade de versos e sílabas às quais constituirão o improviso.

Apaixonado pela região o repentista faz um poema demostrando seu amor pela região que decidiu viver:

Repentista

O paraibano Geraldo Queiroga, 59 anos, nascida em Sousa, já trabalhou como garimpeiro, agricultor, comerciante. Hoje se define como “poeta repentista”. O cantador experimentou muitas profissões antes de sua total exclusividade à arte. Somente aos trinta anos dedicou-se exclusivamente à cultura nordestina. O poeta só percebeu que tinha habilidade para a cantoria quando um grupo de repentistas se apresentava. Logo veio o interesse pela rima cantada. “Meu pai viveu 60 anos como cantador e eu nunca tinha me interessado. Só depois de velho que percebi que tinha herdado dons do meu pai”, explica.

Hoje Geraldo é um dos repentistas que lutam para manter essa cultura viva. “A diversidade existe, as novas culturas estão hoje bem representadas na cidade, mas nós queremos o nosso espaço, pois queremos passar para os mais jovens, a cultura viva do nordeste na Ceilândia, para que essa tradição nunca morra’’, comenta o artista.

Ouça o poema que Geraldo Queiroga fez durante a entrevista:

O repente é uma expressão artística, em que todos os atores participantes são ativos, é realizada em conjunto. O cantador cria de acordo com o tema, assunto ou modalidade imposta, tocando a sua viola e acompanhado pelo parceiro ou desafiante, que segue a mesma proposta. O público acompanha, sugere, aplaude, emite sons de aprovação ou não. Todos se associam e contribuem para a cantoria, no local combinado e destinado à arte nordestina.

Repentista Messias de Oliveira se apresenta na Câmara Legislativa, no movimento “Respeito aos artistas”

Quer ouvir um pouco da poesia cantada? Aperte o play e conheça um pouco mais das vozes do repente no DF.

Música de João Santana e Valdenor Almeida

Geraldo Queiroga e Zé de Lima

Veja também reportagens sobre espaços culturais na periferia, grafite feminista no DF e a diversidade do Conic nesta edição do Esquina On-line.

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