Os desafios de uma deficiência invisível

Breno Mateus Silva
Esquina On-line
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5 min readJun 8, 2018

Pacientes com estomia intestinal contam as dificuldades psíquicas, sociais e sexuais que enfrentam com a bolsa coletora.

Ter uma deficiência não é fácil, ainda mais quando ela não é, de certa forma, aparente. Passar por um procedimento cirúrgico para eliminar excrementos pela área abdominal causa sofrimento à pessoa estomizada. Ela perde a autoestima, o convívio social e afetivo, e passa a lidar com a eliminação involuntária de gases e fezes.

Foto 1: Ilustração de uma estomia. Créditos: Equipe Bureau de criação — UniCEUB Taguatinga.

Desde o início, a rejeição à bolsa é inevitável. “É impossível uma pessoa que expele fezes e urina pela área abdominal dizer que vive normalmente. Como é que nós fazemos? a gente se adapta, não dá para se fechar para o mundo”, relata Ana Paula Batista, presidente da Associação dos Ostomizados do Distrito Federal (AOSDF), estomizada há 11 anos. Para ela, há uma mudança na autoimagem do recém-estomizado, que precisa de tempo para se adaptar à deficiência. “Eu, por exemplo, levei de 6 meses a 1 ano para me aceitar”, afirmou.

As causas para a realização da estomia temporária ou permanente são diferentes. Os maiores casos se referem às doenças inflamatórias intestinais, como Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, ou ao câncer de intestino. A terminologia — ostomia, estomia ou colostomia — pode variar. “Existe uma tendência em adotar ostomia e estomia, por causa da estomoterapeuta, que é a enfermagem especializada em cuidar dos estomas, mas já vi até em reportagens o termo ostomia. Então, acredito que hoje as duas terminologias são aceitas”, afirma o coloproctologista Dannilo Brito Silveira.

Estomizada há 5 anos, Isabel Cristina, 31, teve prolapsos no intestino. Foto: Arquivo pessoal.

Além de conviver com uma nova condição, o estomizado tem complicações locais diárias na bolsa coletora, como queimadura de pele, dermatites e infecções perto da abertura, onde está localizado o estoma. Diagnosticada com Doença de Crohn, Isabel Cristina foi submetida ao procedimento. A doença se agravou e ela teve prolapsos — quando grande parte do intestino fica para fora do corpo. “Você sente muita dor. O intestino retrai e as fezes vão batendo na pele causando feridas. É uma dor constante, não para. Você fica à flor da pele”, relatou.

Apesar de ser considerada deficiência física, não é facilmente perceptível, pois é disfarçada pela vestimenta. Contudo, o estomizado está constantemente sujeito a constrangimentos. A presidente da AOSDF, Ana Paula Batista, destaca ainda, que sem apoio, portadores da bolsa de estomia permanecem na invisibilidade: “As pessoas não entendem o porquê do estomizado, estar numa fila preferencial, por exemplo. A sociedade também precisa nos ajudar, respeitando o outro. O deficiente não é só o cadeirante e o cego”.

A falta de acessibilidade ao banheiro também é um impasse, a bolsa enche e se descola. Às vezes, não há um sanitário disponível para a pessoa estomizada, o que leva a sujar a roupa: “Já estive em lugar cheio de gente e a bolsa descolou, me sujou e sujou as pessoas. Você passa esse tipo de vergonha” relata o assistente administrativo Guilherme Caetano Lucas, estomizado há 5 anos.

Paciente estomizada com bolsa. Foto: Breno Mateus Silva

Por representar uma alteração na imagem corporal, a sexualidade é afetada. É o caso da Nilza Fonseca, de 62 anos, que se sentia constrangida e tinha medo que o parceiro a rejeitasse. “Eu pensava que ia atrapalhar, que não ia ser legal e ele me falava que isso era bobagem”. O esposo, Wilson Machado, de 64 anos, diz que não houve diferença no relacionamento, eles continuam a conviver bem.

Nilza Fonzeca, 62 anos, estomizada, e o marido Wilson Machado, 64. Foto: Arquivo pessoal.

A relação de Nilza e Wilson é um caso isolado. Em uma pesquisa sobre a convivência conjugal com a pessoa estomizada e suas implicações sociais, psíquicas e sexuais, a estomoterapeuta Ana Lúcia da Silva estudou a interferência na vida social e sexual de casais. O levantamento foi feito com 36 parceiros de pessoas estomizadas e 72 de não-estomizadas com variáveis que poderiam influenciar na convivência diária.

As tabelas abaixo mostram a frequência dos parceiros em aspectos sociais e sexuais. A participação em atividades de lazer, por exemplo, é aproximadamente 10% menor entre cônjuges de pessoas estomizadas.

Grupo Caso: parceiros de pessoas estomizadas. Grupo Controle: parceiros de pessoas não-estomizadas.

Quanto à vida sexual, mais de 70% dos casais afetados pela estomia reduzem a frequência das relações.

Grupo Caso: parceiros de pessoas estomizadas. Grupo Controle: parceiros de pessoas não-estomizadas.

O que diz a lei

Estomizados estão incluídos na Lei Federal 5.296, de 2004, sobre o amparo das pessoas com deficiência. Uma pessoa estomizada, de acordo com a lei, é aquela submetida a uma intervenção cirúrgica que cria um estoma (abertura, ostio) na parede abdominal, para adaptação de bolsa de coleta na eliminação de fezes do corpo humano.

Em 2009, o Conselho Nacional de Saúde aprovou uma portaria que regulamenta a implantação de serviços de atenção e saúde das pessoas estomizadas em todo o território brasileiro, no âmbito do sistema público de saúde (SUS). Tanto a bolsa coletora como outros materiais são fornecidos pelos hospitais públicos e pelos planos de saúde. O presidente da Associação Brasileira dos Ostomizados (ABRASO), Antonio Amaral, explica os benefícios e ameaças desses direitos para a população portadora de estomia:

Grupos de apoio

Atualmente, 43 associações de ostomizados espalhadas no país informam sobre atendimento e adaptação a essa condição. Na Associação dos Ostomizados do Distrito Federal, há projetos para que o portador dessa deficiência recupere a autoestima. Ouça a explicação da presidente, Ana Paula Batista, os papéis da AOSDF:

As páginas Ostomia sem tabu e Ostomia em foco oferecem um suporte por meio de grupos e fóruns, vídeos educativos e dicas para o estomizado melhorar a qualidade de vida.

Leia reportagem sobre a experiência e o cotidiano de Guilherme Lucas:

A anemia é outro assunto importante com relação à saúde, mas há muitos mitos e verdades em torno da doença. Confira em outra reportagem desta edição.

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