A autoridade e a tradição

Gabriela Vieira
Essentia
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8 min readNov 14, 2020

A educação começa em casa, sendo tarefa primordial dos pais. Quando delegamos ao Estado que nos forneça segurança pública, não se abdica da própria segurança. Da mesma forma, quando se fala em educação dos filhos, não se delega toda essa formação ao Estado: o que o Estado fornece é apenas complementar. Mas até que ponto essa complementação é válida? Os filhos são do Estado? Dos pais?

É certo que a ligação entre os pais e os filhos é insubstituível. O papel que cada pai e que cada mãe tem na personalidade de um filho é único e imprescindível. Nenhum parente, escola ou instituição estatal conseguirá ocupar esse posto.

Desde o ventre materno, a fala da mãe já influencia o bebê que ali se desenvolve. Lá já ocorrem as primeiras sinapses. Por isso é importante que os pais já falem com seus filhos desde a gestação. Um dado muito interessante é que estima-se que 90% do vocabulário de uma criança venha dos pais entre 6 aos 12 meses de idade da criança.

A própria biologia e antropologia refletem o quão única, insubstituível e irrepetível é a ligação entre o pai e o filho. Isso nos leva a entender que a responsabilidade dos pais também é única e intransferível.

No texto “Família Piquenique”, vimos que hoje há um medo de educar as crianças se pautando sob critérios objetivos. Os pais tem medo de serem taxados de fundamentalistas.

A primeira consequência dessa ausência de critérios é o sentimentalismo, as pessoas hoje são educadas na base do sentimento, e isso transforma o homem em um animal irracional. Caímos em um emotivismo: “se eu sinto que não me faz bem, eu não vou fazer”. Esse tipo de sintoma despersonaliza a pessoa, a torna infra-animal.

A segunda consequência é a desestruturação familiar e o ambiente escolar também já sente isso. No momento em que a família se coloca diante de uma realidade em que não há valores universais e objetivos, é como se colocássemos corações egoístas em um deserto. E o que acontece aqui? Corações egoístas ficam atrofiados em si mesmos. Não conciliam e não dirimem sobre algo, o que ocasiona uma desarmonia e desestrutura familiar.

A escola hoje também é um ambiente despersonalizado, que não se preocupa mais com a formação humana em sua integralidade, mas sim com a ascensão social do homem. O critério que agora estabelecido é meramente materialista.

O que percebemos é um empobrecimento humano e um empobrecimento educacional. Quando a emoção domina o mercado, o ambiente educacional também é dominado pela emoção. Portanto, a forma de educar tem que ser lúdica, não se pode exigir tanto. Caso contrário, a criança ficará traumatizada.

Quando não há mais valores para ensinar, cada um ensina o que quer, e a emoção é quem conduz. É um tecido humano cheio de buracos, ganhando aquele que for mais forte, aquele que tem maior domínio.

Além disso, é notável um culto atual à ciência, às novas tecnologias, a viagens lunáticas. Não que essas coisas sejam, em si, ruins. É claro que não. Mas esse excesso de informação não explica tudo, levando o homem à falta de autodomínio. Assim, os novos meios de tecnologia tem sido, cada vez mais, mal utilizados.

Todas essas fragilidades demonstram uma perda de autoridade muito grande de pais que são únicos e insubstituíveis na vida dos filhos, além de um desprezo pela responsabilidade lhes cabe.

Pedagogia tradicional e a nova pedagogia

Atualmente, é muito intrigante observar como a nova pedagogia prega que temos que acabar com a pedagogia tradicional, com os valores da filosofia grega clássica. Essa nova pedagogia propõe, em contrapartida, o século XXI como uma nova era. É como se existisse uma ilusão de que o homem moderno que vem sendo formado fosse a esperança da humanidade.

No entanto, basta olhar para a realidade das famílias: o número de separações. 70% das mulheres da Europa estão sendo mães sem pais. O que será dessa geração de filhos? Cada vez mais temos pessoas imaturas, pessoas deprimidas muito cedo e gravidez precoce. Isso sempre existiu? Sempre, mas não no grau em que está, com números tão exorbitantes.

Do ponto de vista educacional, nunca vimos números tão baixos. Mas o que aconteceu? O primeiro passo foi acabar com a tradição, que é o maior valor cultural e que protege os valores do passado. Cada vez mais, os pais procuram tentar resgatar essa tradição que foi encobertada.

Consequentemente, a perda da tradição levou à perda da autoridade. E quem é que tem mais razão diante de duas realidades tão contrárias? A ausência do norte das leis naturais desemboca em uma falta de harmonia inevitável.

Toda essa desestruturação e instabilidade no ambiente familiar abre margem para que o Estado atue como aquele que resolve todos os problemas, inclusive como aquele que tenta substituir a autoridade dos pais. No Brasil, vemos um pouco disso sendo manifestado na Lei da Palmada (Lei 13.010/2014).

A consequência da perda de autoridade dos pais e da tradição

A lei 13.010/2014 busca coibir que crianças e adolescentes vivenciem situações de maus tratos em casa. Veda qualquer excesso por parte dos responsáveis no que tange ao trato com os filhos, tutelados ou pupilos. Entretanto, é importante ressaltar que o próprio Código Penal, no artigo 136, já mencionava os maus-tratos sofridos por crianças e adolescentes.

É preciso ter atenção sobre como o Estado interfere no poder familiar. A lei que busca proteger a criança e o adolescente de abusos pode também permitir que qualquer um invada a intimidade alheia por supor que os pais estão cometendo excessos com seus filhos. Mas quem decide isso?

Não procuro adentrar no mérito de que a palmada é ou não correta ou se é ou não efetiva. Porém os pais têm o direito de escolher os instrumentos formativos de seus filhos, correspondentes às suas próprias convicções, e de buscar os meios que possam ajudá-los da melhor maneira na sua tarefa de educadores.

Às autoridades públicas, cabe o dever de garantir tal direito e de assegurar condições concretas que consentem o seu exercício. O que não quer dizer que os direitos das crianças e adolescentes não devam ser protegidos pelo ordenamento jurídico. Antes de tudo, é necessário o reconhecimento do valor social da infância.

As famílias estão longe de ser somente um objeto de ação política. Com a finalidade de confirmar esse entendimento, não se pode tolerar que intervenções estatais mitiguem o poder familiar. Principalmente, não se pode minar o crescimento da consciência das famílias de serem “protagonistas” da chamada “política familiar”, de assumirem a responsabilidade de transformar a sociedade.

O chancelamento da perda de autoridade do pai traz pessoas cada vez mais inseguras e violentas, passíveis de qualquer tipo de doutrinação e alienação.

Segundo o professor Jordan Peterson, o pai, em específico, é aquele que te encoraja. A ausência dessa motivação pode ser desastrosa na formação de pessoas corajosas. Essa perda é desmoralizante. Se o pai rejeita ou não forma uma relação com o filho, é como se o espírito da civilização lhe abandonasse e lhe deixasse de fora, com pouco valor. E é muito difícil se recuperar desse cenário.

Quem é o pai?

O pai é essa força encorajadora, mas que pode ser tirânico às vezes. Esse é um equilíbrio um pouco difícil de atingir, em parte porque, se você é o filho, seu pai pode querer impor sobre você os padrões de comportamento mais exigentes, sempre julgando o que você faz. Mas esse julgamento deve ser feito de maneira que o filho floresça no seu melhor. Atingir esse equilíbrio com exatidão é, e sempre será, desafiador.

É fácil para um pai fazer mais julgamentos. As mães também podem fazer. E é fácil exagerar nesse exercício e ser excessivamente duro, chegando ao ponto de ter as suas próprias patologias e, nesse caso, não fazer direito o seu papel. Ele pode ser o pai que devora o seu filho, porque sente ciúmes das novas possibilidades, do novo potencial, por causa da luta pela atenção e pelo amor da mãe ou dos outros filhos. Vários erros podem acontecer.

O que grande parte das universidades e da nova pedagogia faz é tentar destruir essa figura de autoridade do pai, sem sequer notar que ela se manifesta por todos os lados. Isso acontece especialmente nos ambientes universitários, que são o lugar mais próximo do ideal que a humanidade chegou a criar e instituir.

A figura de um rei que devora seu filho é um tirano. Enquanto a mãe super protetora lhe diz: “eu nunca vou deixar que nada lhe aconteça”. Mas talvez você queira que algo aconteça com você. Por isso, é importante a figura do pai que diz “saia do ninho e se vire, voe, mas estou do seu lado, não por querer te destruir, ou diminuir, ou impedir de ser dominante. Mas eu quero que o melhor de você apareça”.

Essa é a autoridade que precisa ser resgatada, esse impulso para o externo, essa noção de responsabilidade. A ausência de autoridade deu lugar a uma geração de crianças e adolescentes que só falam sobre direitos, que exige milhões de direitos reconhecidos. Contudo, a população atual de crianças e jovens é a geração com mais privilégios da história da humanidade e, ainda assim, reivindica direitos e proteções o tempo todo. Em contrapartida, não há uma demanda por responsabilidades.

A ausência de autoridade que delegue responsabilidades e exija o seu cumprimento traz a perda de sentido da vida e, por consequência, a desordem do ser humano em si e nas suas relações. Uma vida cheia de responsabilidades é uma vida rica, cheia de glória e com um profundo significado.

Vivemos em uma sociedade que demanda um sentido pela vida e que precisa resgatar o conceito de liberdade e de autoridade. Essa autoridade é o exercício vivo da tradição. E sem autoridade não há como se falar em educação. Criar uma nova estrada para uma “nova” natureza humana não faz o menor sentido. Que nova natureza humana seria essa? Isso só tem trazido a destruição do homem. Se não há uma tradição, a família perde a razão de existir e com isso só há uma consequência possível: a destruição do homem.

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Gabriela Vieira
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Colérica sangue nos olhos, apaixonada por uma boa conversa e um cafézinho. Entusiasta quando o assunto é arte, política, literatura, música e filosofia.