O perigoso jogo de Caprichos e Princípios

Laura Poffo
Essentia
Published in
10 min readFeb 18, 2021

Todo mundo tem aquele amigo ou amiga que mudou completamente de personalidade depois de começar a namorar. Alguns chegam a mudar o cabelo, as piadas e até o jeito de falar, quase se tornando irreconhecíveis para quem é do seu convívio diário.

Ainda que, em muitos aspectos, um relacionamento deva mudar alguém para o melhor, é importante ficar atento ao risco de perdermos a nossa identidade. Por medo do que o outro possa achar de nós e dos nossos valores, estamos dispostos a arriscar o que há de mais inerente à nossa personalidade. Mas quais são as consequências desse jogo?

Para ajudar a analisar essa polêmica, vamos estrear um novo formato de texto: todos os autores do Essentia participam. E aqui vamos detalhar as nossas perspectivas sobre ganhos e perdas num relacionamento:

Quando o Homem arrisca tudo

Isabela: As mulheres devem estar atentas a sinais de controle excessivo por parte delas. Ao longo da vida, muitas de nós aprendemos, mesmo que de maneira sutil, que devemos sempre manter um certo controle sobre o homem.

Gostamos de mandar e desmandar. É importante que a mulher se sinta valorizada, amada, e veja no homem um movimento sincero de mover mundos e fundos para vê-la feliz, tratando-a com todo o respeito e carinho que merece. Mas é preciso garantir que nem o homem nem a mulher mudem seu jeito de ser para agradar o parceiro.

Gabriela: Acredito que é um pouco difícil dar um veredito. De fato, cada caso é um caso. Há pessoas que se perdem dentro de um relacionamento e isso realmente é ruim para ambas as partes. Mas também não significa que devemos nos “economizar” dentro de uma relação. Um homem com uma personalidade bem trabalhada, seguro de si, não tem medo de arriscar tudo. Afinal, o amor é mesmo exigente. Não deve haver receio em tratar uma mulher com toda a reverência e dignidade que lhe são próprias.

Só com a entrega total de si mesmo, no autêntico amor, é que o homem se realiza. Dependendo do seu estilo de vida, pode ser que um relacionamento seja algo que exija dele mudanças, que podem ser até radicais em certa medida, mas isso não necessariamente é um problema.

Matheus: Existem quatro casos comuns para o homem em um relacionamento:

– A vida dupla: quando está com a companheira, é uma pessoa e, quando está com os amigos, é o mesmo “moleque” de sempre. O relacionamento é um escape da realidade;

– O comandado: se torna outra pessoa, quase um escravo do relacionamento. Faz tudo para agradar a companheira e não pode tomar nenhuma decisão sem ela. Vive um relacionamento unilateral;

– O homem de verdade: muda positivamente e cresce como pessoa, em um relacionamento sadio e com respeito de ambas as partes;

– E o dono do mundo: que se acha o proprietário da parceira e cria um relacionamento abusivo.

Como já falamos antes aqui no Essentia, o arquétipo do verdadeiro homem é aquele que se entrega por quem ama, dá a sua vida pelos seus. Mas existe um limite: deixar de ser quem você é — o que não quer dizer que o homem não deva fazer sacrifícios pela amada, deixar de lado costumes e atitudes que desagradam, tratá-la com respeito e igualdade.

Laura: Acredito que nós, mulheres, tendemos a romantizar quando um homem muda dentro da relação. Ouvimos de pessoas do círculo dele: “nossa, fulano tá diferente!”, “tá apaixonado que só!” e pronto. Nos derretemos com a ideia de que fomos capazes de mudar a vida de alguém por inteiro!

Contudo, ainda que um homem mude por estar apaixonado, é preciso se atentar aos sinais de que ele é a mesma pessoa por quem você se apaixonou em primeiro lugar. Ele ainda convive com os amigos dele? Ele mantém os hobbies dele, e não absorveu os seus por completo? Ou ele vive para te atender?

Por paixão ou vaidade, assumimos um grande risco de anular a personalidade de quem amamos para nos mantermos na nossa bolha de idealizações. Mas isso não poderia estar mais distante da realidade do amor. Por isso, precisamos identificar pontos de atenção em nós mesmos. Será que eu critico demais o outro? Eu o reprimo em manifestações inofensivas, que são espontâneas ao seu jeito de ser? É preciso lembrar: se você ama o outro, você o ama por inteiro — com suas qualidades, seus defeitos e trejeitos.

Quando a Mulher se lança (até demais)

Isabela: É natural da mulher se doar. Quando comecei a perceber essa minha inclinação nos relacionamentos amorosos, comecei também a reparar que essa é, na verdade, uma característica de muitas das minhas amigas. E é bom que seja assim. Não podemos deixar, porém, que essa doação nos leve à anulação das nossas características que nos fazem únicas e que deveriam ser valorizadas pelo homem com quem escolhemos nos relacionar.

Gabriela: A mulher, em razão de uma feminilidade que lhe é própria, tem uma tendência a se doar. Mas, muitas vezes, isso passa da conta e acaba sufocando o relacionamento, em que ela mesma fica sobrecarregada e acaba sendo controladora demais. Para que uma relação exista, é necessário um doador e um receptor. No convívio a dois, é importante que ambos desempenhem esses papéis, na medida em que são capazes.

É próprio da natureza da mulher dar-se. Mas também é próprio da mulher receber. A cultura pós-moderna ensinou muito que nós mulheres devemos dar muito — seja em casa, seja no trabalho, ou em qualquer outra relação que desempenhamos. Mas, infelizmente, não nos foi ensinada a importância do “saber receber”.

Como consequência, temos mulheres controladoras demais, estressadas demais, sobrecarregadas demais. O problema não é que as mulheres sejam controladoras — isso é consequência. O problema é que só aprendemos que temos que dar muito em vários aspectos, mas não aprendemos a receber, a esperar. Obviamente, isso acaba transbordando nas relações amorosas.

Matheus: É comum que as mulheres se entreguem mais e façam mais sacrifícios em um relacionamento. Mas é também comum que elas se permitam entrar em relacionamentos desbalanceados ou abusivos.

Lembrem-se, mulheres: se o homem não te trata como uma igual, com respeito e carinho, não espere que ele vá simplesmente mudar de uma hora para a outra. Infelizmente, vejo isso com alguma constância; muitos homens não veem as mulheres como semelhantes e se aproveitam da entrega delas para as subjugarem.

Laura: Isso é inegável: mulheres entram, pelo menos uma vez, de cabeça em seus relacionamentos. Especialmente quando a fase da paixão é intensa, acreditamos ter encontrado tudo que o nosso coração busca. E para garantir isso para sempre, nós vamos assumir qualquer preço, custe o que custar — inclusive os nossos valores mais intrínsecos.

Eu perdi a conta de quantas vezes ouvi de amigas (ou até de mim mesma) que elas buscavam X ou Y valor em um homem e que nunca abririam mão disso. Algo do mais banal, como não falar palavrão, ao mais significativo, como ser um bom ouvinte. E no final das contas? Encontrava essas mesmas amigas com companheiros que espelhavam exatamente o oposto do que desejavam.

A mulher chega a esse ponto com pequenas concessões: “ah, mas ele é único, vou deixar essa passar” ou “foi só dessa vez”, até chegar no: “mas naquele dia, há dois anos, ele foi educado como eu sempre quis, então tenho que esperar aquele homem voltar”. O que não percebemos é que essas pequenas chancelas vão deformando a nossa personalidade em grandes proporções.

À medida que vamos cedendo, deixamos pequenas partes de nós mesmas irem embora. Passamos a acreditar que a nossa única razão de ser é se relacionar com o outro, e que nunca encontraremos alguém “tão bom” como ele. Não é à toa que muitas mulheres afirmam se sentirem, literalmente, despedaçadas após um relacionamento conturbado. Afinal, nessa relação, elas se diminuíram (ou se anularam por inteiro) para conquistar algo irrisório, que nunca estaria à altura de sua verdadeira dignidade.

Você está abrindo mão de caprichos ou princípios?

Isabela: Quando nos apaixonamos, queremos dar tudo o que podemos para “a pessoa amada”. Na minha experiência pessoal, pude ver que a espera por encontrar o “príncipe encantado” acabou alimentando em mim o desejo, já característico da mulher, de me doar por inteiro.

Acontecia de uma maneira tão intensa que, sempre que pensava ter encontrado o homem certo, confundia o “doar-me” com ignorar os meus princípios e abrir mão do que, desde o fundo do meu coração, eu tanto desejava nos anos que passei “sonhando” com meu príncipe encantado.

Foi pela conversa sincera e profunda com pessoas nas quais eu confiava e que já tinham mais experiência no assunto (amigos próximos, família, pessoas que sabem dar bons conselhos) que pude ver a confusão que estava fazendo e, assim, distinguir o que é um desejo desmedido de que o relacionamento dê certo e o que é uma doação saudável e harmoniosa.

Se posso dar um conselho nesse quesito, é que não saia por aí falando mal de namorados ou pretendentes, por não fazerem o que você quer. Caso esteja em dúvida se está agindo certo, escolha pessoas de confiança e experientes, que se importam verdadeiramente com você para lhe aconselhar.

Gabriela: Aqueles que realmente se amam fazem aquilo que é melhor para o relacionamento. Para que isso dê certo, é importante que ambos estejam dispostos a buscar o melhor. Isso vai exigir a nossa disposição para abrir mão de alguns caprichos nossos, fazer alguns sacrifícios em algum momento.

A verdadeira medida do amor é fazer o que for melhor para a pessoa amada. E isso é exigente. É por isso que o verdadeiro amor é tão raro, mas também é por isso que é tão belo e gratificante.

Matheus: Um relacionamento nada mais é do que uma lapidação dos dois. Cada um vai cedendo um pouco, deixando de lado pequenas partes de si para se tornar algo melhor. Uma coisa é deixar de ser quem você é, outra é ir tirando aquelas imperfeições, defeitos ou caprichos pelos quais nos apegamos. Mas isso só funciona quando os dois se entregam igualmente e aceitam crescer juntos.

Laura: Durante um relacionamento, precisamos discernir em qual lado da balança nós tendemos a ficar. Eu sou aquela que exige demais do outro, colocando metas irreais? Ou me sinto mendigando qualquer sinal de afeto e atenção?

A diferença entre o capricho e o princípio está naquilo que você coloca em jogo. Se você abre mão de um valor seu, que molda e sustenta o seu caráter, é porque o outro não te valoriza por inteiro. Mas se você se vê ludibriando sobre desejos e ambições enquanto o tempo passa, é sinal de que as suas expectativas não correspondem mais à realidade. Cabe exclusivamente a você fazer esse discernimento.

Ganha-ganha ou perde-perde?

Isabela: O amor é algo complicado. Ele não se resume apenas em amar o próximo ou simplesmente em amar a si próprio. O amor verdadeiro ao próximo requer sim um amor pessoal, da mesma forma que o amor próprio é engrandecido quando nos sentimos amados pelo outro.

Uma relação, para ser frutífera, precisa de um certo equilíbrio. Para amar o outro, você tem que se reconhecer digno de ser amado. Como posso dar amor, se não o tenho nem por mim mesmo?

Veja, o amor próprio aqui não é aquele egoísta, que olha apenas para si e o seu próprio bem, mas sim um amor que reconhece no seu próprio ser. Uma dignidade que não depende de algo ou alguém, mas que existe na pessoa por ser pessoa.

Assim, sabendo que sou amável e que posso amar, devo procurar sempre estar em um relacionamento em que os dois sabem que seu valor não depende do amor do outro, mas que é enriquecido ao reconhecer e valorizar o amor recebido.

Matheus: A única possibilidade em um relacionamento é querer que os dois ganhem, que os dois cresçam como pessoas e como companheiros. Se alguém está “ganhando” no relacionamento, algo de errado está acontecendo — e é hora de parar e procurar as causas do problema. Agora, se é uma situação de “perde-perde”, é melhor repensar todo o relacionamento.

Laura: Uma vez, ouvi uma frase que mudou para sempre a forma como vejo relacionamentos: nós recebemos o amor que pensamos merecer. Nos contentamos com o pouco, sendo que somos dignos de algo muito maior do que nós mesmos. Esquecemos que precisamos valorizar a nossa vida e tudo que conquistamos até então.

Por isso, cultive em você aquilo que quer levar de bom para um relacionamento. Não foque no que o outro pode te acrescentar, mas naquilo que você pode colocar na mesa para formar um bom time. Nunca seremos um trabalho acabado, mas podemos, ao menos, ter a segurança em dizer que estamos dando o nosso melhor. Ao mesmo tempo, saberemos dizer se o outro também está se dedicando ou não.

O que fazer com os amigos abduzidos?

Isabela: Em uma palavra, acolhimento. Na minha opinião, a única maneira de fazer com que um amigo mude é mostrar que você, como amigo, permanece ali ao seu lado, pronto para lhe acudir nas necessidades, sem julgamento ou impaciência. Grandes mudanças podem vir de pequenos atos!

Gabriela: Muitas vezes não há muito a ser feito. Precisamos estar lá, ao lado, para o momento em que eles precisarem de nós. Conversar na medida em que nos dão liberdade, mas ter sempre um desprendimento no coração. Não podemos esquecer que há o limite de liberdade do outro.

Matheus: É preciso mostrar que, apesar do sumiço do outro, você ainda tem consideração pela pessoa e que está aberto para conversar, sair, etc. Entender que é uma escolha da pessoa e só intervir caso perceba que existe algum tipo de abuso no relacionamento.

Laura: Se eu puder dar um conselho de vó, é este: a pessoa só irá mudar quando ela mesma quiser. É difícil ver o seu amigo se despedaçando e minguando dentro de um relacionamento? Sim. É frustrante ver como ele não ouve nenhum conselho seu, não importa quantas vezes você fale? Muito. Mas cada pessoa possui seu tempo para crescer.

Enquanto isso, como um verdadeiro amigo, você deve estar pronto para ouvi-lo quando ele estiver pronto para falar. Sem julgamentos ou concessões, mas com a paciência de quem acompanha o outro crescer em suas dificuldades e superações pessoais.

Instagram: @seressentia

Autores: Isabela Cardoso, Gabriela Alves, Laura Poffo e Matheus Sena

Edição e Revisão: Laura Poffo

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Laura Poffo
Essentia

Cinéfila, maratonista de séries e apaixonada pela realização de grandes histórias. Também escreve sobre relações humanas em Essentia.