Relação interpessoal: por que todo engenheiro deve se preocupar com isso

Eduardo Kruger
Estação Asaas 🚀

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Jeff Weiner, CEO do LinkedIn, declarou que a principal demanda profissional da atualidade não é “saber codificar”, mas, sim, saber codificar, se comunicar, construir times e liderar pessoas. Ele analisa: "Talvez os mais populares bootcamps de programação do futuro sejam aqueles que nos ensinem a conversar com as pessoas."

Diante disso, você pode estar pensando “Aahh, que exagero, não é pra tanto!” Mas será mesmo?

Somos seres sociais por natureza / #PraCegoVer: Menino andando na grama, usando short jeans e camiseta, e vendo um grupo de crianças sentadas ao longe. Foto: The Express Tribune

Esse gap em relação as capacidades de comunicação e de interação de engenheiros não é assunto novo nas chamadas STEM fields — políticas educacionais ou escolhas curriculares para melhorar a competitividade nas áreas da Ciência e da Tecnologia.

A significância desse tema é tamanha, que algumas empresas como Google e Facebook já tratam o assunto com o auxílio de coaching e sessões de terapia específicas para o time de Engenharia

Como analisou Claire Miller, no artigo “Tech’s Damaging Myth of the Loner Genius Nerd”, publicado no New York Times:

“Os problemas começam quando engenheiros chegam em um ponto de suas carreiras onde precisam demonstrar habilidades sociais, como entender vários pontos de vista, construir consenso nos times e entender as intenções mais sutis das pessoas. Nesse momento as suas capacidades profissionais são questionadas.” (Yonathan Zunger, The New York Times)

É aquele momento em que muitos percebem que o que os trouxe até aqui, não vai levá-los adiante. Mesmo na famosa carreira em Y, o mito de que programação é feita por um profissional solitário, que apenas toma decisões racionais e se comunica por chat, só faz sentido naqueles filmes de startups com nerds programando na garagem.

Os desafios da comunicação na engenharia de software / #PraCegoVer: Ilustração de uma mulher e um homem, sentados em direções opostas. A mulher fala algo e o homem recebe a mensagem, através de seu computador, do outro lado. Imagem: The New York Times

Hoje, as chamadas softskills, não são importantes apenas para funções de gerência ou de coordenação. Comunicação, empatia e liderança são essenciais não só na vida profissional como também na pessoal, para se extrair o melhor dos relacionamentos afetivos, com colegas, familiares e amigos.

Em qualquer pesquisa rápida na web você encontrará um bilhão de motivos para investir energia em melhorar sua capacidade de relacionamento interpessoal. Mas além das obviedades, existem alguns fatores, ainda mais fundamentais, que ficaram “adormecidos” para mim, por muito tempo.

Por que esses fatores são tão importantes?

Porque a sua reputação depende disso

Algo que algumas pessoas não entendem — ou não levam a sério — é que todos temos uma reputação. E essa reputação será construída, independente da nossa autorização ou vontade, pelas pessoas que se relacionam conosco, nos âmbitos pessoal ou profissional.

Reputação está relacionada à imagem que as pessoas criam de nós. E as pessoas vão construir essa imagem baseadas naquilo que sabem. Mesmo quem não nos conhece pessoalmente, cria essa imagem de acordo com o que ouviu dos outros. Ou em função daquele minutinho no café, em que você falava sobre o andamento de um projeto ou, ainda, fazia fofoca de alguém que não estava presente.

Eu. Você. Todos nós julgamos e somos julgados o tempo todo. Mesmo isso parecendo politicamente incorreto e sendo, constantemente, negado. Alguns estudos mostram que nós julgamos as pessoas muito rapidamente e fazemos isso embasados, principalmente, em dois pontos chaves: moralidade e sociabilidade.

Segundo essas análises, moralidade é como tratamos as outras pessoas no que diz respeito à questão moral, em relação a ética e a honestidade, por exemplo. E sociabilidade significa como tratamos as outras pessoas no que diz respeito a interação social, como respeito e gentileza.

Ou seja, a nossa reputação é principalmente influenciada por como as pessoas nos vêem tratando outras pessoas. Por isso, devemos cuidar das nossas atitudes, para construir uma reputação condizente com quem somos de verdade.

Nossos comportamentos nos ajudam a construir — ou implodir — a nossa reputação dentro de uma empresa. E são fundamentais quando precisamos da colaboração do nosso time, ao vender um projeto para um cliente, ou quando almejamos aquela promoção. Por isso, sejamos gentis e cordiais sempre. O Fair Play nunca vai sair de moda.

Quer um exemplo prático? Sabe a aprovação daquela PR que você precisa enviar para a produção hoje? Além da elegância do seu código fonte, as pessoas vão levar em consideração a cordialidade dos seus comentários, pode acreditar!

E não confundamos objetividade com grosseria. Podemos dizer tudo aquilo que precisa ser dito, de maneira simples, direta, mas com educação.

Como nos esportes, o flair play deve ser praticado também no ambiente de trabalho / #PraCegoVer: Imagem em preto e branco, de dois jogadores de futebol se cumprimentando, com sorrisos nos rostos, próximo ao juiz da partida. Foto: Obvious Mag

Porque é a melhor (se não a única) forma de gerar influência

Muita pessoas entendem influência como algum tipo de life hack. Uma espécie de cheat utilizado para conseguir dos outros o que queremos. Mas não existem ainda — ao menos desconheço — técnicas de manipulação de mentes ou coisa do tipo. Existem, sim, coisas que você pode fazer para incentivar alguém. E você pode fazer isso de forma positiva, em prol de um objetivo comum. Não tem nada de errado nisso.

Uma das abordagens mais populares para gerar influência são os 3 H`s: influencing with head, heart or hands (influenciando com a cabeça, coração ou mãos).

Realmente uma parte das pessoas são influenciadas com a cabeça, por argumentos lógicos e analíticos, e respondem bem ao “se isso, então aquilo”. Se você quer que essas pessoas captem a sua mensagem: apresente gráficos, dashboards, planilhas. Quanto mais números e estatísticas melhor.

Mas existe uma boa parte das pessoas, que apesar de concordar com argumentos lógicos, não são efetivamente motivadas ou engajadas por eles. Além do que, existe um abismo entre concordar e se engajar com algo.

Essas pessoas, geralmente têm uma percepção mais sensorial e emotiva do mundo a sua volta e respondem melhor com mensagens emotivas (influência com o coração) ou colaborativas (influência com as mãos).

Só é possível influenciar quem a gente conhece / #PraCegoVer: Plantas em um vaso de barro direcionadas para uma janela pela qual entra a luz do sol. Foto: Harvard Business Review

Influenciar com o coração é conectar o seu objetivo com valores importantes para o ouvinte, no estilo “Sei o quanto isso é importante para você, sinto que…”.

Influenciar com as mãos é apelar para a colaboração, no estilo “Com o seu apoio acredito que juntos…”. Para esses perfis, “eu sinto que” e “juntos podemos” essas afirmações têm muito mais poder de engajamento do que “se isso então aquilo” e “os números mostram que”. Está acompanhando?

O ponto chave aqui é: se você não conhece o seu ouvinte, e não sabe que tipo de abordagem usar com ele, é muito provável que a sua mensagem “entre por um ouvido e saia pelo outro”.

Por que são habilidades para a vida

Quando comecei a trabalhar com Desenvolvimento, lá no início dos anos 2000 — sim, sou velho assim — não existia essa divisão entre desenvolvedores front-end e back-end.

Me lembro de conhecer alguns programadores mais focados em uma tecnologia ou em outra, mas, na prática, quem codava era programador (o que chamamos atualmente de fullstack developer). E quem não codava, e tinha mais conhecimento do negócio, era Analista. Simples assim.

De lá pra cá, muita coisa mudou. Atualmente, existem tantos frameworks, tecnologias e processos que a especialização se tornou inevitável. Existem tantas especializações dentro da Engenharia de Software que até quem trabalha na área não entende todos os papéis.

Cada especialidade exige familiaridade com dezenas de tecnologias. E quando se consegue utilizá-las, é provável que elas já estejam desatualizadas, pois alguém já terá criado um fork com uma nova versão atualizada.

Por outro lado, habilidades de relacionamento interpessoal são aplicáveis sempre: porque existe um ponto comum em todas as especialidades, processos, ferramentas e tecnologias: pessoas.

Relacionamento interpessoal é uma habilidade para toda a vida / Imagem em preto e branco de duas crianças abraçadas, caminhando por uma estrada de terra. Foto: Marc & Angel Hack Life

Por que faz bem para a saúde física e mental

O maior e mais longo estudo sobre longevidade e felicidade já realizado pelo homem teve início em 1938, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Durante décadas foram avaliadas as trajetórias de vida e a saúde de centenas de pessoas, incluindo os sucessos e fracassos de suas carreiras profissionais e casamentos. Em todos esses anos, muitas dessas pessoas se tornaram advogados, médicos, empresários. Um deles se tornou presidente. Outros se tornaram alcoólatras.

O que os cientistas observaram é que a qualidade das relações que as pessoas cultivam durante a vida são os melhores indicadores de uma vida longa e feliz.

Sendo mais importantes até que classe social, QI ou disposição genética, por exemplo. E, ainda, essas relações afetam diretamente a nossa saúde.

“Pesquisadores analisaram um enorme volume de informações, incluindo um grande repositório de registros médicos e centenas de entrevistas e encontraram uma forte relação entre a prosperidade da vida dos participantes e as suas relações com familiares, amigos e nas suas comunidades” (Liz Mineo, The Harvard Gazette)

Esse estudo está resumido em vídeo, vale a pena assistir: 80 anos de pesquisa em 12 minutos.

Bons relacionamentos: o segredo para uma vida longa e feliz / Imagem em preto e branco de uma senhora beijando o rosto de um senhor e sendo abraçada por ele. Foto: Fit Yourself Club

Olhando para os nossos relacionamentos não é preciso se esforçar muito para entender o quanto a qualidade dessas “conexões” afeta o nosso estado de espírito e influencia a nossa vida. Talvez nem fossem necessários 80 anos para chegar nesta conclusão… :)

Então, como concluiu o estudo: cultive com cuidado os seus relacionamentos. Isso fará bem para a sua vida pessoal e profissional, beneficiará sua saúde física e mental. E, segundo o pessoal de Harvard, ainda te fará mais feliz :)

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