Tudo que eu tenho não cabe em uma mala
Em 2019, no auge dos meus anos dourados como nômade digital, escrevi uma pequena crônica sobre fazer casa em diferentes cidades e como a transição para esse estilo de vida demandou o descarte e a renúncia de diversas coisas . O título era Tudo que eu tenho cabe em uma mala. Aqui vai um trecho:
“A transição para a ‘vida na estrada’ foi libertadora em muitos sentidos, mas é na bagagem que ela fica mais evidente. Não ter um lugar fixo para chamar de casa fez com que deixássemos para trás todos os supérfluos e ficássemos com pouco. Hoje, cada um de nós carrega uma mala de 23 kg e uma mochila.”
Hoje, quase quatro anos depois de ter escrito esse texto, estou em outro lugar totalmente. Meu estilo de vida se transformou, e tudo que eu tenho não cabe em uma mala. A pergunta que me faço agora é: deveria?
Parecia a melhor decisão na época. Era uma noite de domingo quando decidimos “largar tudo e viajar”. Dias depois, escrevi por extenso a justificativa, como se tivesse que provar algo para o mundo, quando na verdade estava tentando me convencer de que era a coisa certa a fazer.
Acontece que me convencer não foi a parte difícil, bastava olhar as infinitas fotos de quem tinha feito o mesmo, e era como se estivesse vendo uma janela para o futuro. Ele era ensolarado e risonho. Cheguei a chorar. Tinha encontrado a resposta que tanto buscava, e ela estava muito próxima de mim.
O que se seguiram foram meses de planejamento e desprendimento de todos os objetos acumulados ao longo do tempo. Alguns eu queria ter guardado e ainda lembro deles com carinho, mas grande parte realmente não fazia diferença.
Quatro anos depois daquele domingo, consigo entender porque viver viajando não foi o que eu imaginei que seria. Um sonho pode não ser, na prática, exatamente aquilo que você sonhou.
A viagem serviu para descobrir muito de mim, e pouco do mundo. Soa clichê, eu sei, mas juro que é real. E depois de anos aprendendo muito sobre mim, como eu poderia me enganar dizendo que viajar o tempo todo ainda fazia sentido? A viagem teve muitas consequências na minha saúde mental — não há estudos sobre o que viver na estrada e trabalhar, ao mesmo tempo, impacta na nossa saúde. Eu estava exausta, isolada, distante do meu sistema de apoio e levando a vida aos trancos e barrancos.
Viajar sem raízes acabou sendo mais custoso e difícil do que ficar parada, e talvez alguém pudesse ter me dito isso lá atrás, mas alguns caminhos você tem que traçar sozinha, não adianta. Nem todos os livros e conversas do mundo poderiam ensinar o que se aprende colocando os pés na estrada, abrindo o seu espaço. Pensando de onde vim, isso continua me enchendo de orgulho. Mas não faz mais sentido colocar a casa na mala. Agora o sonho é outro.