Para os veganos pobres, a informação

Leonardo Monteiro
ETNOdigital
Published in
5 min readDec 10, 2017

Aprendizados extraídos de entrevistas com participantes do grupo Veganos Pobres Brasil

Depois de algumas semanas observando o grupo e termos avançado em alguns aspectos em relação ao conhecimento e compreensão do movimento vegano, resolvemos entrevistar dois nomes desta comunidade, a criadora do grupo e uma administradora, para ter novas interpretações de seu funcionamento. Nosso objetivo, a partir das conversas, era compreender a importância deste espaço virtual na vida destas pessoas, assim como descobrir seus modos individuais de consumo e suas perspectivas e narrativas sobre o movimento vegano e a categorização do chamado “vegano pobre”. Por questões éticas e de preservação, preferimos não revelar a identidade das entrevistadas, apenas suas idades e região onde vivem, com único intuito de contextualizar suas realidades e compará-las à função do grupo dentro destas circunstâncias.

COMO CONHECEU O VEGANISMO?

A administradora do grupo no Facebook é uma jovem de 20 anos e moradora de uma cidade muito pequena no interior de Goiás. Como a maioria dos veganos, ela começou sendo ovolactovegetariana — explicamos estes termos e suas diferenças em nosso texto de observação que você pode conferir aqui — e, num processo natural, passou a repensar toda a sua forma de consumo. Como bem esperado, ela nos contou que sua principal motivação para aderir ao movimento vegano foi a preocupação com a vida dos animais e a principal forma que tem de contribuir com a causa é boicotando toda e qualquer tipo de produção que faça testes e agrida os bichos.

“Meu pai sempre me ensinou a gostar e respeitar muito a natureza e os animais, só que na época pra mim animais eram cachorro e gato. Um dia eu simplesmente pensei: qual era o sentido de amar e proteger um e comer o outro? E percebi que não queria contribuir com nada que resultasse na morte de nenhum animal”

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A criadora do grupo tem 27 anos e mora na periferia de Guarulhos. Ela começou igualmente como ovolactovegetariana, por volta de dez anos atrás. Há dois anos, teve uma parada cardiorespiratória provocada pela asma e foi trazida de volta à vida graças aos esforços de sua mãe, que é enfermeira. Para ela, já não fazia mais sentido algumas coisas e não ser vegana era uma delas. Trocou a dieta do dia para a noite.

ENTRADA NO GRUPO

O grupo foi criado com a ideia de simplificar sua vida. Depois de estar em vários grupos que indicavam receitas com ingredientes caros, ela começou a testar como simplificar as receitas. Criou um álbum no seu perfil, existente até hoje, chamado “Vivendo de Alface”, que conta com receitas baratas e práticas. Com o sucesso do álbum, ela percebeu que podia existir um grupo para isso.

“Me perguntaram “por que veganos pobres?” e eu respondi porque sou vegana e pobre, simples e direta. Fiz sem pretensão nenhuma, mas agora tem mais de 50 mil pessoas. E eu penso que são 50 mil receitas diferentes que posso fazer em casa. Melhor do que muitos canais do Youtube porque eles indicam marcas que testam em animais.”

A busca por formas de substituir as proteínas no dia a dia foi uma das principais motivações para a entrada da agora administradora no grupo de Veganos Pobres, há um pouco mais de um ano. Ela conta que no início a falta de informação pode desmotivar muita gente e, por isto, é muito importante a existência de grupos e fóruns de discussões com receitas acessíveis e com poucos ingredientes — principalmente para ela que mora numa cidade pequena onde muitos produtos sequer são comercializados.

A criadora do grupo também enfatiza a importância da “mistura”*. Ela conta que vê pessoas em transição para a dieta vegetariana que comem apenas arroz, em pouca quantidade, feijão e salada, e ela mesma já foi uma delas. Na semana seguinte, conta, as mesmas pessoas estão reclamando de fraqueza. Ela orienta que salada não é mistura, às vezes até para a própria mãe, que insiste em oferecer como se fosse. Salada é entrada, frisa.

SOBRE SER VEGANA E POBRE

Morar numa cidade pequena do interior é um dos principais desafios ao ser vegana. A moderadora deixa bem claro a dificuldade de acessar alguns produtos como, por exemplo, castanhas e quinoa, pois, quando raramente chegam à sua cidade, esses ingredientes têm preços muito elevados. Ela enfatiza várias vezes durante nossa conversa que o acesso à informação é um divisor de águas para uma vida mais tranquila e com mais variações de alimentos. No começo, ela comia apenas arroz, feijão, batata e alface, pois não conhecia muitas receitas. Com o passar do tempo, e ao acompanhar o grupo diariamente, ela teve acesso a novas formas de consumo e percebeu que, com o mesmo custo, poderia alternar radicalmente os ingredientes em sua alimentação rotineira. Ela também conta que os alimentos industrializados e popularmente conhecido como fit/saudáveis, geralmente são mais caros, mas isso não a impede de variar nas verduras e legumes todos os dias. Além disto, ela também arrisca ao preparar sucos, panquecas, pizzas 100% naturais e outras receitas que descobre no grupo.

“Como sempre falo, não precisamos disso [castanhas, quinoa e outros alimentos industrializados] pra viver, tudo é substituível do ponto de vista de nutrientes, o que você não consegue em uma coisa consegue em outra (…) As pessoas só precisam se permitir ouvir sem preconceitos, pois os fatos comprovam o veganismo é melhor para os animais, para nossa saúde e para o nosso planeta”.

O acesso a informação e aos produtos industrializados também é apontado pela criadora do grupo como algo que distingue um vegano pobre. Como o acesso a um nutricionista ou nutrólogo é limitado, as informações precisam ser procuradas por si mesmos mais a fundo na internet, em ferramentas de busca e grupos como o Veganos Pobres Brasil, com a sabedoria de distinguir o que serve do que não serve.

VEGANOS TAMBÉM TOMAM REMÉDIOS

Há uma ideia de que veganos não possam tomar remédios, porque, afinal, eles foram testados em animais. E há até quem siga essa ideia totalmente à risca, mas a criadora do grupo aponta que o veganismo é um movimento recente e que suas pautas ainda não foram amplamente absorvidas pela indústria. Isso significa que em casos de diabetes, asma e outras doenças mais graves, não há para onde escapar: é necessário que se tome o remédio. E está tudo bem com isso, afinal, o veganismo é sobre tentar ser o mais eticamente responsável com os animais possível. Humanos precisam de medicamentos em casos de doenças e tomar o que o médico prescreve não tem problema, aponta.

*mistura: A porção de proteína do prato. É aquilo que acompanha normalmente o arroz e o feijão.

Essa é o último texto da pesquisa por Leonardo Monteiro e Rafael Rodrigues. Acompanhe o blog para ver seu desenvolvimento e outras pesquisas relacionadas!

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