Chernobil — parte 3
Este é o terceiro e último texto da série Chernobil. Nos textos anteriores falei sobre os primeiros contatos e visita a usina nuclear, e sobre a cidade fantasma de Pripyat.
Vida selvagem
Ao chegar em Chernobil, não pude deixar de notar a quantidade de cachorros que circulavam por ali, livres e brincalhões, comuns como qualquer outro. A diferença é que estávamos em uma zona contaminada, rodeada de avisos de que em nada podíamos tocar.
O clima de tensão foi quebrado por Tarzan, o cachorro guia da Duga-1. Tarzan nos acompanhou na mata fechada, corria alegre e convidava todos a brincarem com ele mas, ainda assim, ninguém se atrevia. Não sei se por medo ou por respeito as regras. A guia, então, explicou que não havia problema nenhum em tocar nos cachorros. A festa estava feita!
No caminho pelas estradas de Chernobil e Pripyat foi possível observar, também, raposas e cervos correndo livres pela floresta. É muito difícil pensar em como os animais foram tratados durante o desastre, ao se deparar com cenas como estas.
Em Vozes de Tchernóbil (falei mais sobre o livro aqui), os relatos sobre os animais são realmente tristes. Seus pelos absorviam bastante radiação e, por isso, não era possível leva-los para fora da zona de exclusão. Famílias tiveram que abandonar seus animais domésticos (na grande maioria cachorros e gatos) que esperavam por dias diante da porta de suas casas. Caçadores foram chamados pelas autoridades para liquidarem os animais que ali viviam, a fim de evitar epidemias.
“Percorremos a zona durante dois meses; no nosso distrito, metade das aldeias foram evacuadas. Dezenas de povoados. Bábchin, Tulgóvichi. Da primeira vez que estivemos lá, encontramos os cachorros junto às casas, de guarda. Esperando por seus donos. Quando nos viram, se alegraram, atenderam à voz humana. Vieram nos receber. Liquidamos todos eles a tiros, nas casas, nos pátios, nas hortas. Carregamos os cadáveres para o caminhão. Não era agradável, claro. Os animais não podiam entender por que disparávamos. Era fácil matá-los. Eram animais domésticos, não temiam as armas nem os homens. Atendiam à voz humana.” — Víktor Verjikóvski, presidente da Sociedade Recreativa dos Caçadores e Pescadores de Jóiniki.
Os recursos dados aos liquidadores e caçadores não eram suficientes, seja para própria segurança (roupas e máscaras) seja para o trabalho imposto. No caso dos caçadores, as balas era insuficientes e inúmeros animais foram enterrados vivos.
Com a ausência do homem, animais selvagens voltaram a habitar a zona de exclusão, com 70% da sua área coberta por floresta. Alces, javalis, lobos, raposas, cervos, cachorros e gatos selvagens são alguns deles.
Hoje a realidade é diferente: os filhotes são examinados (lembro que tinham etiquetas de identificação) e colocados a disposição para adoção. Existe até a iniciativa de se criar uma ONG veterinária para atender os animais dentro da zona de exclusão.
Floresta vermelha
Passamos diante da floresta vermelha no carro fechado sem permissão para pararmos, devido ao nível de radiação do local, até hoje um dos mais altos do mundo. A floresta carrega esse nome devido a cor vermelho-enferrujada dos pinheiros, que morreram após a absorção de altos níveis de radiação no período do acidente, por ser a área mais próxima à usina. Assim como as casas, toda a floresta (localizada num raio de 10km) foi destruída e enterrada.
Após a revitalização da floresta, ela cresceu radiante com novos pinheiros e animais selvagens voltaram a habitar a área.
Duga-1
Na época da guerra fria, a União Soviética construiu 3 radares de mísseis, chamados de Dugas, gigantescas estruturas metálica escondidas nas florestas, feitas para detectar mísseis nucleares vindos dos Estados Unidos. As áreas eram tão secretas que tinham como fachada um acampamento de verão para crianças.
Os radares eram experimentos e nunca foi confirmado se funcionavam de fato. Dois deles foram desmantelados antes da queda da União Soviética, restando apenas a Duga-1 no território de Chernobil.
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