A testa da Nicole Kidman está paralisada!
O futuro com rostos de cera são a minha paralisia do sono
Minha mãe não se considerava uma mulher bonita (o que eu discordo profundamente) e acho que por isso, ela nos incentivou a focar nos estudos e não na nossa beleza. Ela nunca me levou em um salão de beleza, nem nunca me ensinou a usar maquiagem — apesar disso, ela não sai de casa sem um batom na boca e é uma briga até hoje para usar sapato sem salto.
Minha irmã sempre foi considerada bonita, especialmente pelos olhos verdes belíssimos que ela tem. Eu nunca fui considerada bonita pelas pessoas da minha idade. Claro, os adultos elogiavam minha pele branquíssima, bochechas rosadas e o formato da minha boca.
Mas usar óculos nos anos 1990 ainda era sinônimo de feiura. E eu uso os meus desde os três anos de idade. Eu era a menina quatro-olhos. Então me agarrei no que podia: a inteligência. Quando cheguei na adolescência, minhas amigas começaram a alisar o cabelo e sobrei como a única garota com cabelos “indomáveis”, o que também era um código para feia nos anos 2000.
Não existia salvação para mim e como forma de proteção passei por uma fase pick-me-girl, claro. A gente luta com as armas que têm. Me arrependo disso, porque hoje eu queria saber fazer um delineado com a pontinha fina ou contorno na cara e não tenho mais paciência para aprender. Enfim, já foi, não tenho como voltar atrás e aprendi conforme amadurecia que não devo julgar os ritos de beleza alheios.
Só que quando eu cheguei na faculdade e passei a ter contato diário com aquilo que na minha adolescência a gente chamava de “patricinha do COC/Objetivo”, eu percebi que tinha uma gama de meninas que foram criadas para serem apenas uma coisa: bonitas.
Elas sabem o jeito certo de sentar, de sorrir, de arrumar o cabelo, quais cores são da paleta delas, quais modelos de roupa favorece o tipo de corpo etc. etc. Fora isso, elas nunca saem de casa com a roupa de ficar em casa (nem mesmo para ir a padaria) e tem todo um ritual de beleza para seguir sendo o que foram ensinadas a ser: belas e jovens.
E tudo isso me assusta. É claro que eu sofro pressão estética e que há momentos que eu queria ser como essas garotas que eram muito parecidas com as meninas que eu via na Capricho. Mas eu não tenho paciência — muito menos dinheiro.
Porque estar no padrão (qualquer que seja ele) custa muito dinheiro. A famosa taxa rosa etc. E cada vez mais a gente supostamente precisa fazer procedimentos mais agressivos e mais caros para estar no padrão.
Se na minha época eu queria ter grana para comprar um bom creme de hidratação pro cabelo, hoje a adolescente que nem entrou na puberdade ainda já quer gastar com creme de retinol.
Acho isso tão triste.
Semana passada, vi um vídeo da Maísa no Mais Você, onde a Namaria pede para ela fazer uma “cara de vilã” e a Maísa levanta a sobrancelha e a cara dela quase não se mexe de tão inchada que ela está de procedimento (eu não sei se é botox, ácido hialurônico ou qualquer outra coisa). O fato que me importa é: uma menina de 22 fucking anos precisa MESMO paralisar a cara para evitar rugas?
Me assusta ver o tanto de matérias e posts em redes sociais elogiando a atriz X ou cantora Y que “está envelhecendo muito bem” ou que “tem a mesma cara há 20 anos”. Tipo, isso não deveria nos assustar?
Eu não espero encontrar nenhuma colega de escola hoje com a mesma cara que ela tinha no Ensino Médio, então certamente não quero ver isso das pessoas que conheço pela TV.
Uma matéria que me marcou foi da rotina da Jennifer Aniston para se manter no padrão aos 50 e poucos. Saiu há uns anos. Ela acorda 6h da manhã e faz 2h de exercícios todos os dias, sete dias de semana, além de uma dieta super rigorosa e os 3435 procedimentos estéticos.
Eu li aquilo e pensei “deus me livre”. Com 50 e poucos anos eu quero estar saudável o suficiente para poder comer um bolinho em paz. Além disso, claro, é muito mais fácil envelhecer com saúde física sendo milionário, porque você certamente tem opções além dos ultraprocessados e dos vegetais cheios de agrotóxicos que nós, pobres, temos acesso.
Então, claro, há uma questão de classe envolvida nisso, mas mesmo na minha bolha, eu vejo amigas que ralam o mês inteiro e daí gastam 200 reais num creme que promete ser antirrugas. Para que a gente gasta com isso mesmo?
Por que a gente PRECISA chegar aos 60 usando o mesmo manequim dos 30? Por que a gente NÃO PODE ter pé de galinha, boca enrugada e papada? E por que, mesmo em meios progressistas/feministas, a gente vê proliferar esse tipo de conteúdo que comentei nos outros exemplos?
Sim, feminismo é para mulheres terem escolha. Mas o quão possível é fazer uma escolha de fazer procedimentos que retardam o envelhecimento facial numa sociedade patriarcal e misógina?
Estou assustada porque passei dos 30 e agora esse tipo de conversa me rodeia o tempo todo e eu não quero perder meu tempo lutando contra o envelhecimento. Uma coisa é fazer exercícios, beber água, tentar comer melhor. Outra coisa é ter que acordar 1h antes em uma rotina já puxada para passar sérum, protetor, primer, base, blush, etc. etc. e etc.
Eu não quero viver nessa prisão e não queria ver pessoas próximas padecendo nessa luta que a gente NUNCA vai vencer. Se nem as milionárias vencem, como eu, uma zé ninguém, vou vencer?
O que me leva a referência (obrigada mamãe Boscov) do título desse texto. Assisti a um filme com Nicole Kidman e Zac Efron faz uns meses. Precisei de uns 40 minutos para me acostumar com as caras totalmente paralisadas dos dois atores. Parece que os dois estavam usando máscaras. Eu desanimo de ver certas produções audiovisuais porque tá todo mundo virando boneco de cera.
Claro que há cirurgia plástica desde o início do cinema — e naquela época os procedimentos eram muito mais inseguros. Ainda assim, eu vi as divas da Era de Ouro com rugas e linhas de expressão. Com o seio caído, com quilos a mais. Um dentinho imperfeito. Era um padrão, mas parecia um pouco mais saudável para todos os envolvidos (ou talvez eu só esteja sendo nostálgica).
Queria muito, muito mesmo, ver as atrizes que admiro envelhecendo sem tanta pressão. É muito triste ver profissionais que DEPENDEM das suas expressões faciais para desempenhar bem sua função PRECISAREM fazer procedimentos cada vez mais invasivos e paralisantes. É horrível. E o ciclo continua, porque a roda do capitalismo não pode parar, né.
Enfim, esse texto não chega a nenhuma solução porque a solução é acabar com os padrões misóginos e racistas da nossa sociedade e um texto, infelizmente, ainda não é capaz de fazê-lo. Sigo aqui tentando evitar as noias de passar creme antirruga.
Sempre sonhei em ser uma velha grisalha cacheada e sei que só vou conseguir alcançar esse sonho resistindo a todas essas pressões. Assim como resisti na adolescência quando todo mundo sugeria explicita ou implicitamente que meu cabelo era horroroso e eu seria bonita se alisasse. Um amigo queria até me dar uma progressiva de presente, eu retruquei perguntando se ele me dava os 300 reais para eu pagar as contas de telefone atrasadas lá de casa.
É claro, ele não me deu os 300 reais e eu também não alisei o cabelo. O que foi uma sábia decisão da Isis de 15 anos porque vocês não tem noção do tamanho do meu cabeção — e isso é graças aos cachos que o preenche.
Voltamos a qualquer momento com mais reflexões, pitacos & gritaria.
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