O poder das pílulas narrativas

Conheça a mostra curtas curtos

Laura Batitucci
Fale de Cinema

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Na natureza do próprio curta-metragem, está a concisão. Se a vida parece eterna demais, grandiosa demais, prolixa demais, o microconto ou o curta nos traz para a finitude e para a simplificação do momento em que estamos. Nos faz presentes. Algo como um haiku.

Em 27 minutos, é possível assistir a todos os curtas da nossa mostra “Curtas Curtos”, pensada para estrear no IGTV, plataforma do Instagram que veicula vídeos de até 15 minutos. Em apenas 27 minutos, é possível conhecer a realização de 10 diretoras e diretores brasileiros contemporâneos.

Seis dos dez filmes selecionados podem ser considerados filmes-ensaio — uma maioria estranha, se considerarmos as estatísticas da produção brasileira e mundial. Porém, é coerente que, em poucos minutos, tudo que se possa fazer seja ensaiar. E que o ensaio se torne a própria obra, completa em sua efemeridade.

Miopia, de Raíssa Castor. Reprodução

“Bonequinha’s Show”, “F for Fake News” e “Introdução aos Estudos Oníricos” fazem suas teses por meio de imagens de arquivo. O primeiro, de Grazi Labrazca e Flora Suzuki, traz o discurso publicitário televisivo como chave de compreensão da objetificação e da violência contra a mulher. O segundo, de E. M. Z. Camargo, é um “filme de minuto” que põe em evidência que o fenômeno das “fake news” é mais um reflexo da capacidade de manipulação do audiovisual. O terceiro, de Amanda Pontes, imagina. Imagina um 2020 em que a doença é o sonho.

Três outros ensaios compõem a mostra. Cintya Ferreira, com seu “Dona Vera Faz Poesia”, recorda junto à mãe fotos de infância. A voz firme e cadenciada de Dona Vera nos guia por entre as lembranças durante um minuto em que só vemos fotos antigas. Também é esta a estratégia de “Pequenas Considerações sobre o Espaço-Tempo”, de Michelline Helena. Mesmo que mais assertivo em seu tom, o filme de Michelline estabelece simetrias assombrosas com “Dona Vera” — especialmente a relação entre a obliteração do registro fotográfico e a facilidade de apagamento das memórias femininas. Por fim, “Miopia”, de Raíssa Castor, combina um lindo registro em Super8 com uma poesia sobre a intensidade da paixão. Só é possível, afinal, registrar o amor na película e na carne.

Picolé, de Jan Vrhovnik. Reprodução

Os outros quatro filmes apresentam narrativas mais clássicas, e não por isso menos experimentais. Duas animações integram a mostra — “Histórias Migratórias”, de Camila dos Santos e Claudia Erika Mamani Copa; e “O silêncio lá de baixo”, de Pamella Araújo. A primeira é um caso curioso de animação documental: um registro sonoro de uma história de imigração para o Brasil é a inspiração para a arte gráfica das diretoras. No caso do filme de Pamella, alçamos voo com uma personagem híbrida de ser humano e animais num cenário marítimo tranquilizador.

O clássico filme narrativo de ficção se manifesta em “Blues”, de André Srur; e em “Picolé”, de Jan Vrhovnik. O primeiro, filmado em celular, nos leva a acompanhar um jovem na sua saída noturna, com todos os seus excessos e faltas. Nos lembra dos avivamentos da noite cheia da cidade que estamos há tanto tempo sem experimentar, e nos joga de volta na contradição da solidão compartilhada com o estranho. O segundo é um lindo e singelo trabalho sobre um assunto muito mais triste do que o tom do filme: a miséria infantil. Um garoto corre atrás de um picolé, e a idealização de algo tão simples vem com a força surreal que só as infâncias e os filmes nos dão.

Espero que os curtas curtos, em um curto espaço de tempo, possam dar a dimensão do quão curto é tudo que nos rodeia. Provocar, nos seus minutos fugazes, o “sacode” que precisávamos. E nos encher de impulso e coragem quando parecemos parados no tempo pandêmico de um futuro incerto.

Todos os filmes da Mostra Curta Curto serão liberados no IGTV da @faledecinema no primeiro dia de exibição, 12 de setembro.

Acompanhe a programação completa aqui.

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