De salvador a vilão: como o Facebook é (ainda) uma ferramenta do jornalismo — e por que os publishers brasileiros não conseguem enxergar essa realidade

FêCris Vasconcellos
Farol Jornalismo
Published in
7 min readFeb 16, 2018

A saída da Folha de S. Paulo do Facebook deixou todo mundo pensando: será que é a hora de tirar o time de campo?

by aaron-wood

Eu não vim aqui para defender o Facebook. Mas eu também não vim para crucificá-lo. Se você espera uma resposta pronta e fácil para a pergunta “o jornalismo e o Facebook ainda combinam?”, então você não entendeu tudo o que está em jogo. Não tem uma resposta definitiva responsável para essa pergunta. Mas há caminhos — deliberadamente pegar a bola e sair do jogo é um deles, talvez não o melhor — e é disso que eu vim falar.

First things first, só para a gente passar a régua no assunto: por que os jornais estão tão pistolas com Mark Zuckerberg? É aquela história triste: os jornais começaram a perder publicidade, que migrou junto com a atenção das pessoas para o digital. Ao mesmo tempo, os publishers precisaram investir em uma atuação em novas plataformas para acompanhar seus públicos. Mas, no digital, o jornal não chega na porta de casa. A relação com o leitor é diferente e a gente precisa conquistá-lo, fazê-lo lembrar da nossa marca, querer ativamente ler nosso conteúdo.

Eis que nessa tentativa de descobrir como fazer a distribuição de conteúdos no digital surge um sumidouro de horas de atenção, que quer tomar conta de todos os minutos online: o Facebook. E, com ele, uma solução para o negócio de entrega de conteúdo se avizinha. Foi como ter toda a logística do seu jornal resolvida — e lembrem: essa é a parte mais cara da operação de um jornal impresso. O que acontece do baixamento até o jornal chegar na casa do assinante ou na banca é muito mais caro do que uma redação cheia de nós, produtores. Então, os publishers pegaram carona nos caminhões azuis do Facebook e, entre um vídeo de gatinho e um teste do Buzzfeed, a rede social também entregava notícia. Isso foi tão grande que, em 2015, 80% do tráfego de audiência dos grandes jornais vinha de redes sociais. Se somarmos aos mecanismos de busca (Google) e aos de troca de mensagens (Whatsapp), dá para dizer que ainda hoje, mesmo depois das constantes mudanças no algoritmo que o Facebook fez ao longo desses anos — e da consequente queda de importância dessa fonte de tráfego –, a maior parte da audiência de notícias não vem de alguém pensando “sabe o que eu queria fazer agora? Ler umas notícias”. Mas isso está gradativamente mudando — e os jornais estão p* da vida.

Ainda que seja importante, vou pular a parte em que o Facebook tentou investir no negócio de conteúdo jornalístico, o Instant Articles, e tudo mais. Minha pergunta é: por que os caminhões de Mark decidiram parar de dar carona para as notícias? A questão das fake news é um bom começo. Além de começar a se ver envolvida nesse fuzuê — e como não seria, visto que é por meio dessas redes sociais que as notícias falsas se espalham (e geram ganhos também financeiros para elas) — e até em conversas na Suprema Corte dos EUA, foi ficando claro que combater as fake news é, mais do que difícil, muito caro para o Facebook — que, Zuckerberg gosta de lembrar, não é originalmente um negócio de mídia. Contudo, apesar das mudanças no algoritmo, que estão longe de ser uma novidade, o Facebook promete seguir investindo nessa questão. Uma das mais novas ideias é um controverso mecanismo de “confiabilidade atestada pelo público”, que foi anunciado pelo próprio Mark em janeiro, e promete entregar aos usuários a responsabilidade de dizer se uma fonte de notícias é confiável ou não. Longe de mim duvidar do <ironia> inesgotável poder de autogestão da rede </ironia>, mas vamos combinar que, se o que a gente queria com essa tal de internet era pluralizar as vozes, apontar como confiáveis só os sites com que a maioria das pessoas têm relacionamento começa a ser perigoso para as (necessárias) novas — e, por vezes individuais — iniciativas de jornalismo desse mundão. Além, é claro, de deixar muito espaço para os amigos haters que se organizam para linchamento online. E a pressão para que o Facebook resolva esse problema é cada vez maior. Marcas estão preocupadas com a possível queda de qualidade da rede social e ameaçam tirar seus times de campo. Ameaçam, veja bem.

Então, até agora, a conclusão é que o Facebook despriorizou a disseminação de notícias como um todo, parte porque quer diminuir a circulação de fake news e parte porque não quer ser responsabilizado por essa circulação. Ao mesmo tempo, segue investindo na dura tarefa de separar o que é de verdade e o que é de mentira. Mas, se meu trafego via Facebook só cai, a rede social parece um pouco perdida sobre como lidar comigo, só tenho comentário de hater e, mais importante, os cliques via redes sociais não colaboram com a minha estratégia de assinaturas, por que raios eu, publisher, não posso simplesmente pegar a minha bola e sair correndo? Poder pode, mas eu não aconselho. Vou me concentrar em dois motivos.

O primeiro deles é uma questão ética. Por mais que haja uma leve queda no número de usuários nos Estados Unidos, a rede social ganhou 32 milhões de novos habitantes só no quarto trimestre do ano passado. Ou seja: ainda tem muita gente lá. Se há muitas fake news rolando a sensação de que só tem desinformação no mundo cresce ainda mais se os sites de notícias confiáveis pararem de existir naquele ecossistema. E isso é permitir que a desinformação vença. E, apesar de ser mais barato retirar o time de campo — existe aí uma margem pequena para redução de pessoal se você parar sua operação via redes — é também compromisso de quem produz jornalismo ajudar o mundo a ficar mais bem informado. E não menos. Deixar as fake news dominarem é deixar o mundo ficar mais mal informado. Não podemos jogar essa responsabilidade apenas para a rede social, ela também é nossa.

O segundo é uma questão de função. Para que serve o Facebook? Se ele, para você jornalista, é apenas uma fonte de pageviews, então adeus, você realmente não compreendeu as redes sociais (e nem o jornalismo). Se você entende que ele é mais do que isso, talvez só precisa quebrar um pouco mais a cabeça — isso é caro, dá trabalho e leva tempo. Sorry guys. Iniciativas interessantes têm mostrado que há mais no Face (e em todas as redes) para os produtores de notícias do que apenas lançar um link e sair correndo. O canal NPR, por exemplo, lançou junto com um programa sobre finanças pessoais, um grupo no Facebook para que os ouvintes possam fazer perguntas acerca do assunto. Isso gerou uma comunidade em torno do tema e da marca NPR, fazendo com que ouvintes se engajem com os conteúdos da NPR e, consequentemente, os consumam mais, além de contribuir para o debate acerca de um assunto de interesse da população — jornalismo puro. E não sou só eu que estou dizendo. Matt Karolian, diretor de gerenciamento de audiência do Boston Globe — outro que está investindo em grupos – disse recentemente ao Nieman Lab: “We’ve squeezed all the water out of the Facebook page stone — where the pages are great and can generate a ton of traffic. But there’s a whole bunch of Facebook that isn’t pages, that people use extensively but publications aren’t using extensively. And there’s untapped opportunity in Facebook groups”. A publicação criou um grupo para os seus assinantes na rede social, onde eles podem receber notícias, conversar sobre elas e debater os mais diversos assuntos. “This has become a nice way to reignite reader-to-reader conversation”, disse Karolian. E só pra trazer um terceiro exemplo, a Vox também tem investido em grupos.

Não é sobre tráfego: é sobre manter uma conversa com o leitor, estar presente. Lembro aqui do já clássico moderno Jornalismo Pós-Industrial e a possibilidade de vencermos através do modelo de assinaturas no digital. Só paga pelo conteúdo quem tem um relacionamento com a marca. Se você se fechar para uma conversa com o leitor, talvez ele vá se relacionar com quem der mais atenção a ele — pode ser um jornal ou o Grupo dos Menes. Os jornais não podem querer que seus sites sejam apenas agregadores de tráfego de audiência, precisam encará-los como verdadeiras ferramentas da sociedade e, para isso, a sociedade precisa se importar com eles — e eles com ela. Aproveito para citar o melhor tuíte sobre essa história do novo (velho) algoritmo do Facebook, que não é meu, é do editor da Verge, Casey Newton:

Ele está também nesse excelente texto sobre o tema.

No momento em que os caminhões do Facebook pararam de entregar o conteúdo — cada vez mais clickbaits e menos notícias de verdade (elas não performam bem nas redes) — dos publishers, está na hora de pensarmos se nós queremos substituir esses cliques por outros ou aproveitar a oportunidade para de fato conversar com os nossos públicos. E esse papo de jornalismo como criador e cultivador de comunidades não é meu, é do Jeff Jarvis.

Aliás, está aí uma outra grande questão: será que não está na hora de definirmos quem é o nosso público e trabalhar para melhor atendê-lo em vez de tentar reproduzir a megalomania da mídia de massa para o digital? (Nota: é inacreditável que eu ainda precise escrever isso em 2018) Delimitando um público e um entendimento de qual o tamanho dele e da redação necessária para atendê-lo, conhecendo melhor essas pessoas, será que não corremos o risco de acertar com mais frequência? Não vejo outra saída para isso a não ser pelo diálogo com esse público e ele passa (sim, ainda) pelo Facebook.

Mas por que aqui a gente tem esses entendimentos e nas redações brasileiras ele não ocorre? Existe uma área que precisa de investimento dos jornais, a pesquisa. Mais do que assinar ferramentas de aferição de audiência e treinar jornalistas para operá-las, é preciso que os jornais brasileiros olhem para os jornais gringos e copiem isso também: uma relação mais próxima e mais colaborativa com a academia. Precisamos juntos sair dessa crise do jornalismo, e tirar nosso time de campo — qualquer campo — não pode ser uma alternativa.

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FêCris Vasconcellos
Farol Jornalismo

Jornalista, professora e doutoranda em Comunicação na PUCRS