“Pecado Mortal”: 100 capítulos, tiro, porrada e bomba

Um dia “Pecado Mortal” será lembrada como uma das grandes novelas de nossa teledramaturgia

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

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As inúmeras qualidades (e os poucos defeitos) de “Pecado Mortal”, novela da Record que chegou ao 100º capítulo, podem ser vistas em vários textos já escritos nesse espaço:

A trama chega ao centésimo capítulo depois de enfrentar turbulências incomuns à maioria das novelas. Colaboradores do autor Carlos Lombardi foram trocados, o diretor geral Alexandre Avancini deixou o cargo para se dedicar a outras produções da emissora, a atriz Mel Lisboa (que faz a personagem Marcinha, foto ao lado) pediu para sair da novela por projetos no teatro (gerando desconforto nos bastidores), e, a mais arriscada turbulência, ter o horário de exibição antecipado das 22h30 para as 21h15. A mudança de horário soou como descaso da emissora, algo do tipo “jogar a toalha”, enfrentando as primeiras semanas de “Em Família”, novela das nove da Globo que também está mal das pernas. E antes, a Record — meio que ciente do erro — planejou um “resumão” dos 90 primeiros capítulos na primeira semana em que concorreu com “Em Família”. Foi cancelado de última hora.

Esses problemas não se refletiram na audiência, que manteve-se fiel. “Pecado Mortal” marca em torno de 4 a 6 pontos de média, o que é pouco dado o investimento que a Record fez na novela (só lembrar das chamadas: “a nova super produção da Record”). O que agrava a situação é o fato de a novela ficar, ainda mais com a antecipação de horário, em terceiro lugar. Pouco, muito pouco para uma das melhores novelas exibidas nos últimos anos.

Aliás, a audiência é extremamente cativa, que interage com o autor no twitter como se estivessem em uma sala de estar, tamanha a cumplicidade e fidelidade em admirar a trama. São muitos os elogios, são poucas as críticas.

É bem verdade que “Pecado Mortal” reúne o que Carlos Lombardi faz de melhor — e que já fez em tramas da Globo: roteiro ágil (se perdeu algo, está literalmente perdido) e ácido, cumplicidade entre irmãos, mulheres fortes e teimosas, e, menos importante, a famigerada fama de que o autor só põe “descamisados” em suas novelas. Uma bobagem que desmerece toda a obra do autor. Junte esses ingredientes a uma trama ambientada nos anos 70 (!), nos morros cariocas (!!) e a transição do jogo do bicho para o tráfico de drogas (!!!). “Street life!”, como diz a música de abertura — tão boa quanto a novela.

Em “Pecado Mortal”, cada capítulo reserva uma surpresa que pode mudar, muito ou pouco, os rumos da história. Foram raros os capítulos que só serviram de passagem. O riso com os personagens é sincero, o choro é de emoção pura, a raiva é de acelerar o coração.

Junte a isso atuações incríveis de Fernando Pavão (o herói Carlão), Simone Spoladore (a linha-dura, porém doce, Patrícia), Paloma Duarte (Doroteia deveria virar protagonista de série: charme e poder em pessoa), Vitor Hugo (fez de Picasso um demônio), Jussara Freire (primeiro me vem à cabeça o xingamento de “vaca!”, depois o nome, Donana), Betty Lago (Stella), Luiz Guilherme (Michelle, um mafioso à brasileira), e tantos outros, fez — e fazem — de “Pecado Mortal” uma novela memorável.

A direção de Alexandre Avancini — que “importou” a mesma qualidade vista em “José do Egito” — deu cara à novela, fotografia marcante, enquadramentos não convencionais, cortes rápidos. Tudo isso graças às potentes cãmeras Arri Alexa, presença comum em grandes produções americanas.

Uma pena que o telespectador brasileiro não comprou a ideia. “Pecado Mortal” foi, sem tirar nem pôr, tiro, porrada e bomba. Sangue nos olhos. Jogo do bicho e tráfico. Samba e cocaína. Sangue e comédia. O que, pelo menos a este que escreve, é a receita ideal para uma boa novela.

Obrigado, Carlos Lombardi, por proporcionar o fino da nossa teledramaturgia.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.