POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO: PERSEGUIÇÃO E PROVAS

O direito dos mais fortes…

Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra
3 min readSep 15, 2016

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A maioria de nós assistia seriados ou filmes americanos e ficava puto quando diante de provas circunstanciais os promotores mandavam soltar vilões e criminosos horrendos. Os promotores de justiça, implacavelmente, exigiam provas materiais que não deixavam qualquer tipo de dúvida sobre a culpa do acusado, pois do contrário sequer o juiz aceitaria a denúncia. Além disso, caso aceitasse, no tribunal (acreditavam), o bandido fatalmente seria solto, já que bastava apenas uma dúvida razoável para colocar em risco a necessária unanimidade dos jurados quanto a culpa do réu. Esse cuidado acontecia porque na corte estadunidense não se pode julgar alguém duas vezes pelo mesmo crime e se errassem no processo, não teriam mais chances. Dessa base, os filmes se desdobravam em investigações fantásticas e densos dramas cheios de ação, debates no tribunal, etc. Não raro, esse cenário se constituía na deixa para nos sensibilizarmos e aprovarmos a revolta do herói justiceiro que iria, por conta própria, fora do sistema, combater o crime. Crescer com essa cultura talvez tenha nos acostumado mal. Obviamente, essa fantasia hollywoodiana sequer acontecia realmente mesmo nos EUA.

Porém, no Brasil, não temos sequer uma prática distinta de um ideal reforçado pela mitologia do cinema. Assistimos, estupefatos, a destruição sumária de todos os ideais de justiça e a distorção como regra geral da realidade. Estamos conseguindo criar um perigoso consenso de que Direitos Humanos protegem bandidos. Todo direito humano parte da premissa inalienável de que vale muito mais um inocente solto do que mil culpados presos. A justiça deve se pautar por essa premissa e, assim mesmo, punir a maior quantidade possível de culpados. Estamos conseguindo subverter isso no Brasil através de uma figura abstrata chamada “conjunto da obra”. Não se acusa mais ninguém com base em crimes provados acima de qualquer dúvida, mas pela imagem construída e atribuída a ele por seus inimigos, desde que esses inimigos estejam a favor de quem julga. O que assistimos hoje é a indústria do assassinato de reputação servindo como base jurídica para acusações, processos e julgamentos. Mas há um modus operandis em que isso se processa.

Publiquei essa semana um texto que questionava a crescente judicialização do legislativo que, para além de comprometer a independência dos poderes, cria situações deslocadas de clara incompetência nas análises e interpretações jurídicas como instrumento da aplicação de justiça. A desconsideração básica dos princípios pétreos do direito, como presunção de inocência e materialidade da prova (passando por ‘in dubio pro réu’) tem sido flagrante e preocupante. Espanta-me, mesmo apesar da peça patética do MP de SP quando o procurador misturou Engels com Hegel, que o próprio Judiciário não protestasse com espetáculo tão grotesco de violação de direitos e ‘pataquadas’ sem fim; julgando autoridades por “conjunto da obra, Deus, família e ‘meu estado’”.

De repente, hoje, percebo com pesar que faz total sentido transferir a competência do judiciário para a incompetência do legislativo. Eis que vemos transferida a incompetência da imprensa para a competência do judiciário. Estamos vivendo momentos curiosos, bizarros na verdade.

A peça de acusação do MPF contra Lula é digna de matérias pseudoinvestigativas da Veja ou tabloides britânicos de fofoca. Não há prova contra Lula. Há especulação. Quem especula é a imprensa, não a justiça. A justiça prova. Ligam fatos com materialidades que ligam seus efeitos a uma intenção. A imprensa é política, constrói e dissemina informações de forma que aquilo que favoreça seus interesses seja visto como verdade. De preferência a única verdade. A denúncia da judicialização de nosso legislativo não poderia estar melhor acompanhada do que da politização de nosso judiciário. O resultado só pode ser um estado de injustiça permanente e golpes sucessivos, garantidos pelo braço armado e truculento do executivo já tomado pelo golpe.

Tristes tempos…

Que a nossa mais alta corte exija provas reais do envolvimento de Lula em todo esse esquema demoníaco e, de posse delas, mostre ao mundo um trabalho sério de limpeza ética. Até lá, a exemplo do ministro Gilmar Mendes, assistiremos a atuação circense de atores canastrões protagonizando o pior espetáculo da História de nossa República.

Aguardemos…

Gilberto Miranda Junior participa do Círculo de Polinização do RAIZ Movimento Cidadanista, é editor do Zine Filosofando na Penumbra e Revista Krinos. Escreve para as revistas Maquiavel, TrendR e Portal Literativo.

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Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra

Licenciado em Filosofia, estudou Ciências Econômicas e participa como pesquisador do CEFIL (Centro de Estudos em Filosofia), registrado no CNPQ e ligado à UFVJM