Abraçar, e criar

Gabriel Gomes
FJORD Fala
6 min readMar 11, 2019

--

Preocupação é nos ocuparmos antes do tempo devido. Nossas mentes preocupadas muitas vezes podem produzir ansiedade aos nossos corações e vivemos dia após dia com uma carga em nossas costas que parece ser impossível de remover. E logo nós, sendo criadores em um mundo com tanto barulho, como deveríamos cumprir nossa tarefa de trazer beleza, servir os usuários e comunicar de uma forma clara e eficaz? E com tanto barulho e preocupações dentro de nós, será que vamos produzir ainda mais barulho?

Quando nos ocupamos sem propósito, carregamos um fardo que se torna em angústia, e em alguns casos até depressão, quando vem o pensamento "será que eu realmente sou útil?" — e o mesmo vale para a nossa responsabilidade com o usuário, de não ocupá-lo sem propósito.

Fjord Trends 2019 (https://trends.fjordnet.com/trends/silence-is-gold)

Uma das Fjord Trends (estudo anual de tendências em tecnologia e comportamento da Fjord) que mais me impactou neste ano é a "Silence is Gold" — algo como "O silêncio vale ouro".
Como uma declaração para os nossos dias, podemos encontrar a seguinte citação:

“as organizações devem aprender como oferecer valor aos usuários que estão desejosos de quietude em um mundo tão barulhento.”

Poderia comentar aqui uma lista de metodologias e exercícios, referências de mercado, minimalismo e outras coisas legais de como promover interações mais claras e simples, mas o papo da vez é sobre nós — o Designer. Irei abordar alguns tópicos com sugestões para reduzirmos um pouco a preocupação no ambiente de trabalho, o barulho em nossos corações, e promover maior inclusão para sermos aptos a criar com excelência.

O Ambiente

Sabe a famosa expressão “me senti como um peixe fora d’água”? Então, o peixe precisa de água, e fora dela, ele morre. O mesmo acontece com plantas e outros seres vivos na natureza com seus respectivos habitats. Então, qual será o ambiente propício para nós, humanos?
A participação em um ambiente no qual não estamos confortáveis para sermos nós mesmos pode nos fazer sentir "fora da água". Porém na busca pelo habitat ideal, muitas vezes nos vemos criando e adentrando em simulacros, que são "imitações feitas sobre algo ou alguém, ou seja, uma representação imagética que engana por transmitir determinada coisa como real, sendo na realidade falsa ou incorreta." (fonte: Siginificados)

Criamos simulacros de ambientes e diversidade— fazemos isso quando criamos um espaço para grupos específicos ou só para nós mesmos, esquecendo que a luta pela diversidade é também se atentar aos diferentes pensamentos, crenças, personalidades e até expressões (exemplo: introvertidos, extrovertidos). Já viveu aquele momento onde você pôde ser você mesmo, sem medo? Esse questionamento me provocou quando assisti ao trecho do documentário sobre a cantora Nina Simone, dizendo que liberdade para ela era não sentir medo. Veja o vídeo.

E se nos importarmos com o que há dentro de cada um, individualmente? Se importar com a diversidade é se importar com o indivíduo, isso gera hospitalidade. Você já se sentiu construindo junto com os outros algo que realmente vale a pena? Será que esse não era um ambiente de hospitalidade para quem você é?

Marsh Moyle do L'abri na Inglaterra diz o seguinte: "Hospitalidade é criar espaço para a existência do outro. Na visão Bíblica, foi o que Deus fez conosco na criação. Deus é grande em hospitalidade, não apenas se preocupou com nossa existência, mas com nosso florescimento." Sendo teísta ou não, precisamos concordar que a terra como nosso habitat natural proporciona essa hospitalidade para o humano. Para não apenas existirmos, mas termos o que é necessário para nos alimentarmos e nos desenvolvermos. E quão empolgante é ver uma flor florescer? Quão belo é!

A beleza da diversidade

O filósofo Francis Schaeffer diz que o conhecimento só é verdadeiro quando diversas disciplinas são aplicadas de forma unificada. Uma das formas de aplicação disso é quando unimos a realidade individual para um fim específico. Unimos a visão de mundo individual que foi construída de acordo com a bagagem e história de cada pessoa.

As universidades (unidade + diversidade) que no início promoviam um conhecimento unificado da visão de mundo, hoje estão cada vez mais especializadas e formando pessoas com um olhar míope. No design, é sempre dito que o que temos de mais valioso é a diversidade de olhares sobre um determinado assunto. Por isso fazemos pesquisas e passamos um bom tempo analisando os comportamentos e necessidades das pessoas. A cada projeto entendemos o valor que existe em sair da nossa realidade e explorar o desconhecido do outro. Existe beleza na diversidade.

Imagine uma ilha em que estamos de costas um para o outro e na minha frente há um tesouro e nas minhas costas vários coqueiros carregados. Se todos estivéssemos olhando para o mesmo lugar, do mesmo ângulo, ou ficaríamos muito ricos sem ter o que fazer com o dinheiro e morreríamos de fome ou exploraríamos o côco ao máximo e até faríamos uma canoa com a madeira, mas perderíamos as possibilidades que o dinheiro traria no futuro. Olhando para os dois lados, com os coqueiros montamos um barco, e com o tesouro abrimos uma empresa de distribuição de côco para as ilhas vizinhas, empregando muitas pessoas e podendo investir no nosso futuro e das pessoas que amamos.

Precisamos da ousadia de olhar o outro sem pensar em ser superior, mas aprender com quem quer que seja, e ali encontrar beleza.

Os nossos corações

Os frutos do nosso coração são expressos por nossas palavras e atitudes, e essas podem ou não cooperar para um ambiente realmente diverso em que o outro floresça. Se o nosso fruto diminui o outro, precisamos nos re-examinar pois o problema talvez esteja em nossos egos e autossuficiência.
Conheço um antigo verso que diz: "O que sai da boca vem do coração". Assim, entendo que não somos o que fazemos, mas o que fazemos reflete o que somos. Estamos aprendendo a lidar com o outro, isso é, é aprender vulnerabilidade.

Se você se reconheceu nisso, eu não quero te desanimar, pois eu também já estive, e constantemente me encontro nessa, e por isso escrevo este texto. Quero com isso tirar as amarras dos nossos olhos e juntos lutarmos para construirmos ambientes seguros para cada um ser quem é. Para estarmos abertos ao diferente que não é confortável para nós. Para quebrarmos os simulacros, e todos ganharmos com isto. Eu tenho experimentado isso nos últimos meses e tenho visto como tem impactado no que eu crio, o que consequentemente servirá aos usuários em suas diversas necessidades.

Impulsione e seja impulsionado, semeie e colha! Abrace a diferença e seja abraçado. São tempos oportunos e hoje temos a oportunidade de mudar isso em nossas empresas e comunidades. Vamos abrir nossas perspectivas e estar abertos ao desconforto — de pegar nas mãos de alguém diferente de nós mesmos e encontrar ali um tesouro escondido. De acordar todos os dias com a mente despreocupada e contribuir para que as pessoas ao nosso redor também estejam. Por fim, no início citei sobre a depressão, preocupação e ansiedade. São assuntos extensos e eu não sou especialista neles, mas estes pontos talvez possam contribuir para ambientes e equipes mais saudáveis e promovermos uma vida mais tranquila pra todos ao nosso redor — e consequentemente trabalhos melhores.

Florescer! Cena do clipe animado Born Again, de Josh Garrels (https://www.youtube.com/watch?v=iBWeRK-j0Hw)

--

--