Dia de São Jorge Ogum do Mundo

Fotocronografias
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7 min readJun 26, 2020

Fábio Gama Soares Evangelista[1]

Resumo: O presente ensaio é uma homenagem a devoção das pessoas no dia de São Jorge Ogum. Desde 2007 fotografo as festividades deste santo. A maior parte destes registros fotográficos foram realizados no bairro de Quintino, Rio de Janeiro. São Jorge é múltiplo. Por onde passa a imagem de São Jorge acontecem transformações nos espaços. Seus devotos formam um conjunto heterogêneo de pessoas. Por meio desta festividade é possível refletir sobre várias questões que atravessam o Brasil contemporâneo.

Palavras chave: São Jorge, Ogum, festa, santo, devoção. Religiosidade

World St. George Ogum Day

Abstract: This essay is a tribute to people’s devotion on the day of São Jorge Ogum. Since 2007 I photographed the festivities of this saint. Most of these photographic records were made in the neighborhood of Quintino, Rio de Janeiro. São Jorge is multiple. Wherever the image of São Jorge passes, transformations take place in spaces. Its devotees form a heterogeneous group of people. Through this festivity it is possible to reflect on several issues that cross contemporary Brazil.

Keywords: São Jorge, Ogum, party, saint, devotion. religiosity

[1] Mestrando em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas — FEBF /UERJ — Bolsista CAPES
e-mail: fabiofotocaffe@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-4829-4672
http://lattes.cnpq.br/4624194152881661

O presente ensaio é uma homenagem a devoção das pessoas no dia de São Jorge Ogum. Desde 2007 fotografo as festividades deste santo. O guerreiro me acompanha desde a infância, pois na casa de minha avó em Vila Valqueire (Rio de Janeiro) tem um quadro de São Jorge, essa imagem ficou gravada na minha história de afetos que trago comigo. Outra lembrança que trago no peito é que sempre ao ir para o colégio eu passava pela igreja Matriz de São Jorge em Quintino, essa imagem também passou a morar no meu coração. Imagem potente que traz sentimento de garra, de companheirismo como diz a música domingo 23 composta por Jorge Benjor, devoto de São Jorge, e na minha memória afetiva cantada por Rita Beneditto: “Nunca neste mundo se está sozinho.”

A maior parte destes registros fotográficos foram realizadas no bairro de Quintino, Rio de Janeiro: na Igreja Matriz de São Jorge e nos arredores (incluindo o caminho que a procissão percorre). Outras fotos deste ensaio foram realizadas na gira para Ogum no centro espírita CEUIM em Irajá , no Morro da Providência e em um bar em Ramos. Estas fotografias[2] em sua maioria foram publicadas no facebook do projeto Folia de Imagens que realizamos desde 2013.

O projeto Folia de Imagens foi criado por nós do coletivo Favela em Foco inicialmente para fotografar o carnaval em favelas e subúrbios do Rio de Janeiro. Com o passar do tempo fomos estendendo a documentação fotográfica para outras festas populares no Rio de Janeiro dentre elas a festa de São Jorge.

Ao ver esse conjunto de fotos pode — se perceber como os devotos fazem circular a imagem deste santo. São Jorge está presente na igreja, nos terreiros, centros espíritas, nas ruas, nas casas. O guerreiro está presente de dia e durante a noite protegendo os nossos caminhos.

A imagem de São Jorge provoca transformações nos espaços. Estamos dialogando com o conceito de terreiro elaborado por Simas e Rufino (2018). Segundo eles um espaço pode ser transformado num terreiro se forem realizadas ali certas atividades rituais. Ou seja, uma rua pode ser um local funcional de passagem de pessoas e carros, mas se forem realizados rituais este mesmo local pode se transformar numa passarela sagrada por onde desfila a imagem do santo guerreiro. Todo o espaço por onde a imagem passa se transforma num espaço sagrado. Um profundo encantamento toma o bairro de Quintino principalmente no caminho da procissão. Pessoas ficam nas ruas, calçadas, janelas de suas casas, cada uma aguardando da sua maneira, orando, agradecendo. Um aguardado momento é quando a imagem passa pela estação de trem de Quintino. Ali são jogadas flores em cima do santo.

Outro diálogo também se dá com o texto de Magnani (2003) uma vez que a calçada no subúrbio é um espaço muito importante onde as pessoas reúnem para jogar futebol, fazer churrasco. Aqui temos modulações do espaço para além da dicotomia entre casa x rua. A calçada é um espaço intermediário onde temos a proximidade do lar e os imprevistos da rua. Em uma das fotos deste ensaio podemos ver um bolo e em cima a imagem de São Jorge. Isto estava na calçada em frente a uma casa. O bolo foi feito por dona Vanda em homenagem a São Jorge, sendo (2019) o quarto ano que ela faz isso.

Outra transformação no espaço durante a festa de São Jorge: parte da rua Clarimundo de Melo é fechada para facilitar o caminhar da multidão que frequenta a igreja e os arredores neste dia [3]. Este trecho até a igreja é ocupado por vendedores dos mais variados produtos: roupas, bijuterias, flores, comidas. A medida que vamos caminhando rumo a igreja vemos do lado esquerdo alguns bares que ficam lotados neste dia, em frente a um deles um grupo de pessoas se reúne tocando sambas e uma roda de capoeira em homenagem ao santo guerreiro. Profano e sagrado juntos.

A partir de nossas vivências nos dias de festa podemos perceber a variedade de pessoas que costumam frequentá- la. Assim nos diz a pesquisadora Ana Paula Alves Ribeiro

O grupo de devotos está longe de ser homogêneo, podem ser identificados em sua multiplicidade e se intercruzam. Pessoas que afluem de todas as partes da cidade para estar nas missas e comemorações no dia de Santo. Pessoas pagando, renovando e fazendo promessas. Católicos e umbandistas. Músicos e integrantes de várias escolas de samba. (RIBEIRO. 2016, p. 170)

Em matéria do Jornal O Globo escrita por Jéssica Lauritzen podemos ver histórias de devotos como a de Waltecir Marques, de 40 anos, educador físico. Ele conta que o parto do seu filho seria de risco e coincidiu com o dia de São Jorge: “Pedi muito pelo meu filho, e deu tudo certo. Eu não peço para conquistar bens materiais; quero saúde para trabalhar.”

Como conclusão gostaríamos de falar sobre a importância de São Jorge Ogum nestes tempos de Coronavírus onde muitas pessoas morreram ou foram diagnosticadas com covid-19 no Brasil. Isso sem falar nos casos que não são registrados. O santo guerreiro pode nos transmitir confiança, coragem para vencermos tal cenário. Mas aliado a isso se faz urgente e necessário constantemente lutarmos pela construção de uma sociedade antirracista, mais justa e cobrarmos as autoridades para a tomada de medidas que visem reduzir os impactos do Coronavírus no Brasil.

[2] Algumas destas fotografias participaram de exposições fotográficas como por exemplo As Muitas Faces de Jorge no Museu de Folclore Edison Carneiro (RJ) em 2011.

[3] — Vale frisar que esta ação é feita pela prefeitura que desde 2017 é comandada por Marcelo Crivella que é evangélico e é sobrinho de Edir Macedo líder da Igreja Universal do Reino de Deus. A cidade está em permanente disputa por diversos grupos sociais. É importante lembrar também que o conceito de religião também não é fixo, estando em constante disputa.

Referências

LAURITZEN, Jéssica. Devotos contam suas histórias de amor e gratidão a São Jorge. (Matéria publicada no jornal O Globo no dia 23 de abril de 2016) https://oglobo.globo.com/rio/bairros/devotos-contam-suas-historias-de-amor-gratidao-sao-jorge-19137354 (Consultado no dia 31 de maio de 2019)

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no Pedaço: Cultura popular e lazer na cidade. São Paulo. ucitec/UNESP, 2003

RIBEIRO, Ana Paula Alves. Caminhos de Ogum: Florindo as ruas, festejando São Jorge e Ocupando a Cidade. Dossiê Capitalismo Cultura. Arquivos do CMD, Volume 4, N.2 Jul/Dez, 2016

https://periodicos.unb.br/index.php/CMD/article/view/9152/8155

SIMAS, Luiz Antonio & RUFINO, Luiz. Fogo no Mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro. Editora Mórula, 2018.

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