Laroyê, Exu Mulher! A Festa da Rainha

Fotocronografias
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7 min readJun 21, 2020

Jean Souza dos Anjos[1]

Resumo: Ensaio fotográfico da Festa da Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas na Cabana do Preto Velho da Mata Escura, em Fortaleza, Ceará. Este é um trabalho de macumba que, com imagens, gira com a Rainha Pombagira em sua festa anual. Com uma estética de beleza, a Festa da Rainha afeta todos e todas que presenciam sua encarnação no mundo material. Pombagira sara e cura, protege suas filhas e filhos e anima sua comunidade para o amor e a caridade. A Pombagira vence guerra. Laroyê, Exu Mulher!

Palavras-chave: Pombagira; Umbanda; Festa.

Laroyê, Exu Woman! Queen’s Party

Abstract: Photographic essay of the Queen Pombagira Sete Encruzilhadas Party in the Cabana of Preto Velho da Mata Escura, in Fortaleza, Ceará. This is a macumba work that, with images, revolves with Queen Pombagira at her annual party. With a beauty aesthetic, the Queen’s party affects everyone who witnesses her incarnation in the material world. Pombagira heals, protects her sons and animates her community for love and charity. Pombagira wins the war. Laroyê, Exu Woman!

Keywords: Pombagira; Umbanda: Party.

[1] Mestre em Antropologia pelo PPGA associado da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Especialista em Ciências da Religião pela Faculdade Católica de Fortaleza (FCF). Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador do Laboratório de Antropologia e Imagem (LAI/UFC).
jeanjos09@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-7216-4747
http://lattes.cnpq.br/1948207778073696

“Foi numa noite de lua que eu vi duas mulheres bebendo cachaça e girando na rua. Mas uma era a Pombagira, a outra era Maria Padilha”. Laroyê, Maria Padilha da Estrada! É ela quem abre este ensaio fotográfico e é ela quem abre os caminhos para este trabalho. Mas é a Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas e sua festa na Cabana do Preto Velho da Mata Escura, em Fortaleza, Ceará, que brilha nesta edição[2].

A Pombagira é uma mulher (ANJOS, 2019). Ela é um Exu Mulher, ou seja, é dona das encruzilhadas, das porteiras e dos caminhos. Silva (2015) indica que a Pombagira seria um trickster feminino que desafia a ordem patriarcal da sociedade brasileira porque não aceita a subordinação da mulher aos papéis domésticos tradicionais de esposa e mãe. Sua iconografia umbandista é representada na figura de uma diaba, cujo corpo exibe uma plástica exuberante (AUGRAS, 2009).

A experiência etnográfica (CLIFFORD, 2014) realizada na Cabana do Preto Velho da Mata Escura revela que a Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas encarna no Pai Valdo de Iansã. “Não incorpora. Encarna”, diz Mãe Aparecida, Ekedi da casa. No mesmo local funciona o Ilé Asé Ojú Oyá, Candomblé da Nação Ketu, com calendário litúrgico próprio. José Lopes de Maria, o Babalorixá Valdo de Oyá, é o zelador da casa, tanto na Umbanda como no Candomblé. A Festa da Rainha Pombagira é realizada por ele desde o final da década de 1980.

Este trabalho me afeta do ponto de vista metodológico (FAVRET-SAADA, 2005) quando a presença da Pombagira age sobre o meu corpo, muitas vezes, fazendo-me tremer e arrepiar. Afeta, também, quando faço uso da câmera fotográfica produzindo imagens que, por vezes, ganham espaço nos estatutos da arte. As imagens que compõem este ensaio foram autorizadas pela própria Pombagira e pelo Pai Valdo de Iansã. Existe entre nós uma relação de respeito e confiança construída em mais de dez anos de pesquisa.

A Festa da Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas acontece, geralmente, no segundo sábado de novembro. Para a celebração acontecer são realizadas sete giras, o cortejo e a matança. As giras, que são rituais de cura e de afirmação, começam a acontecer no mês de outubro e obedecem a um calendário organizado pela própria Pombagira. Giras são trabalhos onde a entidade exerce a sua força para ajudar aqueles e aquelas que nela creem. A Pombagira canta, dança, fuma, bebe e dá sua gargalhada. Girando e cantando seus pontos, ela pede que todos e todas se concentrem naquilo que desejam. Ela será a intercessora para a realização dos desejos de seu povo.

O cortejo acontece quando os assentamentos da Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas e do Exu Duas Cabeças são levados para alguns pontos da cidade. Os assentamentos saem do terreiro por volta das 21 h, são levados para um cemitério, uma praia, um banco, uma igreja, um cabaré e um mercado. Passa, ainda, por sete encruzilhadas no Centro da cidade. Em todos esses locais, os assentamentos são alimentados com padês preparados especialmente para a ocasião. O cortejo evidencia que Exus e Pombagiras são celebrados nas ruas e nas encruzilhadas, suas moradas.

A matança é o ritual do sacrifício. Uma vaca é dada para a Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas. Ela é preparada para a imolação com rituais de limpeza ficando pura para o sacrifício. Além da vaca, filhos e filhas da casa oferecem bodes e galinhas para os seus Exus e Pombagiras. A celebração do rito sacrificial abre passagem para a festa. É um retorno à ordem íntima (BATAILLE, 2015). A Pombagira recebe a carne e o sangue sacrificial em um dos momentos mais divinos da celebração: ela se banha com o sangue. Há quem diga que o momento da matança é mais emocionante do que a própria festa. A aceitação do sacrifício é o ápice da organização da grande festa.

A festa é o evento, o lugar onde estamos junto com os deuses (HAN, 2017). Na festa tudo se torna divino. Nela, a Rainha Pombagira confirma todos os desejos de seus súditos. Ela recebe pessoas de toda a cidade, ganha flores, perfumes, joias, champanhe, entre outros regalos. Seus compadres, Exu Tranca Rua e Exu Marabô, ficam sempre ao lado dela. A mulher encarnada vibra na terra celebrando o amor e a vida. Laroyê, Exu Mulher!

[2] Esta pesquisa teve o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

Referências:

ANJOS, Jean Souza dos. Amor, festa, devoção: a rainha Pombagira Sete Encruzilhadas. 2019. 158f. — Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do Ceará, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira, Centro de Humanidades, Programa Associado de Pós-graduação em Antropologia Social, Fortaleza (CE), 2019. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/50245 Acesso em: 26 Mai. 2020.

AUGRAS, Monique. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009.

BATAILLE, Georges. Teoria da religião: seguida de Esquema de uma história das religiões. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2014.

FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. Tradução de Paula Siqueira. Cadernos de campo n. 13: 155–161, 2005. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/viewFile/50263/54376> Acesso em: 27 Mai. 2020.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

SILVA, Vagner Gonçalves da. Exu: o guardião da casa do futuro. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.

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