O universo ritualístico do povo indígena Jiripankó: espaços, personagens e paisagens

Fotocronografias
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7 min readJun 22, 2020

José Adelson Lopes Peixoto [1]
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues[2]

Resumo: Objetivamos, a partir deste ensaio, apresentar alguns espaços e personagens que compõem os rituais do povo indígena Jiripankó, localizado territorialmente no município de Pariconha, Sertão de Alagoas, além de evidenciar as múltiplas paisagens presentes no território. Seguindo a perspectiva da Antropologia Visual, buscamos produzir fotografias que nos auxiliassem na compreensão de um riquíssimo universo religioso.

Palavras-chave: Jiripankó. Fotografias. Identidade. Ritual.

The ritualistic universe of the Jiripankó indigenous people: spaces, characters and landscapes

Abstract: From this essay, we aim to present some spaces and characters that make up the rituals of the Jiripankó indigenous people, located territorially in the municipality of Pariconha, outback of Alagoas, in addition to highlighting the multiple landscapes present in the territory. Following the perspective of Visual Anthropology, we seek to produce photographs that would help us understand a very rich religious universe.

Keywords: Jiripankó. Photographs. Identity. Ritual.

[1] Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco — UNICAP. Professor Adjunto na Universidade Estadual de Alagoas — UNEAL, Campus III — Palmeira dos Índios. Coordenador do Grupo de Pesquisas em História Indígena de Alagoas — GPHIAL. adelsonlopes@uneal.edu.br
http://orcid.org/0000-0002-5179-108X http://lattes.cnpq.br/0073629440988196

[2] Graduando em História pela Universidade Estadual de Alagoas — UNEAL, Campus III — Palmeira dos Índios. Bolsista na Secretaria do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena — CLIND/AL. Membro do Grupo de Pesquisas em História Indígena de Alagoas.
yurirodrigueshis@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-3390-0462
http://lattes.cnpq.br/6578151720637552

Habitantes da zona rural do município de Pariconha, no Sertão de Alagoas, o povo indígena Jiripankó reafirma suas identidades e fortifica os laços de comunhão com seus protetores a partir dos rituais sagrados, que contam com a participação de diversos indivíduos, com atribuições específicas, em diferentes espaços, com múltiplas paisagens.

A distância percorrida do centro da cidade de Pariconha até a aldeia Ouricuri — lócus da pesquisa — é de 6 km, se dar por uma estrada com o solo predominantemente pedregoso e arenoso, em alguns locais. Seu entorno é recortado por serras, recobertas pela vegetação típica da Caatinga. No início da pesquisa que resultou na produção das fotografias que compõem este ensaio, em janeiro de 2017, a região passava por uma longa temporada de seca, mas nos meses seguintes ocorreram acentuadas chuvas que mudaram a paisagem da região e o território indígena ganhou formas diferentes, com grandes extensões de matas verdes, barragens e açudes ficaram acima do nível, assegurando o plantio de vários gêneros alimentícios.

É nesse contexto que se desenvolvem os rituais denominados de Menino do Rancho e Corridas do Umbu; o último dividido em três etapas: Flechada do Umbu, Puxada do Cipó, realizados em um mesmo dia, e a Festa ou Queima do Cansanção, desenvolvido em quatro fins de semana. Através desses eventos ritualísticos, os Jiripankó se relacionam com seus seres Encantados[3], que têm sua força transfigurada e materializada para a roupa ou farda do Praiá[4].

Os rituais Jiripankó também estão associados à continuidade da Tradição[5], através da inserção de crianças e adolescentes nos eventos, tendo os anciãos e/ou os adultos a missão de compartilhar memórias, aprendizagens e valores morais, além de discutirem a importância de alguns espaços, como as serras. Nesse ambiente, constroem-se sociabilidades e transmissões de memórias coletivas, compostas de algumas experiências individuais, apesar de serem socializadas e interligadas com as memórias individuais (HALBWACHS, 1990).

Ademais, os rituais adquirem uma função importante para o universo cosmológico, político e identitário dos Jiripankó, primeiro, por seu caráter comunicativo e sagrado, sendo o fio condutor da intermediação entre o material e o imaterial (terra e reino dos Encantados); segundo, pela capacidade de agregação, aglutinação e troca de informações, sendo capazes de delimitar suas fronteiras e instituir alianças com outros grupos étnicos; por último, a posição de construção das identidades, ambiente de fluidez da tradição indígena, de sociabilidades e do florescimento do sentimento de pertencimento entre as novas gerações, além de possibilitar aos indígenas uma conexão estreita com a natureza, representada em múltiplos espaços e de diversificadas formas.

A produção de fotografias perpassa pela intencionalidade de criar um suporte que auxilie na compreensão daquele riquíssimo universo religioso; assim, através de documentos visuais conseguimos apresentar a riqueza sociocultural e paisagística do povo indígena Jiripankó. Segundo Peixoto, “As fotografias, como registro visual, trazem consigo certo grau de interpretação do fato representado, pois são recortes dessa realidade e permitem, ao espectador, múltiplas idas e retornos temporais […]” (PEIXOTO, 2013, p. 19).

Trabalhamos com a perspectiva das fotografias como fontes de pesquisa e de conhecimento, procuramos pensar que os rituais, seus espaços, personagens e paisagens são heranças atemporais, e as fotos são transmissoras e guardiãs das suas particularidades, intencionalidades, potencialidade e multiplicidades estéticas (MENDONÇA, 2000).

Ao lidarmos com essa fonte de pesquisa procuramos, inicialmente, reconhecer suas possibilidades e limites para o propósito do estudo, verificando as narrativas que poderiam ser desenvolvidas e sistematizadas, os fatos silenciados ou invisibilizados e as cargas de sentimento, crença, respeito e afeto construídos nos rituais, que se tornam impossíveis de serem capturados pela lente da câmara. Com isso, inferimos que as fotografias provocam compreensões, formas e ideias diferentes, dependendo do lugar sociocultural de quem as observa. As fotografias utilizadas neste trabalho oferecem ao leitor algo para pensar “[…] um pedaço do real para roer, uma faísca do imaginário para sonhar” (SAMAIN, 2012, p. 22) e, ambicionam suscitar um passeio pela cultura e espaços ritualísticos dos indígenas Jiripankó.

[3] De acordo com os Jiripankó, são indígenas que não passaram pela experiência da morte, se encantando vivos e como tal são cultuados em diversos espaços pelo povo (PEIXOTO, 2018; AMORIM, 2017).

[4] Indumentária confeccionada artesanalmente com fibra de caroá, representa a materialização dos Encantados na aldeia (PEIXOTO, 2018; AMORIM, 2017).

[5] Refere-se ao conjunto de práticas religiosas e culturais, permeadas por segredos e interdições.

Referências

AMORIM, Siloé Soares de. Resistência e ressurgência indígena no Alto Sertão alagoano. Maceió: IPHAN/AL, 2017.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Edições Vértice, 1990.

MENDONÇA, João Martinho de. Os movimentos da imagem da etnografia à reflexão antropológica: experimentos a partir do acervo fotográfico do professor Roberto Cardoso de Oliveira. 2000. Dissertação (Mestrado em Multimeios) — Instituto de Artes — Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.

PEIXOTO, José Adelson Lopes. Minha identidade é meu costume: religião e
pertencimento entre os indígenas Jiripankó — Alagoas. 2018. Tese (Doutorado em Ciência da Religião) Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2018.

PEIXOTO, José Adelson Lopes. Memórias e imagens em confronto: Os Xucuru-Kariri nos acervos de Luiz Torres e Lenoir Tibiriçá. 2013. Dissertação (Mestrado em Antropologia) — Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.

SAMAIN, Etienne. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, Etienne. (org.). Como pensam as imagens. São Paulo. Editora da Unicamp, 2012. Cap. 1, p. 21.

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