Penedo te abraça, Penedo te quer bem: O festejo a Santo Antônio no antigo Barro Vermelho

Fotocronografias
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7 min readJun 21, 2020

Paula Louise Fernandes Silva[1]

Resumo: O ensaio resulta do trabalho final do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, intitulado por “Patrimônios Coexistentes: o entrelaçar do Padroeiro com o Bairro Santo Antônio, na cidade de Penedo”, sob orientação da Profª Drª Juliana Michaello Macedo Dias. Tem como objetivo apresentar uma experiência etnográfica durante o trezenário de Santo Antônio, onde busco entender as relações entre homem, religiosidade e transformações do espaço urbano, por meio da fotografia.

Palavras chave: Fotoetnografia. Patrimônio. Celebração. Penedo-AL.

Penedo embraces you, Penedo holds you dear: Saint Anthony’s festivities in the old Barro Vermelho neighbourhood

Abstract: This paper derives from the Architecture and Urban Planning Bachelor Degree’s final thesis named “Coexisting heritage: the connection between the patron saint and the Santo Antonio neighbourhood in the city of Penedo”, under the Professor Ph.D Juliana Michaello Macedo Dias mentorship. The work aims to present an ethnographic experience during the 13-day Saint Anthony’s festivities, where I seek to understand the relations between men, religiousness and urban space transformations through photography.

Key words: Ethno-photography. Heritage. Celebration. Penedo-AL.

[1] Bacharela em Arquitetura e Urbanismo-Universidade Federal de Alagoas. paulalouise93@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6199-2088
http: //lattes.cnpq.br/6306700650722941

Para integrar a necessidade de imaginar o sagrado, a fotografia no universo da fé é uma tentativa de materializar os símbolos intangíveis. A imagem não é vista aqui como congelamento, e sim um instante que apresenta camadas de significados codificados, registros das relações mais íntimas de mundos invisíveis.

Localizada ao sul do estado de Alagoas, às margens do Rio São Francisco, Penedo tem origens que remontam ao período colonial. A então Vila do São Francisco teve seu primeiro orago Santo Antônio, por volta de 1614, permanecendo padroeiro durante anos, até a mudança para Nossa Senhora do Rosário. Segundo Vainfas (2003), a devoção à Santo Antônio se popularizou no Brasil ao longo da colonização portuguesa, sendo este o santo com maior número de freguesias, vilas e cidades dedicadas, tamanha sua popularidade.

Permanências dessa devoção podem ser notadas no bairro Santo Antônio, o qual o santo é patrono, popularmente conhecido como Barro Vermelho. Próximo ao centro histórico da cidade, ruas estreitas são testemunhas do processo de povoamento do Penedo. Margeia o rio, que mantém o ofício da pesca e preserva na arquitetura a memória de um bairro industrial.

Durante o Trezenário de seu santo protetor o bairro passa por um processo de transformação efêmera, novos equipamentos urbanos são associados aos existentes: gambiarras, bandeirolas, parque, além das barracas de comidas e bebidas. Tais características são oriundas de tradições portuguesas, em decorar as ruas com ornatos temporários, principalmente durante as procissões.

A festa é composta por diferentes camadas, e estabelecendo um vínculo de confiança adentrei no espaço sagrado e profano do Trezenário de Santo Antônio dos Pobres. Nesse ensaio fotográfico, retrato uma miscelânea de devoção, pessoas e espaço de diversão (SERRA, 1999), caracterizada pelo encontro e peregrinação ao santuário, ultrapassando os limites físicos da igreja e ocupando a rua, através de conexões e interações entre pessoas e lugar.

O bairro vive dias de euforia e o marco inicial da trezena é a “Cavalgada de Santo Antônio”. Nas ruas, carroças são decoradas e pessoas circulam, outras permanecem nas calçadas, sentadas, ou por trás das portas. Os animais são direcionados à frente da igreja para receber a benção do pároco. As toadas se misturam ao ronco dos motores de carros e motos, que acompanham o trajeto.

Ao entardecer do dia seguinte uma escada é colocada na rua, em meio a desordem e gritos, tem-se início a decoração. Subir aqueles degraus é um ato de coragem e porque não devoção? Um leque de bandeirolas se entrelaça às gambiarras e demarca o espaço da festa. O interior da igreja mantém-se em silêncio profundo, contrastando com a rua, parece aguardar os fiéis para celebrar as treze noites de orações, agradecimentos, promessas; são dias de encontros, abraços e cânticos. A festividade ultrapassa os limites físicos da igreja e se estende para as ruas, a frente do templo se comporta como um lugar de apresentações, janelas tornam-se arquibancadas e mesmo com chuva um público diverso se acomoda na rua. O parque parece estar no ritmo da música, as luzes encantam os olhos e divide o espaço com bancas de guloseimas.

No dia que antecede a peregrinação a imagem de Santo Antônio é retirada do altar e levada ao andor, como num ritual. O fiel designado para a função tem a imagem na altura dos olhos, sendo um momento único de cuidados ao seu padroeiro.

A procissão é o momento mais aguardado, a ansiedade é vista nas ruas. As casas estão decoradas, na janela o tecido vincado parece mostrar que foi guardado para a ocasião. Oratórios, bandeiras, anjos, plantas e toalhas estampadas, o que têm de mais belo nas casas é utilizado para receber o santo padroeiro. As pessoas aguardam nas calçadas, sozinhas ou acompanhadas, independente das crenças que às movem. Naquele chão, que brilha em papéis coloridos se dá o serpentear.

Salvas de fogos, cantos, e palmas marcam o trajeto. Com o anoitecer, a peregrinação retorna ao bairro, uma névoa provocada pelos rojões toma o espaço, entre velas, flores e olhares. Mais adiante, na porta da igreja, a noite escura emoldura o mastro da bandeira do padroeiro, prestes a ser recolhido. Os fiéis contemplam, acenam e se despedem, ao som das ladainhas, chega ao fim a trezena de Santo Antônio.

Após treze dias imersa na celebração, me fiz distante do bairro por um período, essa ruptura é aqui destacada com a quebra da narrativa fotográfica. Ao observar as imagens percebi que as mesmas poderiam ser utilizadas como um recurso de reaproximação, utilizei os registros capturados durante a trezena para presentear alguns moradores. Os cartões feitos a mão, continham a ladainha de Santo Antônio e registros espontâneos dos fiéis, sendo este um gesto de agradecimento e mote introdutório para as memórias da festa.

Ponto crucial para a narrativa, as imagens passaram a ser vistas como recortes do tempo no espaço que apontam para o invisível, representam instantes do momento presente que podem ser usados no futuro para a construção de novas realidades (KOSSOY, 1999).

Embora sendo efêmera, pois só acontece uma vez a cada ano, a festa de Santo Antônio confere ao bairro um significado próprio e através da fotografia foi possível acompanhar o processo de transformação do lugar. Utilizada inicialmente para descobrir, em seguida reaproximar, e posteriormente contar, a captura da imagem passou a ser uma ferramenta singular na construção da pesquisa.

Referências:

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo, Ateliê Editorial, 1999.

SERRA, Ordep. Rumores de Festa. Salvador; Edufba, 1999b.

VAINFAS, Ronaldo. Catolização e poder no tempo do tráfico. Rio de Janeiro; Tempo, 1998.

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