Territórios encantados:etnografias visuais das religiões populares em Parintins (Amazonas)

Fotocronografias
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7 min readJun 22, 2020

Diego Omar da Silveira[1]
Helon da Silva Coelho[2]
Renan Jorge Souza da Mota[3]
Yandrei Souza Farias[4]

Resumo: Para além da sua importância acadêmica, os estudos sobre a diversificação do campo religioso na Amazônia, têm contribuído, nos últimos anos, para revelar as narrativas provenientes do universo afro-indígena. Na medida em que mergulham nas estéticas dos terreiros e de outros lugares encantados, as pesquisas (em especial as etnografias) têm revelado um rico repertório imagético, que ao mesmo tempo descortina outras/novas epistemologias e contribui para visibilizar grupos historicamente marginalizados. As fotografias aqui reunidas, foram produzidas em diferentes momentos e integram variadas pesquisas monográficas. Têm em comum, no entanto, um mesmo esforço de compreensão dos sujeitos e práticas que habitam esses territórios sagrados de Parintins, no Amazonas.

Palavras-chave: Diversidade religiosa; Etnografias visuais; Parintins; Amazonas.

Enchanted Territories: visual ethnographies of popular religions in Parintins (Amazonas)

Abstract: Beside their academic importance, studies on the diversification of the religious field in the Amazon over the last few years have contributed to reveal narratives originated from the afro-indigenous universe. While diving into the aesthetics of the terreiros and other enchanted places, these studies (especially the ethnographies) have uncovered a rich imagetic repertoire that both unravels different/new epistemologies and at the same time contributes to making historically marginalized groups visible. The photographs gathered here were produced in different moments and are part of several undergraduate thesis research studies. However, they share a commonality: a common effort to the understanding of subjects and practices that inhabit these sacred territories in Parintins, Amazonas.

Keywords: Religious Diversity; Visual Ethnographies; Parintins; Amazonas.

[1] Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Trabalha atualmente como professor assistente no Centro de Estudos Superiores de Parintins da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Coordenou a Regional Norte da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR). É membro da Rede de Pesquisa: História e Catolicismo no mundo contemporâneo e do Centro de Estudos Políticos, Religião e Sociedade (CEPRES).
diegomarhistoria@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0001-6835-3417
http://lattes.cnpq.br/2646291847306206

[2] Bacharel em Comunicação Social — Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
E-mail: heloncoelho@hotmail.com
htto://orcid.org/0000–0001–6187–2847

[3] Bacharel em Comunicação Social — Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Produtor audiovisual e fotógrafo. Tem se dedicado à pesquisa em sociologia da religião e folkcomunicação carismática no Amazonas.
renanjorge1771@gmail.com
htto://orcid.org/0000–0003–4902–2051
http://lattes.cnpq.br/1346111777603151

[4] Bacharel em Comunicação Social — Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
yandreifarias@gmail.com
htto://orcid.org/0000–0001–9944–8291
http://lattes.cnpq.br/9066012063626263

Os estudos sobre o campo religioso amazonense, tomado como um todo, são recentes e ainda carecem de maior sistematização. Duas fortes tradições foram importantes ao longo do século XX e deixaram suas marcas muito evidentes: no campo da antropologia e da sociologia prevaleceu uma leitura de que a Amazônia era iminentemente católica, muito embora as tradições indígenas e afrorreligiosas existissem, ora se misturando ora se colocando como uma força paralela, de resistência, às sucessivas levas de colonização do imaginário religioso; o campo da história foi marcado pelo enfoque sobre a entrada dos europeus e de sua fé, uma espécie de “conquista espiritual” narrada de forma apologética pelos seus próprios agentes eclesiásticos e mais tarde, criticamente, pelos estudiosos, igualmente enredados nos processos que levaram à construção dessa hegemonia religiosa.

De qualquer forma, outras vozes — que não as do Cristianismo (católico ou protestante/ evangélico) — raramente encontraram lugares de enunciação muito prestigiados. Hoje, porém, felizmente isso tem mudado (Sampaio, 2011). Não apenas porque os números apontam um cenário de transformação religiosa ou porque as religiões indígenas ou os povos de terreiro estejam reivindicando seus lugares nessa história. Mas também porque as ciências sociais, mais sensíveis, redescobrem, a partir de diferentes pontos de vista teóricos e metodológicos, a riqueza das narrativas, das estéticas, das epistemologias presentes nas muitas tradições afroindígenas amazônicas (Maués; Villacorta, 2008; Pacheco, 2013).

Narrar e permitir que diferentes sujeitos (re)construam suas próprias histórias são, assim, esforços fundamentais para reverter estigmas e preconceitos que, não raro, reforçaram os silenciamentos. Do ponto de vista visual, o que buscamos apresentar aqui são fotografias provenientes de nossos esforços etnográficos, de nossos encontros com os territórios encantados na cidade de Parintins, interior do Amazonas, já na divisa desse estado com o Pará. Elas foram produzidas em diferentes momentos, no contexto de variadas pesquisas monográficas e se juntaram pela primeira vez durante o I Simpósio Norte da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado em 2017. Dois anos mais tarde (2019) voltamos a produzir, juntos, uma exposição durante a II Jornada de Folkcomunicação do Amazonas.

Temos partido da ideia de que “a fotografia faz falar” (Barbosa, 2016, p. 194) e de que é possível mobilizar esse “imenso potencial narrativo” em prol dos grupos subalternos (Carvalho, 2001), contra-hegemônicos (Silveira, 2019), marginalizados nas histórias oficiais e quase sempre atacados pelos defensores das novas e velhas ortodoxias (Gaspar, 2006). Por isso privilegiamos as benzedeiras, os rezadores, os encomendadores de almas, as cerimônias da pajelança e do Santo Daime, as festas e celebrações dos terreiros. Ao lado deles, produzimos “imagens que provocam ao tornar o significativo [para esses grupos e pessoas] visível” (Barbosa, 2016, p. 196).

Para além dos registros orais, já bastante utilizados nas pesquisas (Silva; Pacheco, 2012), as imagens têm aqui a tarefa de presentificar a importância das corporeidades das tradições afroindígenas para as formas locais de viver e de se relacionar com sagrado. Delas emergem os sons dos atabaques e dos cantos, a força das danças ritmadas dos terreiros e a fumaça das ervas que convoca e acolhe entidades e encantados durante as festas e momentos rituais.

As fotografias também privilegiam a possessão e o transe religioso como momentos fundamentais nas tradições mediúnicas, pondo em evidência as linguagens não-verbais que atravessam “as identidades e as cosmovisões amazônicas”, nas quais o mundo natural e o cultural estão permanentemente entrelaçados. Nos territórios em que homens e mulheres se assentam também baixam Orixás, pretos-velhos, caboclos e pombagiras. Ou sobem os bichos do fundo, para ajudar na cura dos males do corpo e do espírito.

Referências

BARBOSA, Andrea. Fotografia, narrativa, experiência. In: BARBOSA, Andrea et. al. (org.). A experiência da imagem etnográfica. São Paulo: Terceiro Nome: FAPESP, 2016. pp. 191–204.

CARVALHO, José Jorge. O olhar etnográfico e a voz subalterna. In: Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: UFRGS, ano 7, n. 15, julho de 2001. pp. 107–147.

GASPAR, Eneida Duarte. Guia de Religiões Populares do Brasil. São Paulo: Pallas, 2006.

MAUÉS, Raymundo Heraldo; VILLACORTA, Gisela Macambira (org.). Pajelanças e Religiões Africanas na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2008.

PACHECO, Agenor Sarraf. Religiosidade afroindígena e natureza na Amazônia. In: Horizonte. Belo Horizonte: PUC-Minas, v. 11, n. 30, abr./jun. de 2013. pp. 476–508.

SAMPAIO, Patrícia Melo (org.). O fim do silêncio: presença negra na Amazônia. Belém: Editora Açaí; CNPq, 2011.

SILVA, Jerônimo da Silva e; PACHECO, Agenor Sarraf. Oralidades em tempos de possessões afroindígenas. In: História Oral. São Paulo: ABHO, v. 15, n. 2, jul.-dez. de 2012. pp. 167–192.

SILVEIRA, Diego Omar da. Religiões contra-hegemônicas na Amazônia: desafios de um campo de pesquisas. In: Senso. Belo Horizonte: Grupo Senso, ed. 13, nov-dez. de 2019.

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