Vol 07, n.16 —(Sobre) vivências em tempos de pandemia: memórias em ensaio

Fotocronografias
Fotocronografias
Published in
4 min readSep 5, 2020

(Sobre) vivências em tempos de pandemia: memórias em ensaio

Organização desta edição
Alexsânder Nakaóka Elias [1]
Daniele Borges Bezerra
[2]
Fabricio Barreto [3]

Prazo prorrogado: até 30/abr/2021

Normas para publicação

Diante do período de exceção que teve início com a pandemia da Covid-19, nos vemos forçados a alterar as nossas formas de interação, impelidos pela necessidade do distanciamento social. A dimensão política da pandemia, e não apenas o vírus, coloca em questão as condições indispensáveis para uma vida ética em sociedade, na qual emoções, vulnerabilidades e negacionismos são, entre outros, elementos que nos fazem repensar a própria humanidade. Bruno Latour, no ensaio “Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise”, publicado recentemente (2020) no seu site, reflete sobre as possibilidades de novos regimes de produção após o fim, ainda longínquo, da pandemia do coronavírus.

Com a considerável supressão global de um sistema econômico que sempre nos pareceu indefectível, Latour aponta para a antes impensável desaceleração do tempo, que passa a ser percebido e administrado de outras formas. É essencial, assim, refletirmos sobre as vivências que se tornam “estratégicas” (Certeau, 1998) nesse período, bem como sobre as formas de expressão e (sobre)vivências (Benjamin, 1989; Warburg, 2000) daqueles (as) que, respeitando as orientações sanitárias da Organização Mundial da Saúde, permanecem em quarentena horizontal, abdicando de suas rotinas e do convívio com amigos, colegas de trabalho e familiares, em favor da saúde coletiva.

Ao levarmos em consideração, também, o modo como a “duração das memórias” (Rocha e Eckert, 2013), sejam elas individuais e/ou coletivas, permitem acessar contextos e reviver experiências compartilhadas, mostra-se pertinente mensurar a potência das narrativas como parte de um processo de transcendência do tempo, pensadas aqui como um veículo catalisador de memórias em processo durante a pandemia. Nesse sentido, o que propomos no presente dossiê é a produção de ensaios visuais que tenham a imagem fotográfica como a principal forma de expressão, constituindo uma interface entre a vivência e a memória. O intuito, portanto, é reunir trabalhos realizados durante o período de quarentena, que também poderão ser compostos por outras formas de expressão ou “grafias”, no sentido que nos fala Ingold (2011), a partir de intervenções visuais feitas por meio de “montagens” (Warburg, 1929; Eisenstein, 1929 e 1942), desenhos com fotografias e/ou fotografias com texto.

Acreditamos que tais produções, cujas temporalidades aparentam ser de natureza bem distinta da qual estávamos habituados (as) como “escravos (as) do relógio” (Gheirart, 2015), parecem boas formas de expressar uma inquietação ético-política, a saber, a de nos questionarmos sobre o que fazemos do presente hoje, tendo em vista o presente de amanhã. De fato, dar vazão à criatividade e ao pensamento crítico nos parece um ato legítimo, principalmente ao considerarmos o momento político brasileiro, no qual o campo das Humanidades sofre contundentes ataques por parte dos governos estaduais e, principalmente, federal, com contínuos cortes de verba para pesquisas acadêmicas e para o financiamento de projetos culturais.

Portanto, a tarefa e o dever deste dossiê é compor um arquivo imagético cuja relevância se aparenta urgente e necessária, visto que, como nos diz Samain (2012), “a questão do arquivo não é uma questão do passado, mas uma questão de futuro, a questão do futuro mesmo, a questão de uma resposta, de uma promessa e de uma responsabilidade para amanhã”. Ao levarmos em consideração o fato das imagens “constituírem o lugar de um processo vivo, nunca nos mostrando um pensamento único e definitivo” (Samain, 2012), mas incluindo lacunas, não-ditos, lembranças e até os esquecimentos nele contidos, a potência das imagens em resguardar as nossas memórias, como se fossem “relicários” em tempos de pandemia, será essencial para projetarmos um futuro distinto ao que Latour (2020) nomeia como uma “mutação ecológica duradoura e irreversível” causada pelo sistema econômico no qual vivemos.

[1]Doutor em Antropologia Social(Unicamp, 2018) / Mestre em Fotografia e Cinema (Unicamp, 2013) — Pesquisador do LA’GRIMA/Unicamp; NAVISUAL/Ufrgs; VISURB/Unifesp e LEPPAIS/UFPel
alexdefabri@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6746-0464
http://lattes.cnpq.br/9631991512840338

[2] Professora substituta no Departamento de Antropologia e Arqueologia, Universidade Federal de Pelotas, Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural, Coordenadora do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do Som (LEPPAIS/UFPel)
borgesfotografia@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6278-3838
http://lattes.cnpq.br/0831071373455034

[3] Doutorando em Políticas Públicas (PPGPP/UFRGS), Mestre em Antropologia (PPGAnt/UFPEL), pesquisador do Navisual/UFRGS; BIEV/UFRGS; LEPPAIS/UFPEL.
fabriciobarreto@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-4284-0238
http://lattes.cnpq.br/3082951793368318

Referências

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.

EISENSTEIN, Serguei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002a (Original publicado em 1942).

__________________. A forma do filme. Rio de Janeiro, Brasil: Jorge Zahar Editora, 2002b (Original publicado em 1929).

GHEIRART, Oziel. O tratado antropoético. Tese de doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

INGOLD, Tim. Being Alive — Essays on movement, knowledge and description. London and New York: Routledge, 2011.

LATOUR, Bruno. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. Tradução de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro. 2020. Disponível em http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/downloads/P-202-AOC-03-20-PORTUGAIS_2.pdf. Acesso em 10 de maio de 2020.

ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. ECKERT, Cornélia. Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração. Revista Rua. Campinas: Nº 16, vol. 01, 2010. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/anteriores/pages/pdf/16-1/6-16-1.pdf. Acesso em 02 de janeiro de 2019.

SAMAIN, Etienne (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.

WARBURG, Aby. Der Bilderatlas Mnemosyne (sob a direção de Martin Warnke e de Claudia Brink). Berlim: Akademie Verlag, 2000 (Original publicado em 1929).

--

--

Fotocronografias
Fotocronografias

O portal fotocronografias objetiva divulgar ensaios fotográficos que resultem de pesquisas etnográficas e de estudos antropológicos.