5 livros sobre futebol feminino

Obras relatam a luta das mulheres, é claro, mas seleção literária também aborda conquistas e aspectos positivos da modalidade

Kamila
Futebol Café
6 min readJan 24, 2022

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(Crédito: Kamila Villarreal)

É de conhecimento público que a produção de literatura de futebol no Brasil é baixíssima, então automaticamente entendemos que a produção de literatura de futebol de mulheres no país está, infelizmente, próxima de zero.

Claro que há excelentes livros, como o “Futebol Feminista”, escrito a quatro mãos por Lu Castro e Darcio Ricca, ou o “A Verdadeira Regra do Impedimento”, da Karine Nascimento, desde já recomendadíssimos. Porém, meu foco neste texto não é generalista, ou seja, contar, por exemplo, que durante 40 anos o futebol foi proibido por lei para elas (!) ou que as jogadoras, nos primórdios da seleção brasileira, usavam as sobras dos uniformes masculinos e não tinham acesso à Granja Comary.

São assuntos que todos sabem. E quem não sabe invariavelmente ficará sabendo quando algum programa fizer uma matéria relatando que determinado clube está sendo negligente com seu time feminino.

Indico cinco leituras que nos trazem novos pontos de vista. Em todas elas, é claro, a luta das mulheres é relatada, mas também mostram conquistas e aspectos positivos, porque nem só de tragédia vive o futebol feminino. Optei por trazer mais livros internacionais, pois acredito que as histórias selecionadas são pouco ou quase conhecidas por nós brasileiros. Tenho certeza que você se surpreenderá com elas.

A parte ruim é que alguns só estão disponíveis para venda no site do Jeff Bezos… Mas quem sabe um dia alguém abre uma livraria só de futebol, não é mesmo? (Até lá, torceremos pela queda do dólar.)

Do Ahú ao Foz: a história do Campeonato Paranaense feminino — Patrícia Zeni
Editora Primeiro Lugar

O livro é curtinho, dá para ler numa tarde ao lado de um bom café (Crédito: Kamila Villarreal / Nota do blog: a legenda da foto foi escrita pela autora; não temos qualquer influência sobre a recomendação do café)

O único livro nacional da lista foi escrito por minha amiga Patrícia Zeni. A jornalista paranaense transformou seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em um importantíssimo relato histórico do futebol feminino no Paraná. Neste trabalho, Patrícia cataloga o campeonato estadual, cujos registros até então constavam apenas em reportagens esporádicas publicadas em jornais.

Uma coisa em comum em todos campeonatos estaduais femininos é que nem sempre foram feitas as súmulas dos jogos. Então, se não foram noticiados por algum jornal ou se as próprias jogadoras não se lembram com detalhes, é como se esses confrontos não tivessem acontecido.

Comprei no site da Primeiro Lugar, que fez um excelente trabalho de edição. Aliás, aproveito para ressaltar que a editora, sediada em Natal, tem um catálogo incrível de livros de futebol e conta com alguns ótimos livros sobre o futebol de mulheres.

Manchester City Women: An Oral History — Gary James
James Ward

A zagueira e capitã Steph Houghton renovou recentemente seu contrato com o Manchester City, para sua oitava temporada com a camisa azul. Ela está no clube desde o primeiro dia da era profissional da equipe (Crédito: Kamila Villarreal)

Quem me segue nas redes sociais não demora muito para perceber que torço para um time europeu. Mas o que muita gente pode não saber é que o primeiro clube de futebol feminino que conheci foi o Manchester City.

Pode parecer bizarro, mas nos meus 20 e poucos anos, eu não sabia que existia futebol feminino de clubes e que eles disputavam ligas e copas. Cresci assistindo àqueles torneios de fim de ano que aconteciam no Pacaembu e eram transmitidos pela Band, com narração do Luciano do Valle. Salvo alguns clipes em reportagens, eu nunca tinha visto até então um jogo de futebol feminino entre clubes.

Assim sendo, eu torço para o Manchester City por causa da equipe feminina e não por causa de Agüero, Dzeko, Touré, etc (por mais que eu os ame). Escrito pelo Dr. Gary James, respeitado historiador do futebol de Manchester, com diversos livros escritos tanto sobre o City como sobre o United, a obra traz relatos das ex-jogadoras (por isso “an oral history” no nome) e talvez seja o primeiro no mundo a contar a história de um time feminino.

A curiosidade é que James é casado com uma das ex-jogadoras e eles se conheceram antes mesmo da equipe existir. O meu xodó faz parte de um lote especial, que veio com autógrafo do autor. Só consegui comprar porque estive em Manchester em 2019 e o livro estava à venda na loja do clube.

The National Team: The Inside Story of the Women Who Changed Soccer — Caitlin Murray
Abrams Press

Em oito edições de Copas do Mundo, os Estados Unidos JAMAIS ficaram fora do pódio: são quatro títulos, um vice e três terceiros lugares. Já no Torneio Olímpico, em sete edições, quatro ouros, uma prata e um bronze (Crédito: Kamila Villarreal)

Como é forjada uma equipe de sucesso? Como explicar o peso da camisa dos Estados Unidos no futebol feminino?

Com uma trajetória de êxitos diametralmente oposta à seleção masculina e ainda assim recebendo menos dinheiro do que eles, Caitlin Murray esmiúça a história da USWNT (como a equipe é conhecida) desde a promulgação do Title IX (emenda de 1972 que garantiu às mulheres os mesmos direitos que homens em programas esportivos de escolas e universidades) até as conquistas do tetracampeonato mundial, passando pelos fracassos das ligas locais e a ascensão da atual NWSL, a liga feminina de clubes.

O livro foi esclarecedor porque finalmente pude entender como elas conseguem ser ícones da seleção sem ser ícones em seus clubes — o que é inconcebível para mim, pois acredito que a seleção é consequência do bom trabalho no clube. Não entra na minha cabeça alguém ser ídolo do país sem antes, por exemplo, ter seu nome cantado semana após semana por torcedores apaixonados de uma equipe.

Arrival: How Scotland’s Women Took Their Place on the World Stage and Inspired a Generation — Steven Lawther
Pitch Publishing

Escócia no Mundial de 2019: duas derrotas por 2 a 1 (para Inglaterra e Japão) e um empate por 3 a 3 contra a Argentina resultaram na eliminação ainda na fase de grupos (Crédito: Kamila Villarreal)

O Mundial da França, que aconteceu em 2019 e parece que ocorreu há mais tempo, foi um divisor de águas no futebol de mulheres (saudades de preencher um álbum da Copa). O torneio teve vários momentos inesquecíveis, mas se tem uma história que me salta aos olhos é a presença inédita da Escócia em Copas do Mundo.

Fazendo um trabalho minucioso de pesquisa e entrevista, Steven Lawther percorre os primórdios do futebol feminino escocês até chegar no Inglaterra x Escócia da estreia no Mundial, um feito brilhante que nem mesmo a derrota por 2 a 1 foi capaz de apagar — Claire Emslie, atacante do Everton, foi quem fez o histórico gol das Scots, registrado em HD e tudo.

A History Of The Women’s FA Cup Final — Chris Slegg e Patricia Gregory
The History Press

A volante (e torcedora) Keira Walsh marcou um dos gols do segundo título do Manchester City na final de 2019 (Crédito: Kamila Villarreal)

Por fim, o livro mais genial que alguém poderia ter escrito. A dupla Chris Slegg e Patricia Gregory percorreu a história de todas as finais da Copa da Inglaterra feminina no período entre 1971 a 2020, desde as edições com públicos modestos e equipes pequenas (algumas inclusive posteriormente extintas), até os jogos com casa cheia em Wembley, terminando na final que não teve público em razão da pandemia de Covid-19.

O detalhe desse livro é que muitos dos dados estavam perdidos no tempo, o que significa que o trabalho da dupla foi muito mais difícil do que se imagina. A leitura é uma experiência maravilhosa, apesar de topar com os 14 títulos do Arsenal, os nove títulos do Southampton Women’s FC (sem ligação com o clube da Premier League, que tem um time feminino que milita na terceirona inglesa) e o hexacampeonato do Doncaster Rovers Belles, que também joga na terceira divisão.

Sempre que posso, recomendo essa seleção de livros a todos. Quem sabe um dia tenhamos uma boa literatura de futebol feminino aqui no Brasil, com uma forte produção e também com diversas obras sendo traduzidas para o português. Não custa sonhar.

Kamila Villarreal queria ser jogadora de futebol, mas como não teve incentivo acabou se formando em jornalismo. É criadora do projeto Seção Feminina (blog e podcast), que tem como intuito contar histórias do futebol feminino por meio das camisas. Também participa quinzenalmente do podcast Conexão FAWSL, sobre futebol feminino na Inglaterra

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Kamila
Futebol Café

Jornalista que na próxima vida será jogadora de futebol.