10 livros que todo fã de futebol precisa ler

Literatura futebolística já produziu algumas obras que não devem nada em comparação com assuntos ditos “mais importantes”

Bruno Rodrigues
Futebol Café
11 min readApr 10, 2017

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Pilha de livros que compõem a lista de obras essenciais para o fã de futebol (Crédito: Bruno Rodrigues)

Livros de futebol não têm o reconhecimento e o cuidado que a produção literária sobre o tema merece. Digo isso porque toda vez que entro em uma livraria, ou tenho que perguntar para o vendedor onde fica a seção de esportes ou preciso me abaixar para conferir o cantinho de uma prateleira escondida. Se você vir alguém praticamente se rastejando no corredor da livraria para poder alcançar um livro, pode ter certeza: é lá que estão os de futebol.

Exageros à parte, é possível encontrar nas maiores livrarias — ou em seus sites — algumas das obras futebolísticas mais importantes já lançadas. Produções que, pela qualidade do texto, da apuração e da relevância histórica, não ficam devendo nada para a literatura de assuntos considerados mais importantes. Aliás, conceito totalmente infeliz este. Pois já diria Bill Shankly, histórico técnico do Liverpool, “algumas pessoas acreditam que o futebol é uma questão de vida ou morte. Posso garantir que é muito mais que isso”.

Na lista que preparei estão os títulos que considero mais importantes para o entendimento do jogo e das questões sociais e políticas que permeiam o futebol. Talvez por isso eu tenha deixado biografias de lado. E como nenhuma lista dessas é definitiva, estou aberto a sugestões ou discordâncias em relação aos livros citados — inclusive sobre a inclusão ou não de biografias. Vale ressaltar que só estou listando obras que eu li, além de optar por títulos que em sua maioria são de fácil acesso aos leitores, ou seja, estão disponíveis em livrarias e, claro, em português.

Boa leitura!

Febre de Bola (1992) — Nick Hornby

Livro fundamental para quem nutre a paixão pelo futebol e, principalmente, por um clube de coração. No caso de Nick Hornby, como fica evidente pela capa, o clube em questão é o Arsenal. Hornby conta como o amor pelos Gunners é o que guia a sua vida, deixando claro que é o Arsenal seu refúgio das coisas ruins ou medíocres que ocorrem com ele. Acontecimentos importantes da vida do autor se misturam a jogos importantes de sua equipe de coração, assim como algumas lembranças só são possíveis porque, naquele dia específico, o Arsenal entrou em campo. É algo que acontece com todos nós que somos fanáticos por um clube de futebol. Mas Nick Hornby conseguiu como ninguém transformar isso em deliciosas páginas.

“Um livro completamente original. Hornby não iniciou a nova onda da escrita de futebol, mas foi o primeiro escritor britânico a examinar a aparentemente extraordinária experiência de ser um torcedor”, escreveu o jornalista Simon Kuper no resumo do livro para a revista Four Four Two, que organizou uma lista de melhores livros de futebol

Natural que listas sejam diferentes umas das outras, mas uma certeza tenho: Febre de Bola estará em qualquer compilação de leituras essenciais para os fãs de futebol. Acho que nem os torcedores do Tottenham discordarão.

Como o Futebol Explica o Mundo (2004) — Franklin Foer

O livro-reportagem talvez seja o gênero literário com a produção mais significativa sobre futebol. O norte-americano Franklin Foer contribui para isso com seu Como o Futebol Explica o Mundo. Resultado de viagens, entrevistas e pesquisa, o livro reúne em um trabalho jornalístico impecável relatos da dimensão que o futebol tomou por todo o mundo, transformando-se no esporte mais popular do planeta. Foer ouviu diversos personagens das mais distintas origens e idiossincrasias para mostrar que o futebol também não é somente o jogo de 11 contra 11, mas que está inserido em um contexto social e político, sendo uma representação da sociedade ao seu redor. Sorte a nossa que essa obra ganhou tradução para o português.

Futebol Contra o Inimigo (1994) — Simon Kuper

Se o livro-reportagem tem a importância que tem no meio do futebol, muito disso se deve a Simon Kuper e sua obra-prima: Futebol Contra o Inimigo. Aliás, se Como o Futebol Explica o Mundo existe é porque Kuper lançou, ainda em 1994, o grande título do gênero. Com apenas 22 anos de idade e um orçamento de 5 mil libras, o autor fez uma viagem pelo mundo coletando histórias de futebol e sua relação com a política local — e global. O périplo mundial do escritor compreende idas aos principais países da Europa, mas também à Argentina e Camarões, tudo com o apertado orçamento citado acima. Para ser mais exato, foram nove meses de viagem por 22 países. Tanto a quantidade como a variedade de destinos já oferecem ao leitor um aperitivo da diversidade de histórias encontradas no livro, com investigações que vão dos países bálticos ao futebol na Botsuana, passando pela malandragem tipicamente brasileira.

Futebol Contra o Inimigo ganhou o William Hill Sports Book of the Year, o prêmio literário mais importante da temática de futebol. Uma crítica bem-humorada do jornal britânico The Times resume o livro na seguinte frase: “Se você gosta de futebol, leia. Se não gosta de futebol, leia”.

Infelizmente, o livro nunca foi traduzido para o português. Disponível em inglês e espanhol, a obra é uma ode ao bom jornalismo sobre futebol e merece um lugar na estante de livros de qualquer fã da bola.

O Negro no Futebol Brasileiro (1947) — Mário Filho

Para o leitor que quer entender profundamente o futebol brasileiro, não há escolha: precisa ler O Negro no Futebol Brasileiro. O livro é o maior clássico futebolístico da literatura brasileira e explica o processo de entrada do negro em um esporte originalmente branco, investigando os primeiros movimentos de miscigenação que aconteceram nos clubes cariocas e as consequências disso para o próprio futebol e para a criação — ora para o bem, ora para o mal — de uma identidade nacional. Na apresentação à 4ª edição do livro, o historiador Epitácio Brunet, então presidente da FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) escreve que “Mario Filho, ao definir a contribuição do negro brasileiro ao futebol, completou um ciclo de obras — tais como Casa Grande e Senzala, Formação do Brasil Contemporâneo ou Raízes do Brasil — voltadas para a interpretação do Brasil, trabalhos que buscaram entender o que fazia, e fez, o Brasil ser brasileiro”.

Futebol ao Sol e à Sombra (1995) — Eduardo Galeano

Uma das leituras mais prazerosas que se pode ter do “deporte rey”. Em O Futebol ao Sol e à Sombra, o escritor uruguaio Eduardo Galeano conta a história do futebol com um olhar muito particular e curioso. É quase como se Galeano realmente tivesse presenciado todos os episódios possíveis dos inícios do esporte mais popular do planeta até os dias recentes. A partir daí, resolveu escrever a linha do tempo futebolística com o que lembra e pensa a respeito daquilo que viu, leu e ouviu. As crônicas são curtas e falam sobre diversos temas do mundo da bola: grandes gols, grandes jogos, craques, Copas do Mundo e até sobre a morte. Torcedor do Nacional de Montevidéu, Galeano consegue deliciar o leitor inclusive quando escreve sobre o rival Peñarol. Outro tema sobre o qual o uruguaio se debruça com frequência é o futebol brasileiro e o que ele define como uma forma particular de jogar: “o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos”. Pelé, o Rei do Futebol, também ganhou linhas de texto formidáveis a seu respeito.

“Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada. Quando cobrava uma falta, os adversários que formavam a barreira queriam ficar de costas, de cara para a meta, para não perder o golaço”, escreveu Galeano sobre Pelé

Para nossa sorte, a obra foi traduzida para o português e também pode ser encontrada em livrarias brasileiras. Eduardo Galeano nos deixou em abril de 2015, mas com certeza, lá de cima, segue assistindo ao futebol dos mortais e contando aos outros, à sua maneira, como o futebol é uma coisa incrível.

Guardiola Confidencial (2014) — Martí Perarnau

O livro é de 2014, portanto tão contemporâneo quanto Pep Guardiola, mas já é um clássico da literatura de futebol. O catalão é considerado por uma boa parcela de fãs de futebol como a mente mais brilhante do jogo no futebol de hoje em dia e uma das mais brilhantes de todos os tempos. Entretanto, Guardiola nunca abriu muito seu trabalho e suas ideias para jornalistas. A análise sobre sua forma de treinar, até esse momento, se baseava mais na observação de seu jogo e em suas referências de futebol (Johan Cruyff, por exemplo) do que na exposição de conceitos oferecidos por ele mesmo. Com Guardiola Confidencial, Martí Perarnau teve acesso à intimidade de Pep, ao seu vestiário, aos seus companheiros de trabalho e seus métodos. O livro cobre desde a preparação até o desfecho da primeira temporada do técnico no Bayern de Munique, mostrando seus sucessos e também suas crises. Assim como Guardiola, que ganhou tudo logo em seu primeiro ano no comando de uma equipe profissional (o Barcelona de 2008/2009), Guardiola Confidencial foi um sucesso instantâneo. E ficará para sempre marcado como leitura obrigatória para entender os processos e as influências do catalão na maneira de se jogar futebol daqui para frente.

A Pirâmide Invertida (2008) — Jonathan Wilson

Jonathan Wilson é um dos escritores de futebol mais importantes no mundo atualmente. Isso porque, além de publicar livros, como por exemplo a biografia do folclórico técnico inglês Brian Clough, Wilson também escreve para o Guardian e é editor da revista trimestral The Blizzard, publicação que também está entre as mais interessantes no gênero. Mas é com A Pirâmide Invertida que o britânico atinge o auge de sua produção escrita. O livro pode ser resumido como a “Bíblia da tática”. Nele, Wilson investiga o futebol em seus pouco mais de 150 anos de existência e mostra a evolução do jogo ao longo dos tempos até chegar no futebol praticado hoje, que muito bebe de fontes não imagináveis para a maioria dos que acompanham futebol e, ao contrário de Wilson, não têm conhecimento e pesquisa profundos dos aspectos táticos.

Com A Pirâmide Invertida, Jonathan Wilson foi finalista do William Hill Sports Book of the Year no ano de 2008, mas acabou não faturando o prêmio

É possível dizer que parte do nosso atraso na análise do futebol jogado se dá pela falta de um livro ou de obras como essa, que mais do que se aprofundar no tema, instigam a discussão e a produção de conhecimento a partir disso. Afinal, o livro foi lançado em 2008 e só chegou ao Brasil, em português, em 2016, por meio da Editora Grande Área — que, aliás, trouxe também Guardiola Confidencial. Enquanto outros países já dissecaram o livro, ainda estamos saboreando-o. E que façamos bom proveito das informações e análises que Jonathan Wilson nos brinda nas páginas de A Pirâmide Invertida.

Entre os Vândalos (1990) — Bill Buford

Existem bons livros em português sobre torcidas organizadas e o comportamento do torcedor de futebol violento. Um deles, A Violência no Futebol, do professor Maurício Murad, é uma referência no assunto, assim como o ótimo La Doce, do argentino Gustavo Grabia. Contudo, o melhor trabalho escrito sobre torcedores violentos é Entre os Vândalos, do norte-americano Bill Buford. O autor conviveu com hooligans ingleses e viu de perto o que as câmeras de televisão sempre mostraram com alguma distância. Buford fez o que se chama de jornalismo participativo, fazendo parte da história. Inclusive, em alguns momentos ele diz ter bebido tanto com os próprios hooligans que era difícil se lembrar com alguma precisão dos fatos ocorridos. Com essa imersão no mundo dos torcedores violentos, o autor procura entender os motivos que o levam a acompanhar seus times para todos os lados, a natureza da violência deles e as práticas dos diversos indivíduos que formam parte de uma torcida.

Futebol & Guerra (2001) — Andy Dougan

Futebol & Guerra é um dos relatos mais bonitos sobre futebol já publicados. O livro conta a história do Dínamo de Kiev após a invasão nazista à capital ucraniana. Com a ocupação das tropas de Hitler, a principal equipe do país foi desmanchada e muitos dos jogadores do Dínamo foram trabalhar em uma padaria. Aí então surgiu o FC Start, time formado pelos atletas que trabalhavam na padaria e que passou a fazer partidas de exibição para o povo de Kiev, uma estratégia pensada pelos nazistas para manter a população entretida ao ver o grande time da época jogar. O ponto alto da história é o jogo final dessas partidas de exibição, contra a Luftwaffe, confronto que se tornou um símbolo da resistência ao nazismo e que trouxe consequências diretas para muitos dos que resolveram bater de frente com os alemães em campo.

“Ignore o golpe dramático do capítulo de abertura: quando Dougan troca para a narrativa jornalística, a história assume o comando. Este é um livro de pesquisa extraordinária, atravessando os mitos que obscureceram o que aconteceu quando o Dínamo de Kiev enfrentou a Luftwaffe em 1942", escreveu Jonathan Wilson para a lista de melhores livros organizada pela Four Four Two

A história retratada no livro é a mesma do filme “Fuga Para a Vitória”, com Pelé e Sylvester Stallone e que virou uma espécie de cult entre os fãs de futebol. Contudo, no filme, há algumas imprecisões históricas e personagens que nada têm a ver com os jogadores do Dínamo, características que dessa forma ajudam a amarrar a trama. A história real, de fato, deve ser conferida no livraço de Andy Dougan.

A Bola Não Entra Por Acaso (2009) — Ferran Soriano

Na lista original que tinha nove livros acabei não colocando A Bola Não Entra Por Acaso. O livro poderia ter entrado tranquilamente desde o início, mas um leitor opinou que valeria a pena adicioná-lo e então cedi à tentação de colocar o trabalho de Ferran Soriano, tentação que já tinha enfrentado na gênese deste post. Soriano foi vice-presidente do Barcelona na gestão de Joan Laporta, uma das mais vitoriosas da história do Barça, certamente. O ex-dirigente culé, hoje no Manchester City, fala sobre os bastidores da montagem e desenvolvimento da gestão que levou o clube a se tornar uma marca global, definitivamente uma das mais fortes no futebol mundial do século 21. Soriano nos dá exemplos práticos, a partir do Barça, de como funciona um clube de futebol do tamanho do Barcelona, seus processos estratégicos e também seus problemas e fracassos. Leitura obrigatória para entender um outro lado do jogo, aquele que não vemos durante os 90 minutos, mas que são fundamentais para entender por que e como acontecem determinadas coisas dentro das quatro linhas. Afinal, como defende Ferran Soriano, a bola não entra por acaso.

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