Livros, revistas e o inesperado presente que eu trouxe da viagem à Argentina

Quando comprei as passagens, já tinha alguma noção do que iria trazer de lá. Mas fui surpreendido com uma lembrança especial

Bruno Rodrigues
Futebol Café
7 min readMar 8, 2018

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Compras futebolísticas de Buenos Aires. E um “regalo” que não estava nos planos (Crédito: Futebol Café)

Me considero um privilegiado por ter tido a oportunidade de viajar a Buenos Aires três vezes na minha vida. Em todas elas, o sentimento em comum de encanto pela cidade, pelos costumes e pela cultura argentina. Claro que há coisas ruins por lá e a decadência é visível, mas sou de São Paulo, isto é, não posso achar que os problemas vividos pelos portenhos são muito piores do que os nossos aqui. No mínimo parecidos.

Como fui a turismo em todas elas, uma das coisas que me chamou atenção na comparação dessas viagens foi a loucura do aumento da inflação — uma instituição dos hermanos tanto quanto os alfajores e as medialunas. De 2010 para 2013 já houve grande diferença nos preços em geral. De 2013 para 2018 então, tudo ficou muito mais caro. Sabendo disso, portanto, não poderia trazer na mala tudo aquilo que eu desejava da Argentina.

Disse certa vez o jornalista Paulo Vinícius Coelho, o PVC, que em suas viagens ele passou a não comprar mais camisas de futebol e sim livros. Talvez porque comprar camisas de futebol em qualquer lugar do mundo seja um negócio caro. Mas também porque os livros e suas histórias nos importam mais, enriquecem nosso repertório e nos ensinam sobre algo, além de oferecer o prazer de uma boa leitura. A camisa de futebol, por mais legal que ela seja e eu faça coleção delas, será somente uma bonita peça de roupa (que minhas camisas, pelas quais tenho enorme carinho, não leiam isso).

Em relação aos livros, já tinha uma certa noção do que gostaria de trazer. Pelo menos o que era prioridade. Entre essas prioridades estava a biografia de Mario Alberto Kempes, lançada no fim do ano passado pela Editora Planeta. Kempes foi a grande figura do título mundial da Argentina em 1978 e também dono de passagens memoráveis pelo Rosario Central e pelo Valencia, da Espanha. Não sou o fã número 1 de biografias, mas me pareceu desde o lançamento que a trajetória do ídolo albiceleste contada por ele mesmo valeria o investimento. Depois conto para vocês se de fato fui bem nessa ou se é mais uma biografia desinteressante como tantas outras.

Outro item que buscava pelas livrarias portenhas era um livro do craque das letras Eduardo Sacheri. Conheci o trabalho de Sacheri por conta de “O Segredo de Seus Olhos”, mas só fui descobrir sua excelência nos textos futebolísticos quando assinei a revista El Gráfico, experiência que durou de agosto de 2013 a novembro de 2015. Entre as muitas coisas boas de ler a El Gráfico estavam os contos que Sacheri publicava. Passei a admirá-lo e a tentar seguir um pouco mais de perto o seu trabalho referente ao futebol.

Biografia de Mario Kempes e um livro de Sacheri, coisas que eu estava decidido a trazer (Crédito: Futebol Café)

Na Libros del Pasaje, uma das livrarias mais bonitas de Buenos Aires, encontrei um de seus últimos lançamentos: “El fútbol, de la mano”, uma coleção de seus contos publicados na El Gráfico justamente de 2013 a 2015. Me pareceu uma boa oportunidade de reunir em uma obra só todos aqueles contos que li durante a assinatura da revista e também uma forma de materializar a memória daquele período, que foi muito bacana para mim.

A El Gráfico, infelizmente, não durou muito mais, tendo sua operação no impresso encerrada no último mês de fevereiro. Em 2019, a revista completaria 100 anos de existência. Triste, mas sinal dos tempos nos quais empresários fecham ou arruínam publicações sob a desculpa da perda de espaço do jornalismo impresso. Um diagnóstico feito por gente que entende de corte de gastos e planilhas de Excel, mas muito pouco de jornalismo e da importância de veículos como foi a El Gráfico por quase um século.

Na passagem por Buenos Aires, um dos meus objetivos era encontrar também uma edição da Revista Don Julio, publicação independente sobre a qual eu já falei no blog anteriormente, mas cujas páginas nunca havia conseguido sentir em mãos. Antes, a Don Julio publicava algumas de suas reportagens no site, que foi a forma como descobri parte do conteúdo deles. Depois, interromperam a publicação das histórias online. A única maneira de ter acesso à revista então era comprá-la por lá. Foi bem bacana encontrar a Don Julio, mas mais bacana ainda na livraria onde a encontrei. A La Libre, no bairro de Monserrat, parece uma livraria despretensiosa, mas foi uma das mais legais que visitei na cidade. Viva La Libre!

A Don Julio, porém, não foi a única revista que eu trouxe da Argentina. Conforme contei no post sobre revistas antigas aqui no Futebol Café, andar pelas ruas portenhas e não topar com edições antigas da El Gráfico é coisa para quem realmente está fugindo de futebol. Encontrei exemplares históricos em San Telmo, que é onde mais se acha edições da publicação, e até na Plaza de Mayo, quase em frente à Casa Rosada. Mas foi na feira de livros da Plaza Italia onde fiz o melhor negócio. Depois de andar por algumas bancas de livreiros, um deles me trouxe algumas revistas para dar uma olhada. Quando viu que me interessei por algumas edições relativamente recentes do Boca, lançou a senha para que eu levasse: “Cada uma por 10 pesos”. Levei duas, uma com Martín Palermo e outra, edição especial, do título mundial de 2003. Pouco mais de R$ 3,30 pelas duas. Pechincha!

Na de Martín Palermo, de maio de 2007, o centroavante fala sobre o recorde que buscava à época, o de maior artilheiro da história do clube. E o interessante é que a El Gráfico conseguiu juntar na mesma edição ele, que era o quarto maior goleador até o momento, e o então dono do terceiro posto, Francisco “Pancho” Varallo, ídolo xeneize da década de 30 e que na data da publicação em questão tinha 97 anos de idade. Varallo só foi superado por Palermo em 2008 e viria a falecer em 2010, aos 100 anos de idade.

Ainda sobrou tempo e espaço para uma quarta revista, essa totalmente sem querer — e especial justamente por isso. Caminhava pela Avenida de Mayo, próximo ao Congresso argentino, quando vi na porta de um edifício antigo o símbolo do San Lorenzo de Almagro. A curiosidade me levou para dentro do prédio, é claro. Ali funciona a sede social do clube, com ações para a comunidade de torcedores do Ciclón. Simpática, a senhora da recepção disse para eu levar uma edição da revista do clube que estava sobre o balcão. “É um pouco velha, mas leve”, disse ela. Levei, óbvio. É de dezembro de 2016, o que pouco importa, tem o ídolo Romagnoli na capa e o melhor: foi de graça! Aquela senhora não sabe, mas mora num cantinho do meu coração.

Romagnoli e Palermo, ídolos e multicampeões por seus respectivos clubes (Crédito: Futebol Café)

A publicação oficial do San Lorenzo repassa uma série de acontecimentos do clube como um todo, desde o futebol até a inauguração do novo centro poliesportivo do Ciclón. Além da entrevista com “Pipi” Romagnoli, há entrevistas também com jogadores do basquete, do vôlei feminino e uma reportagem curiosa sobre o San Lorenzo de Mar del Plata, fundado na década de 20 por torcedores do homônimo portenho e que, inclusive, já superou o famoso clube-irmão na primeira divisão argentina em 1973.

Dizia no começo deste texto que passei a preferir os livros às camisas de futebol nas viagens mais recentes que fiz. Os preços de camisas na Argentina só me ajudaram a reforçar essa ideia. Como aqui, perto dos R$ 300, fora de cogitação. Porém, há certas coisas que parecem inacreditáveis até quando olhamos em perspectiva, já distantes do calor do momento, e eu acabaria trazendo uma camisa na mala. Mas não porque escolhi trazê-la, e sim porque um torcedor do Huracán insistiu. Simplesmente tirou o uniforme que usava para me entregar e fazer com que eu lembrasse para sempre daquele dia em Parque Patricios, quando o Globo bateu o Estudiantes por 1 a 0.

Mas essa história fica para um outro momento… Para depois de tudo que eu ainda tenho a escrever sobre Buenos Aires, suas livrarias e todo tipo de novidade e coisas legais da literatura futebolística argentina. Hasta luego!

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