Caso XP Inc: Meta de Gênero faz sentido?

Grupo XP assume compromisso ter 50% de mulheres no seu quadro de funcionários até 2025. Metas de composição de gênero é algo que faz sentido?

Deborah Bizarria
Futilidade Marginal
5 min readJul 19, 2020

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O grupo XP Inc recentemente assumiu um compromisso de ter 50% de mulheres no seu quadro de funcionários até 2025. O anúncio gerou burburinho nas redes: alguns alegaram que se tratava de mais uma empresa tentando lacrar na internet e outros elogiaram a medida. Mas afinal, se trata de uma estratégia que faz sentido?

Como os economistas costumam dizer: depende. Qualquer uma das duas interpretações pode estar correta a depender do que a meta colocada pela XP, ou por qualquer empresa, significa na prática.

No primeiro cenário, a meta para além de um direcionamento é algo a ser atingido a qualquer custo. Neste caso, a meta de 50% de participação feminina em todos os níveis hierárquicos viraria uma espécie de cota. E como já apontei em outro artigo, cotas de gênero mesmo bem intencionadas podem ter efeitos adversos.

O primeiro deles é que devido a cota, homens e mulheres que já faziam parte da empresa podem passar a tratar as outsiders com desconfiança. Afinal, como identificar se a recém contratada tem o mesmo nível de competência ou se está lá só para fechar a meta?

Além disso, estudos sobre implementação de cotas de gênero para conselhos e altos cargos em países europeus apresentam resultados que se mostram inconclusivos em termos de desempenho das empresas. Alguns estudos encontraram efeitos positivos, o oposto ou mesmo nenhum efeito.

Por fim, neste cenário em sua versão mais otimista, por ser uma medida top-down a XP iria ‘sugar’ as melhores profissionais do mercado. Ao mesmo tempo sem quaisquer melhorias no ecossistema para que mais mulheres com boa formação se interessassem pelo mercado financeiro.

Adena Friedman, primeira mullher a assumir a presidência da bolsa de NY

Há ainda outra hipótese. A meta seria um direcionamento, um empurrãozinho para que a empresa implemente mudanças. Essa é visão de Adena Friedman, CEO da Nasdaq: “Você tem ambição de ter 50% dos funcionários mulheres em um determinado período de tempo. Quando você tem uma meta alta, você muda o seu comportamento. Você vai lançar programas, você vai motivar mais os seus funcionários. Nós fazemos isso também na Nasdaq. Não sei se vamos atingir as metas, mas vamos buscá-las”.

A própria XP anunciou medidas que vão além da meta, são algumas: mentoria de carreira para mulheres; revisão de políticas internas; aumento da licença-maternidade e paternidade; treinamento para realização de processos seletivos com mulheres.

Algumas das medidas estão de acordo com que se acha na literatura acadêmica sobre desigualdade gênero. As mentorias de carreira, por exemplo, costumam ocorrer de forma natural e espontânea, contudo, num ambiente dominado por homens as mulheres em início de carreira tem mais dificuldade em engajar com profissionais homens seniores.

Desbalanço da Mentoria: o topo da cadeia no mercado financeiro é dominado por homens

Já a revisão das políticas internas de avanço na carreira, podem ser úteis para atenuar a diferença no grau de expectativas de carreira entre homens e mulheres. Mulheres tendem a ter menores expectativas mesmo quando a sua referência de sucesso tem o mesmo nível hierárquico que a referência de um colega homem.

Mas claro, ainda temos que responder às perguntas: O que a XP ganha com esse tipo de medida? Ou ainda, por que alguém deveria se importar? Muitos liberais, incluindo os críticos desse tipo de medida, apontam que se homens e mulheres são diferentes, o correto seria respeitar essas diferenças e não causar interferências.

Vamos a primeira questão, além estar ganhando visibilidade com o anúncio, a XP Inc pode estar genuinamente tentando resolver uma má alocação econômica interna. Afinal, se por pressões culturais fazem com que mulheres saiam da corrida pelos melhores empregos, então há uma má alocação de talentos na economia. Remover entraves culturais para facilitar a entrada de mulheres pode levar a maiores retornos financeiros, como mostra um relatório da consultoria McKinsey. Além disso, a pesquisa de Brad M. Barber e Terrance Odean mostra que a tendência masculina de se desfazer dos ativos com mais rapidez que as mulheres faz com que esse excesso de trading reduza os retornos líquidos deles em 2,65 pontos percentuais por ano, em oposição a 1,72 pontos percentuais para elas.

Para a segunda questão, se pensarmos sob o ponto de vista das liberdades individuais, não haveria problema se as escolhas de carreira feitas pelas mulheres refletirem suas reais preferências. Mas considerando que faz poucas décadas que mulheres alcançaram autonomia no ocidente, ainda há várias pressões sociais e preconceitos que podem tornar essa escolha mais difícil, incorrendo em um custo adicional. Para muitas, devido a essa restrição extra, a saída é seguir um caminho que acreditam ser mais convencional. Assim, o gender gap não só reflete um problema econômico, mas também, pelo menos para um grupo de pessoas, uma questão de liberdade individual.

Se pelo menos uma parte da diferença na escolha de profissão é causa por preconceitos e outras pressões, então a disparidade não é só um problema como também faz sentido tentar reduzi-la. (O mesmo raciocínio se aplica às pressões sofridas por homens, tá?).

Confesso que também estranhei a postura de alguns que tanto defendem a autonomia das empresas em contratar e demitir como bem entenderem se incomodarem tanto com o anúncio da XP. O normal seria defender que empresas diferentes no mesmo ramo, tenham estratégias diferentes… O mercado, isto é, as pessoas irão selecionar as melhores.

Por fim, apenas o tempo dirá se a medida se trata de mais uma estratégia bem intencionada mas fadada a fracassar e servir para sinalizar virtudes, ou se a medida irá trazer mais retornos para a empresa e mais autonomia para as mulheres que trabalham no mercado financeiro.

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