Através do espelho — espelho meu
Como Alice, descobrir-se além da imagem refletida
Engraçado como às vezes, diante de alguém, nos projetamos. O nome dela: Alice. Eu: Carol. Nós duas nos vemos na Alice de Carroll.
“Somos só crianças crescidas, querida,
Inquietas, até que o sono nos dê guarida.” (Lewis Carrol)
A história de Alice no País das Maravilhas nos conquista porque revela como a capacidade de imaginar pode ser um caminho para o autoconhecimento e, consequentemente, para o crescimento. Nunca sabemos o nosso real tamanho. Buscamos nos ajustar geometricamente às medidas das coisas à nossa volta, para alcançar a mesa de vidro ou passar pela porta que nos leva ao jardim encantado.
Tentamos caber nos padrões que nos são apresentados como bons ou adequados. Porém, se não nos enxergamos neles, partimos à procura do nosso lugar perto das flores vivas. Nos permitimos, portanto, escorregar pelo abismo da toca do coelho, sem saber direito aonde vamos cair.
Durante muito tempo, escondi meus rebeldes fios brancos porque "a mulher deve parecer permanentemente jovem". Então, cansei. A não ser que um dia eu assim deseje, não serei a rosa branca pintada às pressas de vermelho para agradar a Rainha. Uma sentença absurda não cortará minha cabeça, o seio de minha consciência e vontade. Pela liberdade do tamanho único de cada pessoa, em cada momento da própria vida.
Ao longo dessa viagem interna, também encontramos pessoas e relações marcantes, de modo positivo e/ou negativo: um Chapeleiro Maluco a nos valorizar, um Gato Sorridente a nos confundir… Aprendemos como nos enxergam — ou parecem nos enxergar — e como nos percebemos (ou achamos que nos percebemos), daí o jogo de espelhos e reflexos.
Como esclarece Alice Leite, autora das fotos realizadas para o Projeto G-Old em julho de 2018:
"O ensaio como um todo tem essa aura do se olhar e procurar o sentido do ser. Afinal, fotografia para mim é reflexão e um exercício de empatia. Tem esta frase do Barthes que diz tudo: ‘Diante da objetiva sou ao mesmo tempo: aquele que me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte'." (Alice Leite)
Esteticamente, as fotos prezam pela tonalidade mais fria, sem saturação, no período do dia que Humpty Dumpty classificaria como solumbra: quando a tarde cai e o sol se abaixa para alongar as sombras. A linguagem corporal mais apática cria a atmosfera de introspecção. Alice também optou por abordar a questão da feminilidade fora da sensualidade e da docilidade, e tomou como base alguns retratos de mulheres da história da arte, como a Condessa de Haussonville (1845), de Jean-Auguste Dominique Ingres.
"Eu acho incrível como o nosso olhar, a maneira como nós nos olhamos é relativa. Por isso a brincadeira de se olhar no espelho/ desviar do espelho. Podemos facilmente acreditar que a passagem do tempo nos fez mal e levou embora nossa juventude, como também podemos encarar de forma positiva tudo que a vida nos acrescentou. Sentir-se bem na própria pele, para mim, é o mais crucial na mensagem que tento propagar com as minhas fotos. Não só do ponto de vista da estética, do físico, mas é olhar e ver 'eu gosto de quem eu me tornei?'."
(Alice Leite)
A Alice de Carroll, a Alice das fotografias e eu temos em comum uma busca incessante que nos leva a escavar profundas cisternas lá dentro da gente: memórias, tormentas, estranhamentos, “ideias, sofrimentos, desejos, alegrias e incertezas”.
Introspecção. Fantasia. Proeza. Sonho. Porque viver é monumental.
“Sei que deveria atravessar o espelho de novo… de volta à sala… e seria o fim de todas as minhas aventuras!” (Alice — Lewis Carroll)