Caras & caretas

Rir de si mesma, uma homenagem à vida

Carolina Assunção e Alves
g-old
4 min readApr 10, 2020

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“Ô dona.” “A senhora tá boa?”

Ainda me assusto com esse tipo de abordagem. Também, né? Quarenta anos.

E aí, minha filha, tá vivendo este aqui e agora direitinho ou continua no cordão dos abestados com passado e/ou futuro?

Normal haver uma espécie de crise de meia idade e revisão do que foi feito até o momento. Natural se questionar sobre a quantas andam a construção do amor próprio, a realização dos objetivos de vida e sonhos, a superação dos desafios.

O visual inclusive. Observo, entre memes, posts, vídeos e afins, como a quarentena tem obrigado mulheres a enfrentar o embate com a própria aparência, na falta do salão de beleza. Isso inclui o crescimento das raízes brancas e o confronto com o envelhecimento.

Algumas abordagens são espantosas, e mostram como os cabelos grisalhos na mulher são associados a um processo de degradação da vida. Há um equívoco aí. Envelhecer é, sim, um sinal da nossa finitude, mas também uma confirmação: continuamos vivas!

Em maio próximo, completo três anos de libertação dos fios brancos, e este é o primeiro ensaio do Projeto G-Old com cabelos integralmente grisalhos, feito em dezembro de 2019, em Paris. A transição durou dois anos e meio. Se um dia mudar de ideia, pinto de novo. Até hoje, no entanto, nem pensei em voltar atrás, mesmo diante de olhares julgadores e ocasionais perguntas cretinas.

Fotos e arte: Alexandre de Cadoudal — Edição de vídeo: Carolina Assunção e Alves — Trilha: The Old RV , por Craig MacArthur (YouTube Audio Library)

Bora dar risada disso tudo

Volta pra casa de metrô, na madrugada da Festa da música — Paris, junho de 2009 Photo: Alexandre de Cadoudal

Feliz em ter esse registro pelo perspicaz artista francês Alexandre de Cadoudal. Conheci o Alex em 2008, durante meu estágio de doutorado em Paris. Naquela época, eu já pintava os cabelos havia muito… Tornamo-nos amigos um ano depois, quando ele desenvolvia um projeto de retratos sobre auto-aceitação e os ciclos da vida. A afinidade pelo tema nos aproximou.

Sobre o conceito criado para as fotos, traduzo livremente a explicação do autor:

“Trabalho com a aceitação social e o questionamento em torno do aspecto físico que isso implica. Acho essencial atribuir tanta importância ao intelecto quanto à aparência, apesar de nossa sociedade ser cada vez mais materialista. Recusar o envelhecimento vai contra a natureza, e abraçar esse estigma não parece ser a melhor abordagem. Por isso, escolhi, por um lado, sublimar Carolina, porque sua postura é notável em vista do ditado social que nossa sociedade impõe às mulheres, em termos de beleza. E, por outro lado, através da zombaria e do humor, acentuei ainda mais seu desapego a esse fenômeno.” (Alexandre de Cadoudal)

As caretas trazem a ideia da autodepreciação irônica e do escárnio que o fotógrafo vem aplicando em alguns retratos produzidos nos últimos tempos. Alexandre de Cadoudal se identifica como naturalmente fantaisiste. Há várias propostas de tradução para essa palavra no português — extravagante, imaginativo, original — e todas combinam com ele. A condução estética passa pela leve dessaturação da imagem, para dar um tom atemporal, de simplicidade e equilíbrio, além do formato 4x5, que ele considera ideal para retratos.

Ao ver essas fotos, lembro de situações absurdas vividas depois dos cabelos brancos expostos. Sorrio, dou gargalhadas, o que me faz me sentir melhor comigo mesma. Logo, mais bela. É isso. Beleza não é só embalagem. Ser bonita não é me parecer com imagens impostas por representações carrascas. É me sentir confortável no próprio lugar: o meu corpo, o meu eu que vive e envelhece.

“Na minha opinião, o infinito não existe, a vida é inseparável da morte e o envelhecimento é a transição natural. Reconheço que é difícil aceitar essa fatalidade, pois não há como mudar. Quem somos nós para contradizê-la? Em nossa escala, a passagem do tempo é insignificante em comparação com o que sabemos sobre a vida. Seria absurdo lutar contra esse estado de coisas, e eu prefiro rir disso.” (Alexandre de Cadoudal)

Alexandre disse tudo. Riamos!

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Carolina Assunção e Alves
g-old
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Jornalista, pesquisadora, Profa. Dra. em Linguística do texto e do discurso (UFMG), pós-doutorado em narrativas audiovisuais (CNRS-França).