Envelheço na (c)idade

A gente é o que a vida nos oferece e o que a gente tem a dar

Carolina Assunção e Alves
g-old
3 min readMay 17, 2018

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Cássia é minha tia. Ao escolher a fotografia como profissão, teve em mim uma modelo deveras difícil, da infância à atual idade. Apesar da qualidade incrível das fotos feitas por ela, uma artista ímpar, eu nunca ficava satisfeita.

Foto: Cássia Assunção (1990)

O discurso complexado, incômodo, recorrente e ridículo não variou ao longo dos anos: “que orelhonas horríveis, bochechas enormes, dentes feiosos, olhos esbugalhados, estou gorda”, insistentemente injuriada com a minha imagem impressa no papel fotográfico. Hoje, ao ver essas fotos antigas, percebo que eu era bonita, e daí vem o pensamento: “reclamava de barriga cheia, quando fui bela, pois agora tenho motivos reais para estar insatisfeita”. Pode?

Esse ciclo autodestrutivo é o que tento quebrar, pois não passa de um sofrimento raso, porque curvado às tiranias estéticas impostas a toda e qualquer pessoa, principalmente às mulheres. É preciso recusar esse tipo de arbitrariedade que faz tanto mal individualmente e no convívio social, nas relações humanas. Além disso, há coisas mais importantes a se fazer nesse curtíssimo prazo de validade que é a nossa vida.

Resultado: não tenho mais o corpo dos tempos de bailarina, e já estou cheia de marcas do avanço da idade. Com os cabelos brancos, chegam também as rugas, a flacidez da pele, os pneuzinhos do sobrepeso e as pelanquinhas. O importante é que vejo, nisso tudo, a beleza da minha busca pela legítima aceitação da mulher que me tornei. Aí está o valor!

Foto: Cássia Assunção — Tratamento de imagem: Leonardo Pirolli

A história familiar deste ensaio, feito em janeiro de 2018, tem como cenário principal o sobe-e-desce-morro dos viadutos e das ruas dos bairros Floresta, Sagrada Família e Santa Tereza, em Beagá. Caminhos para a Praça da Estação e o Hotel Itatiaia, na rua da Bahia, casa de meus saudosos avós — nosso ninho, nosso lar.

Edição de vídeo e trilha original: Paulo Renato Souza Cunha

Ser natural de Minas Gerais diz muito sobre a vida delimitada por montanhas e tradições. Eu poderia ter me acomodado a observar o passar do tempo e o Belo Horizonte pela janela, feliz com o conforto dessa linda paisagem que tanto amo. Contudo, na solidão desse relevo acidentado, precisei sair a ver o que existe além da Serra do Curral.

Edição de vídeo: Carolina Assunção e Alves — Trilha original: “Flui, cidade”, por Murilo Oliveira — Participação especial: Iago Marques

A respeito do processo criativo das imagens, a fotógrafa esclarece:

“Sou uma fotógrafa simples, gosto de fotografar pessoas, não me preocupo com técnica , estética, gosto do profundo, do olhar, da alma. Durante o processo das fotos, busquei no texto de Carol a soma da imagem e da consciência do projeto, aos poucos fui percebendo que as frases ocultavam uma criança enlouquecidamente inteligente, muito interessante amadurecida, ainda presa em não sei o quê que a entristecia, pois sua alma quer voar sagaz, destilar. Retratei essa prisão leve, que briga, que quer rir muito, que seduz. Fiquei pensando nessa cabeça efervescente de novidades, conceitos ricos, nada comuns e determinada.

O perfil de uma mulher da ponta à cabeça é de ponta. Se difunde no avesso do usual, do normal. Ela provoca em pedaços, lambuza em barulhos internos, prisioneiros. Afoga em mergulhos e não nada. Desfila. Quando li o texto, me senti na leveza sem compromisso, de dar de bandeja meu ofício. O prazer de conviver com essa evolução pessoal, e mais tarde viajar em capacidades inimagináveis, me pegaram de jeito ao ler as palavras de minha sobrinha: ‘O paraíso da minha beleza interior… Nesta policromia que me rodeia, que me veste. Que me alimenta.’

Alimenta a mim e a todos. Agora ofereço, toma, pega e come.” (Cássia Assunção)

Foto: Cássia Assunção — Tratamento de imagem: Leonardo Pirolli

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Carolina Assunção e Alves
g-old

Jornalista, pesquisadora, Profa. Dra. em Linguística do texto e do discurso (UFMG), pós-doutorado em narrativas audiovisuais (CNRS-França).