Eu me tirei para bailar

Para me conhecer e me amar, eu tinha que dançar comigo mesma

Carolina Assunção e Alves
g-old
3 min readNov 12, 2018

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Nascida nos anos 1980, passei décadas em contato com o discurso e a cultura de que viver nos leva naturalmente a um projeto matrimonial e familiar. Percebi cedo que eu não me identificava com isso. Muitas vezes me senti estranha por não atender às expectativas criadas para mulheres da minha idade. Tampouco consegui fingir ser diferente para evitar o desconforto de pessoas mais próximas.

Assim como na questão dos cabelos brancos, fui atordoada por um padrão imposto. Isso tem consequências, provoca reações nem sempre amistosas. Já fui mal interpretada e/ou desrespeitada, diversas vezes, porque não quis marcar check em dadas convenções. E, com o passar dos anos, vi consolidar-se em mim um sentimento bruto de solidão e insegurança.

Foto: Lourenço Cardoso

Tem sido necessário um exercício constante de fortalecimento interno, neste caminho, para aceitar quem sou. Deixar que meus grisalhos floresçam em um processo criativo tem relação direta com essa busca. Desta vez tive a ajuda do meu querido amigo, o antropólogo Lourenço Cardoso, em fotos produzidas em junho deste ano (2018).

Quando estamos a dançar com alguém, sabemos o quanto é importante confiar na parceria para acertar o passo e aproveitar o momento. Assim foi o quarto ensaio do Projeto G-old, uma coreografia fotográfica orquestrada por Lourenço. Assim deve ser a construção da autoestima, uma dança amorosa da pessoa consigo mesma, em que ela se permita acreditar na própria condução.

Fotos: Lourenço Cardoso — Edição de vídeo: Carolina Assunção e Alves — Trilha: Intimate Tango por Doug Maxwell/Media Right Productions (YouTube Audio Library)

Fotógrafo documentarista, pautado pela narrativa dinâmica do cotidiano, Lourenço se viu desafiado a produzir uma personagem que engrandece o envelhecer como etapa fundamental do autoconhecimento. Optou por retratos alegres, que exploram o branco como narrativa viva e elemento dinâmico. As marcas de identificação temporal no olhar, nas rugas, no tom grisalho dos cabelos, produzem e devem produzir diferentes significados.

Fotos: Lourenço Cardoso

“A ideia é justamente uma ruptura, um olhar afastado do senso comum. É um trabalho de percepção e de reconhecimento da velhice não como um buraco, não como dor, abandono de um organismo, distanciamento do ápice associado à juventude, mas como uma aproximação do eu com a consciência, com o corpo, e um reconhecimento de que a passagem e o tempo não são tão determinantes e enfáticos com as marcas da vida. O tempo e a passagem são inerentes à nossa existência, mas isso não faz com que haja um eu que fica preso no passado. É um eu que se reconstrói, e essa reconstrução é um renascimento. Como todo renascimento, emerge carregado de beleza.”

(Lourenço Cardoso)

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Carolina Assunção e Alves
g-old

Jornalista, pesquisadora, Profa. Dra. em Linguística do texto e do discurso (UFMG), pós-doutorado em narrativas audiovisuais (CNRS-França).