Ecos da Galeria #02: Mudança

Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta
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9 min readSep 30, 2017

O tema da newsletter desse mês é MUDANÇA. Não exatamente uma surpresa, né?

Na última sexta-feira, primeiro dia de setembro (olha a primeira mudança aí), me despedi de todo mundo, passei no RH pra entregar minha carta de demissão, meu computador e meu crachá e, depois de seis anos fazendo tudo quase sempre igual, saí da Unilever de Valinhos pela catraca dos visitantes. Uma decisão, muitas mudanças: carreira, rotina, padrão de vida, estilo de vida, visão do mundo, objetivos, tudo.

Acredite, Caro(a), eu poderia escrever um livro inteiro só sobre isso. Ou melhor, uns três livros: um agora que a ficha ainda não caiu, outro assim que eu voltar das férias no fim do mês e conseguir processar tudo e o terceiro depois de um tempo vivendo essa nova realidade. Mas mudar é justamente fazer as coisas de um jeito diferente, né, então resolvi deixar esse tópico do período sabático de lado e me aprofundar em uma outra mudança importante.

Quem já conversou comigo ou me viu falando disso por aí sabe que tento escrever o primeiro romance da Galeria Creta desde 2013. Sim, antes mesmo de escrever Lobo de Rua (que nasceu como uma simples apresentação do universo do romance cuja semente já existia — uma longa história). Digo ~tento~ porque nunca consegui ultrapassar a linha das 30 mil palavras, e comecei do zero umas cinco vezes. E por quê isso?

Porque não sei escrever e Lobo de Rua ter saído como saiu foi só um feliz acaso do destino? Porque eu só sirvo pra escrever ficção curta? Porque a Galeria Creta é um universo raso?

Eu cheguei a pensar várias vezes em cada uma dessas possibilidades por motivos de: síndrome do impostor & insegurança. Mas com um pouco de paciência e usufruindo dos benefícios de ter uma cabeça dura como a minha, testei cada hipótese e elas caíram por terra: publiquei Sombras e um conto na Trasgo e o retorno foi positivo, escrevi uma novela-quase-romance (em inglês!) e a escrita fluiu super bem, escrevi outras coisas paralelas no universo da Galeria e minha vontade de continuar a explorá-lo só aumentou. Mesmo assim, não dava pra ignorar que tinha um problema em algum lugar.

E tinha, é claro. E sabe o pior? Eu meio que sempre soube qual era esse problema. Descobri assim que publiquei Lobo de Rua, lá em 2014. Mas resolvi fazer vista grossa e fingir que não era nada disso. Justamente porque, pra resolver, eu ia ter que mudar MUITO do que eu já tinha escrito e, principalmente, do que eu já tinha planejado.

Como uma criança que tem medo de arrancar de um vez o curativo do machucado e vai descolando só as pontinhas, fui admitindo as mudanças pouco a pouco. Primeiro, aceitei que precisaria arrumar o começo da história e enfim escrevi um prólogo que até hoje me orgulha (inclusive, a primeira página dele foi analisada no Três Páginas, um podcast muito legal que infelizmente está em hiato). Depois, admiti que o problema ia além do começo e mudei o conflito da história. Mas logo percebi que, sem mudar todo o planejamento do romance, tanto o novo começo quanto o novo conflito ficariam deslocados, então joguei dezenas de milhares de palavras fora (inclusive o tal começo que eu curtia) e planejei um novo romance praticamente do zero. Cheguei a acreditar que era o suficiente, mas histórias capengas têm pernas curtas e a minha logo começou a soluçar: mesmo estando aparentemente “tudo certo”, eu sentava pra escrever e não conseguia avançar. Eu tinha vontade de produzir, muitas vezes uma disposição rara depois do dia todo trabalhando. Mas, quando abria o arquivo, não sentia… nada. Eu não sentia absolutamente nada. E, na minha concepção do que é escrever, não sentir NADA é sinal da aproximação de uma morte dolorosa do projeto em questão, ou pelo menos da entrada dele em um coma profundo. Numa última tentativa desesperada de negar a verdade que estava bem diante dos meus olhos, resolvi começar de novo pra agregar todas as mudanças anteriores e passei a escrever a história em primeira pessoa. Fuén… não funcionou.

Acabei de descrever minhas tentativas de modificar todos os principais elementos de uma história, menos um. Por exclusão, provavelmente você já entendeu que o meu problema era: meu protagonista. Eu não comentei muito na internet, mas falei sobre isso na I Jornada de NaNoPalestras de São Paulo que aconteceu em novembro de 2016 (espero que role de novo esse ano). E, se você também escreve, sabe que não tem como mudar de protagonista sem mudar praticamente toda uma história.

De novembro de 2016 pra cá já se passou quase um ano. E eu, paralisada pela ideia de DEFINITIVAMENTE começar um novo projeto, demorei todo esse tempo pra tomar uma atitude. Então, há alguns meses, comecei a escrever um conto a quatro mãos com um outro escritor e resolvi experimentar o ponto de vista em primeira pessoa de uma personagem secundária que, curiosamente, participava de todas as versões anteriores do romance.

E aí a magia aconteceu (talvez tenha um trocadilho aqui, talvez não, fica no ar).

Precisei de alguns meses e algumas versões do início daquele conto a quatro mãos pra entender melhor a personagem e mudar (!) algumas características dela pra chegar em uma história mais interessante. Talvez (só TALVEZ) minha ida ao primeiro FLIPOP e conversas com amigos autores também tenham interferido em algumas mudanças de tom e de gênero da história. Mas, assim que comecei a escrever, entendi que era EXATAMENTE ali que eu queria chegar. Que sensação maravilhosa.

Uma das provas de que era essa grande mudança que eu precisava é a minha produtividade. Até o meio de agosto ainda estava planejando o primeiro ato do romance, mas no dia 15/08 comecei a escrever o texto propriamente dito e, em 15 dias (já muito intensos por conta das minhas outras mudanças), consegui escrever 4.700 palavras. As primeiras palavras, que pra mim geralmente são mais complicadas de sair. Peguei o texto quase todos os dias, com raras exceções muito bem justificadas. Estou naquele estado abençoado de empolgação em que cada meia hora livre é tempo pra escrever um pouco, mesmo que sejam 100 palavrinhas. Se você escreve, você sabe que sensação é essa. Se você não escreve, mas lê, é aquela sensação que a gente tem quando o livro é muito bom e a gente fica o dia inteiro ansiando pelo momento de voltar à leitura.

Sim, é inevitável olhar em retrospecto e não sentir um pouco de arrependimento de não ter admitido que eu precisava dessa mudança antes. Pular de uma vez na água gelada, arrancar o esparadrapo num puxão e sentir a dor de uma vez só. Com certeza, me deu muito mais trabalho e eu joguei muito trabalho ~fora~, muito mais do que se tivesse admitido que deixar o Téo de lado (pelo menos por um tempo) era mesmo a melhor opção.

Mas, ao mesmo tempo, tenho plena consciência de que a Hani (esse é o nome da bonita — pelo menos por enquanto) se beneficiou muito desse tempo todo de maturação, toda essa jornada de personagem secundária para protagonista e, nesse exato momento, minha personagem preferida dentre todos os que já criei (e olha que eu amo o Tito). Muitas mudanças vieram aos poucos, devagar, alterações muito bem-vindas e benéficas que provavelmente teriam ficado pra trás se o processo tivesse sido acelerado.

Tem uma teoria de criação que diz que nossa primeira ideia (seja para um projeto, seja para a cor do cabelo de um personagem) quase nunca é a melhor, por isso é interessante esperar um pouco antes de bater o martelo. Pelo menos nesse caso, foi exatamente isso. Téo não era a minha melhor escolha de protagonista, mas a primeira Hani que veio ao mundo (das ideias, pelo menos) também não era a melhor Hani possível.

No fim, estou grata pelas mudanças e também pela velocidade em que aconteceram. E eu poderia escrever um quarto livro só sobre o que aprendi criando essa menina que não publiquei, mas já considero pacas. Inclusive, não parece uma má ideia escrever um artigo sobre isso lá no meu Medium depois de terminar, mas por enquanto eu fico por aqui.

Se você quiser continuar essa conversa sobre mudanças, me contar alguma coisa que mudou nos seus projetos ou na sua vida ultimamente ou bater papo sobre alguma mudança que você quer encarar em breve, pode responder esse e-mail que estou por aqui. :)

Por fim: temos alguns assinantes novos esse mês, então seja bem-vinda ou bem-vindo! Se você quiser ler as edições anteriores, pode acessar o arquivo das newsletter clicando aqui. E se qualquer um de vocês quiser indicar a newsletter pros seus amigos, pode encaminhar esse e-mail mesmo — dá pra se inscrever clicando aqui.

Abraços,

Jana Bianchi

PRA OUVIR | Eu, o Thiago Lee e o Rodrigo Assis Mesquita gravamos a primeira live do Curta Ficção, que você pode ouvir no YouTube, no nosso feed no site ou no seu agregador de podcast preferido. Nela, analisamos a narrativa da sétima temporada de Game of Thrones conversando com o pessoal que estava online e foi bem legal.

PRA LER FICÇÃO NACIONAL | Tô atrasada nessa indicação, mas se você ainda não leuQuinze Dias, do Vitor Martins, considere seriamente ler — mesmo que não seja exatamente seu tipo de leitura. É muito delícia de ler, além de MUITO bem escrito e necessário. Bom, as 110 reviews com média 4,8 no Goodreads falam por si.

PRA LER FICÇÃO GRINGA | Quase toda semana leio uma ficção curta disponibilizada no site da Tor. Recentemente li (em inglês) Ginga, do Daniel Jose Older, e fiquei apaixonada pelo autor. Agora estou lendo Shadowshaper e o cara é bom mesmo, puta merda. Fora que tem tudo a ver com o que estou escrevendo. ;)

PRA LER NÃO-FICÇÃO | Esse artigo da Fer Castro sobre criação de personagens é simplesmente imperdível. São coisas que até parecem óbvias, mas ver tudo assim concatenado me fez pensar sobre os meus personagens com mais assertividade. Veio na newsletter dela, a Destinos Traçados, que vale sua assinatura.

PRA CONHECER | O Sonhos, Imaginação e Fantasia é um dos blogs de literatura mais completinhos e caprichados que eu conheço. O bônus é que a Lais é escritora também e tem muito conteúdo legal pra quem escreve. Ah, e também tem newsletter!

PRA APOIAR | A Aline Valek escreve coisas que tocam lá no fundo do coração (especialmente de quem também trabalha com criação). Dá pra apoiar o trabalho dela de vários jeitos: assinando o Zine Bobagens Imperdíveis, comprando coisinhas lindas na Loxinha (já tenho uma arte dela na minha galeria em construção) ou até se inscrevendo e compartilhando a Uma Newsletter (recomendadíssima, sério).

PRA IR | A menos que você more em uma caverna, sabe que está rolando a XVIII Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Vai ter muita coisa legal na programação dessa semana, tipolançamento de Ninguém Nasce Herói, sessão de autógrafo de Quinze Dias do Vitor Martins, bate-papo sobre HQ e Fantasia com Fernanda Nia, Felipe Castilho e Luciane Rangel, encontro dos leitores da Editora Seguinte… Esse ano não vou estar por lá, mas aproveitem por mim!

Lambe-lambe MUDANÇA por Bruno Müller

Querido ouvinte,

Mudar também é uma forma de resistir. Resistir é nadar contra a corrente, afinal, e as correntes sempre levam pro mesmo lugar — ou pro lugar pro qual todo mundo está indo, no mínimo.

Uma vez entrevistei um cara que trabalhava como Papai Noel (mas também fazia bicos como professor de Refrigeração) e ele me disse: “os fluidos, assim como as pessoas, sempre escoam pelo caminho mais curto ou pelo caminho mais fácil”. Faz todo o sentido.

Então, por mais contraditório que isso possa parecer, mudar não significa, necessariamente, desistir. Pode significar justamente o contrário.

Tentaram nos inibir enviando ameaças pro lugar em que gravávamos antes. Ao invés de parar (o que seria mais fácil, mas não vem ao caso), mudamos. E cá estamos. Como recompensa, recebemos novas mensagens de resistência.

Que nada mais são do que elos de uma corrente cada vez mais forte, se quiser enxergar assim. :)

VÁ PARA O BECO ESCUTAR O PROGRAMA

Pra ouvir o programa, se posicione diante do lambe-lambe dessa edição e ouça a transmissão do mês.

Se você chegou agora, pode ouvir também as edições passadas, que explica um pouco mais sobre quem faz a Ecos da Galeria e o formato do programa.

Saudações,

Nana Ferreira

(No programa desse mês, a música que se escuta ao fundo entre 02:20 e 02:47 foi retirada desse vídeo, um registro da declamação de cordel pelas Trovadoras Itinerantes. A Jana nunca mencionou antes, mas todas as outras músicas e sonoplastias usadas na Ecos da Galeria são livres de direitos autorais.)

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Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).