Ecos da Galeria #05: Comprando livros

Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta
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10 min readJan 6, 2018

Vou começar essa newsletter jogando no lixo todas as lições de estrutura narrativa e vou mandar um plot twist logo no primeiro parágrafo: esse texto não é sobre gastar demais na Black Friday, sobre compra compulsiva de livros ou sobre a culpa que a gente sente por ter uma estante/Kindle com livros pra ler por uma vida inteira e ainda continuar comprando porque ‘nossa, essa edição tá linda/barata demais’. Esses são tópicos válidos que dariam um texto inteiro cada um, mas ESTE texto é sobre a importância de comprar livros. Ou melhor: é sobre a importância de escolher quais livros comprar e fazê-lo com consciência.

Uma breve digressão: como eu sempre fui uma engenheira com um pezinho em humanas, me formei em engenharia de alimentos com um TCC na área de marketing, uma revisão bibliográfica intitulada “A influência de atributos não-sensoriais na intenção de compra, percepção e aceitação dos alimentos” (pra quem tiver interesse, deixei o PDF disponível aqui). Basicamente, eu fiz um apanhadão de exemplos de como atributos não-sensoriais de alimentos — ou seja, coisas que não têm nada a ver com gosto, cheiro, aparência ou textura do produto — podem influenciar o consumidor. O preço é um desses atributos, por exemplo: se você servir uma taça de vinho pra um consumidor sem falar o preço e depois servir outra taça do MESMO vinho dizendo que a garrafa custa R$500, há uma tendência de que o consumidor avalie melhor a segunda taça por pressupor que um vinho caro é bom, premiado ou de uma boa safra (o que pode ou não ser verdade). A presença de um claim é um outro exemplo: se você servir um chocolate pra um consumidor sem dar maiores detalhes e depois servir o MESMO chocolate dizendo que ele é light, o consumidor provavelmente vai avaliar melhor ou pior o segundo pedaço de chocolate, a depender do indivíduo — há os que desprezam alimentos light por pressupor que eles são menos gostosos e há os que são tão bitolados em saúde que tentam se auto-convencer de que algo light é mais gostoso, só porque sabe que pode ser menor calórico, e isso só pra citar dois exemplos. Nestes casos hipotéticos, apesar as amostras serem idênticas em termos de atributos sensoriais (gosto, cheiro, aparência ou textura), os consumidores não só apontam diferenças na avaliação das amostras como também preferem ou preterem as amostras quando expostos aos atributos não-sensoriais.

Tá. Eu comecei com essa explicação porque gostaria de propor uma analogia entre livros e alimentos. E pra que a analogia seja possível, a gente precisa tirar dois elefantes brancos da sala.

Sai pra lá!

Primeiro: o mercado literário é exatamente o que o nome diz, um mercado. Esses dias uma colega e xará, a Jana Strozake, veio comentar comigo como é incômodo a gente ter que usar o termo consumir pra falar de entretenimento. Não vou entrar no mérito de discutir se isso é correto, adequado ou mesmo se isso rebaixa o status de arte da literatura, do cinema e afins, mas a verdade é que vivemos em um mundo capitalista onde a arte é, entre outras coisas, um produto. E digo mais: felizmente o é — pelo menos para aqueles que têm o desejo de viver de literatura e correlatos, que é o meu caso.

Segundo: sendo o livro um produto, a performance dele no mercado é função de uma equação complexa que tem como parâmetros uma série de coisas que podem não ter nada a ver com o texto — equivalentes aos supracitados atributos não-sensoriais dos alimentos. Alguns exemplos desse parâmetros são: reputação do autor (eu compraria até a lista de compras do Neil Gaiman), prêmios literários que a obra venceu, editora que publicou o livro, fama prévia do autor, gênero e etnia do autor, lançamento de filmes ou séries baseadas no livro, polêmicas envolvendo o autor ou a franquia… é muita coisa. Até a morte do autor ou celebridade que tenha a ver com a obra muda a performance do livro no mercado.

Mas a ideia desse texto não é lamentar que o livro da Kéfera, no Brasil, vendeu centenas de milhares de exemplares a mais do que A Mão Esquerda da Escuridão — só um exemplo de um livro foda vencedor de todos os prêmios literários possíveis, mas tenho certeza que você pensou em outros que mereciam mais repercussão. A ideia desse texto é puxar a responsabilidade pra cada um de nós, compradores de livros — porque sim, nós temos o poder. Lamentar, nesse caso, não leva a nada, mas ter consciência na hora de comprar faz diferença sim.

Muita gente acha que não, que a escolha de cada um de nós é só uma gotinha num oceano em que outras coisas muito mais poderosas definem as correntes. Mas cada vez mais há evidências de que nosso comportamento como leitores e compradores de livros faz a diferença — ainda mais considerando que o mercado de livros no Brasil é pequeno. Ó, uma editora de porte médio pra grande publica títulos nacionais de fantasia e ficção científica com tiragens de tipo 3.000 exemplares. Sem considerar os livros que vão pra divulgação, isso significa que 30 livros são 1% da tiragem. Ou seja, uma pequena quantidade de livros já faz uma puta diferença no todo.

Mas no mercado anglófono nem é tão diferente. Li dois textos recentemente que meio que comprovam isso: no primeiro — esse texto da Maggie Stiefvater que é um estudo de caso real sobre pirataria — ela conta como bolou uma armadilha pra tentar provar como a disponibilidade de uma versão PDF de um livro na internet afeta as vendas do livro, mesmo ele sendo um best seller. No segundo, um autor conhecido conta o que acontece quando os leitores resolver esperar uma série inteira ser publicada pra começar a comprá-la — eu não acho POR NADA o link do texto, então vocês vão ter que confiar em mim e acreditar que ele existe e que fala sobre como as editoras podem optar pela descontinuidade de uma série porque os primeiros livros não venderam tão bem quanto esperado, e como isso faz com que a escolha de só começar a comprar uma série quando ela já está totalmente publicada é um paradoxo.

E, sabendo disso, a gente precisa saber priorizar e usar o nosso poder de compra se quiser mudar o mercado. Sei que muita gente que assina a newsletter também escreve, então vou destacar aqui uma mudança que eu tenho certeza que vocês desejam: tornar o mercado literário brasileiro um ambiente mais fértil e acolhedor pra novos autores de fantasia e ficção científica. Sinto muito, mas os tomadores de decisões das grandes editoras não vão acordar um dia e pensar “nossa, a partir de amanhã vou publicar vários autores iniciantes com tiragens de 10.000 exemplares porque certeza que vai dar super certo”. Tampouco os leitores-não-escritores vão acordar amanhã e pensar “caramba, que John Green o quê, eu vou é ler só livro de autor desconhecido porque eles precisam do meu incentivo”. Não, né. É um paradoxo, eu sei: as editoras não apostam em autores novos porque eles não vendem tanto como autores gringos, mas eles não vendem tanto como autores gringos porque não têm a mesma distribuição e investimento que as editoras grandes podem dar.

Mas conhecimento é poder. Sabendo dessa verdade, entendendo que é assim que o mercado funciona, fica claro o que fazer. Não tem outro caminho: se a gente não tentar começar a mudança, ninguém vai tentar por nós.

E isso significa objetivamente que a gente PRECISA comprar o livro dos colegas. Comprar não só pra ter em casa e ler, mas comprar pra fazer número e gerar repercussão dentro e fora das editoras. Ou seja: comprar a versão física que saiu pela editora mesmo já tendo lido a versão indie digital, comprar o livro mesmo tendo sido leitor beta, comprar o livro mesmo tendo ganhado um de presente do autor que é seu amigo, comprar o livro mesmo já tendo uma edição antiga independente, ir aos lançamentos, comprar na pré-venda, comprar a trilogia inteira de um autor em cujo lançamento você foi mesmo nunca tendo lido os livros anteriores e assim vai.

E não, não é questão de comprar pra dar dinheiro pro autor. Não faz sentido focar nisso nesse momento. Nesse episódio do podcast do Judão com o Eric Novello rolou uma discussão muito interessante sobre lucratividade da literatura, e não é preciso ser um grande matemático pra ouvir e concluir que ainda é totalmente inviável pagar as contas com direitos autorais de livros. Mas não dá pra se apoiar nessa questão pra se desiludir e justificar que você não se dá ao trabalho de comprar os livros de autores nacionais porque só dois, três reais vão pra ele a cada exemplar.

Claro que infelizmente não dá pra comprar todos os livros que a gente quer e o contexto financeiro de cada leitor tem que ser considerado, mas a questão aqui é que a gente precisa ser consciente. A gente precisa priorizar o que comprar dentro desse nosso contexto financeiro.

ATENÇÃO: não, ninguém é obrigado a nada. Mas eu estou dizendo SIM que, se você é autor e quer que o mercado melhore pra que um dia você possa vender seu livro pra uma grande editora, é no mínimo coerente que você PRIORIZE a compra de outros livros de autores nacionais. Significa que você só vai poder comprar livro nacional agora, ou que nunca mais vai poder ler livro de autor gringo famoso?

ÓBVIO que não, isso é restringir. Priorizar é uma coisa totalmente diferente. Priorizar é: ao invés de comprar o livro novo do John Green na versão física em português por R$30 e depois a versão capa dura americana por R$50 porque ela é muito lindinha e depois, no fim do mês, comprar o livro do seu colega na versão e-book independente por R$1,99 porque tá sem grana, por quê não comprar o e-book do John Green por R$15 e a versão de editora do seu colega por R$35? Façam as contas.

Sim: se você é fã, é importante comprar o livro do John Green pra garantir que o próximo livro dele seja traduzido e publicado por aqui. Além disso, é importante fazer o dinheiro girar dentro da editora de qualquer modo, porque esse dinheiro poderá inclusive ser reinvestido em autores não tão badalados. Mas Tartarugas Até Lá Embaixo começou com uma tiragem de 200.000 (DUZENTOS fucking MIL) exemplares. Uma única compra sua impacta uma tiragem de 3.000 de um autor menos conhecido, mas não faz nem cócegas na tiragem de 200.000 exemplares do John Green que certamente será só a primeira de muitas. O livro do John Green vai vender como água, o que tranquilamente vai garantir os novos livros dele com ou sem a sua compra. Mas a sua compra da edição da editora do seu colega pode ser a que vai determinar se o segundo volume da trilogia dele também vai ser adquirida e publicada ou não.

Há tempos eu queria falar um pouco sobre esse assunto na newsletter, mas uma das coisas que me fez pensar em abordar isso agora foi o surto que eu tive quando li oanúncio do Omelete de que a Intrínseca vai publicar “A Ordem Vermelha: Filhos da Degradação” lá na CCXP, um livro escrito pelo Felipe Castilho e editado pelo Daniel Lameira. Acho que os nomes envolvidos nesse projeto tornam o meu surto auto-explicativo, mas vocês têm noção do que isso significa pro mercado de fantasia nacional? Vocês têm ideia do quanto isso PODE mudar a publicação de novas fantasias daqui pra frente?

Eu sou a menininha, o anúncio de A Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é o Bob Esponja

E eu digo PODE, e não VAI, porque todo esse potencial só vai ser aproveitado se a gente assim quiser. Se nós, como leitores, comprarmos o livro na pré-venda e fizermos o fuzuê nas redes pra que os leitores que não sabem o quão maravilhoso o Castilho é acreditem que esse é o Game of Thrones do momento e comprem esse livro como água. Se a gente comprar cinco exemplares pra dar pra todos os primos de presente de Natal e pros amigos que curtem fantasia medieval. Obviamente não estou recebendo nada pra fazer essa ode ao livro novo do Castilho, mas a ideia é justamente essa: esse precisa ser nosso comportamento padrão. É a única coisa que a gente pode fazer, e é também a única obrigação (sim) que você tem como autor que também é leitor.

Bom, é isso! Não me odeiem e gastem suas moedinhas com sabedoria! Titia Jana ama vocês.

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Estou com a newsletter pronta desde o meio da semana. Nesse meio tempo, surgiu uma treta muito doida de um fandom com a editora Intrínseca. Daria pra expandir MUITO, mas MUITO a discussão proposta nesse texto, mas ele já estava bem grande e achei melhor não mexer. Aí a linda da Fernanda Castro, do The Bookworm Scientist, veio e enviou essa edição DIVINA da Destinos Traçados, a newsletter dela. Ela falou tudo o que eu poderia pensar e falar sobre esse caso e mais ainda. E aproveita que você foi lá ler o texto no arquivo e assina a newsletter dela, que eu já indiquei aqui mas merece indicações ao infinto e além.

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Ah, sim! Eu ~venci~ o NaNoWriMo 2017! Foram 52.107 palavras em 26 dias, o que dá uma média de duas mil palavras por dia (puta merda, quem diria). Eu já tinha algumas palavras do romance e contei as palavras de um conto no desafio também, mas o que importa é que nesse exato momento eu tenho 63 mil palavras desse que já é minha ficção mais longa. Mas eu escrevi mais sobre o NaNo e sobre os próximos passos do meu projeto nesse texto no Medium, então não vou me alongar aqui. :)

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Se você é novo por aqui e quer ler as edições anteriores da newsletter, pode acessar o arquivo clicando aqui. E se qualquer um de vocês quiser indicar a newsletter pros seus amigos, pode encaminhar esse e-mail mesmo ou mandar direto o link pra se inscrever, que é esse aqui.

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Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).