Crucificado, morto e sepultado?

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
Published in
4 min readApr 11, 2020

Rascunhos sobre a joia que não quer ser lapidada

Talento é esforço, não se trata de dom. Em um de seus vários versos potentes, Djonga acabou mandando um recado ótimo para o aniversariante do dia. Mas pra variar, ele não deve ter escutado.

Dele Alli completa 24 anos de vida e sua trajetória já tem ares meio catastróficos. É uma pedra bruta que precisa correr contra o tempo se quiser ser tão preciosa quanto prometera seu brilho durante a garimpagem só que não parece tão disposto a explorar o próprio potencial. Uma pena para o Tottenham e principalmente uma pena para o futebol.

O jovem príncipe nigeriano se encantou com a realeza tardia que alcançou graças à bola e à sua afinidade por ela. Bambam é como um assassino sádico quando o assunto é fazer gols: de frente para a meta, é frio como poucos.

A velocidade para tomar decisões e a destreza para se posicionar dentro da área já nos tirou muitos suspiros e Mauricio Pochettino soube utilizar essa virtude do rapaz com maestria, principalmente enquanto o clube sonhou (e viveu) seus sonhos mais gostosos entre 2015 e 2018.

A forma como Alli atuava no ataque era tão peculiar que o Football Manager até inventou uma função nova só para poder explicar o que ele fazia: Shadow Striker. Um atacante-sombra, que fica à espreita do verdadeiro centroavante aguardando apenas uma chance para obliterar. Dessa maneira vieram 10, 20, 30, 50 gols só na Premier League.

O mágico das sombras ainda deu suas cartadas para além de seu país. Na apoteótica noite contra o Real Madrid em Wembley ele usou Casemiro de cobaia para mostrar tudo que é capaz. Um corte seco para deixar o então melhor volante do mundo em frangalhos, estatelado no chão. Foi o tempero de crueldade que lhe é característico e faz dele o jogador emblemático que sempre foi desde sua estreia.

Os volantes do Real Madrid inclusive têm seus dias de pesadelos com Alli. Em sua primeira aparição com a camisa Lilywhite, na Audi Cup de 2015, ele distribuiu tabacas (aqui em Salvador chamamos caneta de tabaca, registre-se) em Kroos e Modric, como bem lembrou nosso mascote Henrique Letti em uma bela thread com as tabacas mais bonitas da carreira de nosso wonderkid.

Inclusive, tabacas humilhantes de Dele Alli se tornaram uma espécie de crivo para se tornar um time vencedor. Além das aplicadas contra jogadores do Real, ele também tirou a dignidade de Joe Gomez, do Liverpool, imediatamente antes dos Reds se tornarem essa máquina de moer adversários que testemunhávamos antes da quarentena.

Mas vamos retomar o fio da meada. Bom, Alli encantou muito. O problema é que aquela constância do menino cheio de personalidade foi diminuindo à medida que os merchans apareciam e hoje Bambam vive de lampejos. Um coadjuvante de si mesmo, preocupado com nada além de seu próprio mundo — uma personalidade semelhante ao personagem que tatuou em seu braço em homenagem a si mesmo.

Alli e seu estado natural

Em sua chegada, José Mourinho pareceu resgatar o ímpeto do garoto — talvez alguém com a personalidade tão forte quanto a dele fosse capaz de resgatá-lo do poço em que se meteu. José inclusive acreditou por um instante que salvara Alli de um irmão imaginário: um alter ego preguiçoso, inconstante e egoísta daquela joia criativa e empolgante que veio do MK Dons. Ledo engano. Aos poucos, o tal irmão retornou ao posto e Bambam voltou a rotina de pequenos flashes de tesão.

O problema é que uma vida de lampejos é muito pouco para o talento retumbante do camisa 20. Dele Alli se perdeu na própria magia e é triste constatar que a tendência imediata é que siga trilhando esse caminho deprimente. Nada mais Tottenham.

Peço licença a Djonga mais uma vez para parafrasear mais um de seus versos. É que cada partida frustrante e omissa de Alli eu fico pensando que queria voltar no tempo para colocá-lo no altar, no templo. Mas nosso amor é pagão, exige sacrifício e não só fazer oração. Bamidele não parece muito disposto a fazer isso. Uma pena pra nós. Uma pena maior ainda pro futebol.

Completar mais um ano de vida pleno sábado de Páscoa é simbólico para Dele Alli. Assim como Jesus Cristo ele operou alguns milagres enquanto esteve em vida. Nos guiar para uma vitória dentro de Stamford Bridge foi apenas um deles. O príncipe transformou água em vinho.

Assim como Jesus ele também foi crucificado, morto e sepultado. Mas difere de Jay-C, que virou defunto aos 33, no que diz respeito à ressurreição. Bey-Bey estaria disposto a deixar o mundo dos mortos e nos redimir de nossos pecados? Eu confesso que não sei responder. Bem… feliz aniversário, Bambam.

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