Mergulho no que (também) é meu*

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
Published in
6 min readApr 16, 2020

Um arrodeio gigante pra explicar o porquê de assistir a sete jogos históricos do Tottenham nesta quarentena

Caso tenha pressa em saber qual o objetivo final desse texto, aconselho que vá direto lá pro final, quando explico que irei assistir a sete jogos do históricos do Tottenham e contar um pouco sobre eles pra vocês. Caso seja um pouco mais paciente e está afim de conhecer algumas histórias legais: muito obrigado. E pode vir sem medo. Dito isto, lá vai a bomba:

Boas histórias sempre me encantaram. Ter história sempre foi uma obsessão. Para quem não sabe, antes de tudo eu sou torcedor do Bahia. E tenho 23 anos. E, bem, a vida do Bahia nessas últimas quase duas décadas e meia não foi das mais felizes.

Só para recapitular foram 4 rebaixamentos desde o 30 de dezembro de 1996 que nasci. Um deles pra Série C, quando a terceiro na era a última divisão do futebol nacional. Mas esse fato nem absurdo quando confrontado com outro: o Bahia conseguiu cair e não subir. E tomando 7 do Ferroviário. Guarde esse número.

Como desgraça pouca pra torcedor do Bahia não basta, até no momento de alegria teve tristeza. A subida para a Série B veio em 2007 e acabou ofuscada por aquela que por 12 anos foi a maior tragédia do futebol brasileiro: a Fonte Nova se desmanchou no dia do jogo de acesso. Uma tragédia anunciada que ceifou a vida de 7 tricolores: Márcia Santos Cruz, Jadson Celestino Araújo Silva, Milena Vasquez Palmeira, Djalma Lima Santos, Anísio Marques Neto, Midiã Andrade Santos e Joselito Lima Jr., mas podia muito bem ser eu. Podia ser meu pai. Podia ser algum amigo.

Podia ser mais gente: Jader Landerson, Denis de Jesus e Patrícia Vasquez Palmeira se salvaram na queda. Os corpos das pessoas que morreram ajudaram a amortecer a queda dos sobreviventes. Consegue imaginar o que é viver com isso na cabeça?

Trecho da arquibancada da Fonte Nova que cedeu no dia 25 de novembro de 2007

Precisei de mais três anos na Série B até ter a oportunidade de ver meu time no Brasileirão pela primeira vez. Sete anos separaram a última queda da Série A pra B do retorno à primeira divisão. Ah, e no meio de toda essa desgraça que foi entregar minha infância ao Bahia, o clube não ganhou sequer um baiano.

Pelo menos desta vez o número 7 não apareceu pra ser meu calvário. Mas foi o seu vizinho do lado: o Vitória ganhou 8 estaduais entre 2002 e 2012 — ano em que comemorei meu primeiro título ao lado do Bahia. Desde meu nascimento, o time ganhou alguns baianos e duas copas do Nordeste. No último título, entretanto, eu tinha 5 anos. Lembro de porra nenhuma.

O número sete ainda enfiou sua última facada na caixa dos meus peitos em 2013. No ano em que iria reencontrar a Fonte Nova (arenizada, pasteurizada e completamente diferente do lugar vivo que cativou minha infância), o meu reencontro foi tomando 5x1 do Vitória. Mas isso nem foi a pior merda porque uns meses à frente o número do Satanás veio me atormentar novamente: o coirmão me enfiou 7x3 em plena final. Era pra ser 10.

Já tomei 7 porradas do zagueiro Gabriel Paulista (que por sinal jogou absurdos por aqui)

Ironia do destino: esses sacodes salvaram a vida do Bahia. Após a sequência de goleadas neste mesmo 2013 o clube sofreu uma intervenção judicial que depôs a família que dirigiu o clube nesse período apocalíptico. Essa intervenção também abriu o Bahia para os sócios e iniciou uma era de responsabilidade, que é a que se vive hoje. Dá um Google aí que a história é boa. Pra minha sorte.

Minha relação com o 7 é tão calejada que quando vi o Brasil tomando 5 no primeiro tempo contra a Alemanha um ano mais tarde eu já sabia quanto o jogo iria acabar. Inclusive ganhei umas cervejas de um alemão por apostar com ele na Fan Fest que sua seleção nos ganharia fazendo 7 gols. Ele apostou em 8. Nunca deve ter perdido uma aposta tão feliz.

Dei todo esse arrodeio e você já pode estar se perguntando o que isso tem a ver com o Tottenham. Já chego lá, mas você também pode ter se perguntado o que me segurou ao lado do Bahia depois de tanta bosta. A resposta é simples: a história do clube.

Meu pai falou que o Bahia foi um dos primeiros a aceitar jogadores negros como eu. Na Bahia, ficava atrás do Mais Querido, o Ypiranga, do craque Popó. Procure saber quem é. Painho também me contava como foram felizes os dias de sua adolescência no título do Brasileirão de 88.

Mas o Bahia não me convenceu apenas pela história de meu pai. Foi pela minha também. Perdi meu avô em 2004, vítima de um mau súbito enquanto dormia. Meu avô foi o maior torcedor do Bahia que já existiu. E foi alguém que amei muito. Se não tenho lembranças dos títulos do Bahia enquanto era criança, lembro do amor de vovô pelo clube.

O velho Carmindo não tinha nem 1,60m direito, mas carregava no peito um amor gigantesco que saiu ultrapassando gerações

As paredes de sua casa eram pintadas em azul, vermelho e branco. Jogos de talher, pratos, copos… Tudo tinha cheiro de Bahia quando meu vô estava por perto. Amar o clube foi e é a minha forma de continuar amando e sentindo a presença de meu avô. Mesmo que ele já tenha encerrado sua passagem pela Terra. Isso é história.

Fernando Valverde foi quem fez a mesma ponte que meu vô fez há anos atrás. Ele me apresentou ao Tottenham. E fez o trabalho de painho me contando sobre a história desse novo clube que tentava me cativar.

Fernando (centro) e Gabriel (esq.) provavelmente os dois primeiros torcedores do Tottenham em Salvador. Esse dia já vai fazer um ano. Foto de nossa comemoração após Ajax 2x3 Tottenham

Aqui no Galo, outras tantas pessoas me apresentaram a mais detalhes da história que tingiu um pouco de meu sangue tricolorido em azul e branco. Pedro Reinert me ensinou que o Tottenham foi quem bancou o primeiro negro na elite do futebol inglês e sempre me mostra um mundo fantástico que só existe por causa do Tottenham. Henrique Letti contou que o toco y me voy que tanto encanta e se almeja hoje em dia tem assinatura de um visionário que passou por White Hart Lane. Me apaixonei. E agora na quarentena quero aproveitar pra apaixonar outras pessoas.

A proposta é simples: assistirei 7 (risos) dos jogos históricos que o Galo de Kalsa indicou no Twitter. Todos estão disponíveis no footballia.net e a lista completa está logo no final do texto, junto aos links. Ah, assistirei aos jogos em linha cronológica decrescente. Ou seja, do mais recente para o mais antigo.

Depois de assistir a cada um dos 7, volto aqui pra contar um pouco de cada jogo e sobre algum personagem que se destacar por lá. Talvez algum outro membro do site apareça escrevendo por aqui. O projeto é aberto.

Temos um acordo? Então vamos nessa.

*O título original pra esse texto seria “7 picas no meu cu”. Agradeço a Fernando por me aconselhar a não fazê-lo.

A lista:
7. Tottenham x Burnley — FA Cup (1961)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/tottenham-hotspur-burnley-fc

6. Tottenham x Leicester — FA Cup (1962)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/tottenham-hotspur-leicester-city

5. Tottenham x Atlético — Supercopa da Uefa (1963)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/tottenham-hotspur-atletico-de-madrid

4. Tottenham x Manchester City — FA Cup (1981)
https://www.youtube.com/watch?v=nX88g0a9ldM

3. Tottenham x Anderlecht — Copa da Uefa (1984)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/tottenham-hotspur-rsc-anderlecht

2. Tottenham x Arsenal — FA Cup (1991)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/tottenham-hotspur-arsenal-fc-fa-cup

1. Tottenham x Chelsea — Copa da Liga Inglesa (2008)
https://footballia.net/pt/jogos-completos/chelsea-fc-tottenham-hotspur-league-cup-2007-2008

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