O Tottenham aprendeu a lição que o Chelsea lhe deu

Não existe tempo que cure um trabalho ruim

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
4 min readNov 3, 2021

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À Forbes, no começo do ano, Roman Abramovich não poderia ter sido mais transparente.

“Somos pragmáticos nas nossas escolhas. Para nós, é importante e confortável fazer as mudanças na hora certa, para que o clube não saia do caminho das nossas ambições.”

Até hoje o dono do Chelsea não faz questão de ensaiar um movimento para se desvencilhar da sua má fama de triturador de técnicos. Mesmo sabendo quanto cada rescisão custou não só ao seu bolso, mas também ao seu perfil público, Roman sabe que faz o necessário para estar no topo consistentemente. Na entrevista, inclusive, o russo até confessa que se soubesse quais seriam os ossos do ofício, teria repensado a decisão de comandar um clube de futebol, mas finaliza livrando a mente de qualquer hesitação: “os troféus falam por si”.

Em resumo, não existe tempo que cure um trabalho puramente ruim. Profissionais dissidentes são mais regra que exceção, e Abramovich, por mais desprezível que seja como ser humano e representante do esporte, sabe administrá-los como poucos.

Aí, bom moço que finge ser, Daniel Levy sempre procurou viver tranquilamente todas as horas do fim. Mesmo que suas intenções tenham algo de bom, seu timing e discernimento muitas vezes são nada além de uma grande bosta. Foi necessário que o time atingisse os piores índices em campo da última década para que seu senso de urgência lhe fizesse virar a chave. Enfim, o presidente demorou mas aprendeu: tempo é dinheiro e a libra tá cara.

Levy parece ter ficado esperto, mas não se engane: tem ravioli nesse angu

Depois da tragédia que foi a Era Mourinho, uma pecinha do quebra-cabeças foi se soltando a cada dia, e Nuno Espírito Santo, repito, é como o herdeiro da Kodak na virada do século: não dá pra culpá-lo por toda a tragédia, mas qualquer sinal de potencial positivo teria sido suficiente para lhe dar alguma sobrevida.

Desde sempre a escolha pelo ex-comandante do Wolverhampton tinha cheiro e jeito e gosto e cara de que não ia dar certo, e não deu de fato. Digo, Daniel Levy prometeu trazer de volta o ‘DNA’ do clube e assim o fez; mas em vez de olhar pros anos de Pochettino ou pra década de 80, ressuscitou os times flácidos com vinte perebas e um craque e meio e que tomavam surra de geral nos anos 90 e 2000.

No fim das contas, há pouco a dizer sobre a passagem do português-são-tomense pelo clube. Foram quatro meses insossos e facilmente esquecíveis, sustentados por um e outro ponto alto com os quais tivemos que nos contentar pra alimentar a mentirosa esperança de que ainda seria possível tirar leite de pedra.

Aliás, talvez a falta de torcida nas arquibancadas durante os períodos mais delicados da pandemia tenha ajudado Mourinho a resistir um pouco mais do que deveria, mas Nuno não teve a mesma “sorte”. Digo, a gente ficou desacostumado a ouvir vaias depois de uma substituição imbecil, é verdade, então qualquer xingamento em bom coro hoje soa como a Santa Inquisição, mas o que o ex-treinador ouviu após trocar Lucas por Bergwijn foi capaz de tê-lo feito virar antivax. E deu no que deu.

Nuno chegou ao clube com a melhor das intenções, mas todo mundo sabe que não era a escolha correta

“Num acordo tácito, a maioria de nós (fora e dentro do clube) aceitou de bom grado […] dar mais atenção para os fins do que os meios, olhar mais o resultado e menos o desempenho, buscar uma taça a qualquer custo.”

‘Ouro de tolo’

Este movimento all-in por uma taça pode ser desesperador — em julho, só faltou Abel Braga na lista de sondagens — , mas a alta cúpula do clube parece ter entendido como a abordagem funciona. O negócio é: Antonio Conte era a galinha dos ovos de ouro desde o primeiro momento em que seu nome foi ventilado no Hotspur Way.

Quando Levy vendeu a alma pelo ouro trazendo, endossando e posteriormente demitindo José Mourinho, o italiano naturalmente seria o próximo da fila. O verdadeiro serial winner. O verdadeiro passo adiante. Era o que a diretoria queria, era o que os jogadores queriam, era o que Paratici queria, era o que a torcida queria.

O próprio treinador afirmou ter recusado a proposta inicial do clube, feita em julho deste ano, por entender que seu relacionamento com a Internazionale foi muito desgastante e o rompimento ainda estar fresco; precisava de um tempo de descanso ao lado da família antes de voltar a treinar. Assim o fez, quieto no seu canto, esperando o telefone tocar, como o Capo dei capi. E nem cinco meses depois, não é que Fabio ligou?

Conte, portanto, chega como produto de uma série de lições que a vida ensinou ao Tottenham do jeito mais difícil. Abramovich deixou claro quanto custa persistir num erro e quais são os benefícios de prevenir em vez de remediar, e Levy desencanou de dar tanta margem para o azar.

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