Por que NieR: Automata é o jogo mais importante da década

Pedro Wajsfeld
Game Clube
Published in
4 min readNov 26, 2019
2B e 9S.

O jogo é um elemento da cultura que existe desde a gênese da humanidade. Quando os games entraram no cenário ainda na década de 1950 novas possibilidades se abriram. Com o passar das gerações, avanços tecnológicos, convergência das mídias os games foram se tornando obras cada vez intrincadas tanto em seus aspectos narratológicos quando a seus aspectos lúdicos e de gameplay propriamente dito. Isso levou a jogos como Final Fantasy VII (dependendo de quem for falar pode citar o VI), The Legend Of Zelda: Ocarina of Time, a franquia Mass Effect, Pokémon e The Last Of Us, para citar alguns. Se nos anos recentes as narrativas buscam se distanciar de um ethos dos jogos eletrônicos para favorecer um “fazer cinematográfico no jogo” um cara do Japão veio e jogou tudo isso pro alto com seu último lançamento para consoles de mesa.

O diretor do game, Yoko Taro.

O cara é Yoko Taro. O jogo é Nier: Automata. Descrevendo de uma maneira simples: Nier:Automata é um RPG de ação (nos moldes de Kingdom Hearts), onde o jogador controla os andróides 2B e 9S na luta contra máquinas alienígenas que expulsaram a humanidade da Terra. E é isso que o jogador sabe antes de colocar o disco no console e o jogo começa, mas não ainda como um RPG hack-n-slash e sim um… shoot ’em up? Sim, é exatamente isso. Ao longo do jogo Automata não se contenta com apenas um gênero. Ele transita entre vários, empregando o combate fluido, que é marca registrada da Platinum Games, com elementos fortes de RPG (marca registrada da Square Enix), passando por plataforma 2D e indo de volta ao hack and slash tudo isso de uma maneira que não parece artificial do game.

Mas o que mais vem como um sopro de ar fresco em Automata é o fato de que o jogo sabe que é um jogo. Em momento nenhum a narrativa não quer ser jogo, mesmo quando temos robôs encenando uma versão um tanto quanto distorcida de Romeu e Julieta. Por conta dessa ciência todos os elementos do gameplay estão a serviço da narrativa, se transformando em elementos diegéticos, enriquecendo o mundo do jogo e a maneira com a qual o jogador se relaciona com o ambiente. E mesmo com todas essas qualidades, não são os elementos de gameplay que tornam Nier: Automata uma experiência impar dentro dos games.

Este texto é parte de uma série de artigos do Game Clube que revisita os maiores jogos da década de 2010. Novos artigos às terças e sextas-feiras!

Não. O que torna Nier o jogo mais importante da década é a sua narrativa.

O jogo é basicamente dividido em 5 narrativas distintas utilizando os mesmos personagens. Muitos falam que são precisos 5 playthroughs para chegar chegar ao final verdadeiro, mas isso não dá conta de toda a experiência.

Finais alternativos são uma marca da indústria de games. Numa pesquisa rápida é possível encontrar jogos com finais alternativos desde 1983. Mass Effect, Dragon Age, Silent Hill, Persona e incontáveis outras franquias se usam do recurso para aumentar o tempo que jogadores passam com os games, explorando todas as possibilidades do jogo. Aqui a questão muda um pouco sua lógica. Nier: Automata tem 26 finais possíveis, um para cada letra do alfabeto. 21 desses finais acontecem das maneiras mais absurdas possíveis: comer um peixe que faz mal para andróides, tirar o chip central no menu do jogo, virar para a direita ao invés de virar para a esquerda (por esse eu realmente não estava esperando) e várias outras alternativas.

Os “finais principais”, na falta de uma expressão melhor, são os das letras A até E. Cada um deles abre um novo jogo. Da primeira vez o jogador controla 2B. Quando essa parte terminar o jogo reinicia, abrindo novas possibilidades dentro dos mesmos eventos mas agora estamos em controle de 9S, companheiro de 2B durante quase toda jornada. Após o final de 9S o jogo abre ainda mais possibilidades e a história continua. O que antes era um divertido RPG de ação que não tinha tantas pretensões se torna um exercício filosófico/psicológico preocupado em explorar a natureza humana, depressão, niilismo e as dores de não ter mais onde pertencer. 2B e 9S viram o mundo deles implodir e eles perdem toda a razão para continuar lutando. Junto disso um terceiro personagem, 2A, entra de vez na história e se torna jogável, trazendo ainda mais nuances para uma narrativa que agora altera os pontos focais entre 2A e 9S para mostrar a mudança daquela e a lenta degradação psicológica deste.

Automata não tem medo de fazer com que o jogador se sinta vulnerável e apegado aos personagens e seus dilemas, para logo em seguida virar tudo de ponta cabeça, fazendo com que o único caminho seja seguir em frente mesmo que você esteja soluçando enquanto jogo (e sim, isso aconteceu com este que vos fala).

Por ser um jogo que consegue combinar vários gêneros em um só, aliado a um mundo e personagens incríveis e um “final verdadeiro” que te faz pensar em como o mundo todo está conectado e pode ser um lugar lindo, Nier: Automata é o jogo mais importante da década. E que Yoko Taro faça muito mais obras incríveis e originais como essa.

Minha última mensagem em NieR: Automata.

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Pedro Wajsfeld
Game Clube

Bibliotecário, graduando em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense. Falando sobre games, TV e o que mais der na telha por aqui.