Emma e May: crescer mulher em Melbourne

Felipe Carneiro
Gente Extraordinária
7 min readApr 11, 2016

Melbourne, Australia. Abril de 2016.

May, à esquerda; e Emma, à direita. Seus nomes verdadeiros foram preservados a pedido dos pais das menores de idade.

Era uma tarde de terça-feira, dia útil. No jardim de inverno da Galeria Nacional de Arte, que recebia uma exposição conjunta de trabalhos do americano Andy Wharol e do chinês Ai WeiWei, um grupo de homens engravatados e mulheres de tailleur se reúne numa mesinha afastada, enquanto crianças correm de um lado para o outro se divertindo na fonte de água e nos brinquedos. Almofadões colorem de roxo, azul e rosa o verde do gramado, onde casais namoram sob a sombra dos arranha-céus do centro financeiro de Melbourne. Nesse cenário de artes, natureza e urbe, conversam duas adolescentes. Menores de idade, precisam pedir autorização dos pais para darem entrevista, e são orientadas por eles a omitir seus nomes, bem como qualquer informação pessoal. Mesmo com o ok dos responsáveis, elas — a pedido, vamos chamá-las de Emma, 15 anos, e May, de 16 — ainda titubeiam para falar sobre felicidade com dois jornalistas brasileiros. “Você vai falar? Só falo se você falar também”, diz Emma, ao que May responde “Se você falar, eu também falo. Podemos fazer juntas?”. A pergunta é para nós dois. Costumamos contar histórias individuais, mas não há nenhuma regra oficial a esse respeito. Felicidade é assunto difícil para marmanjos bem vividos, até para filósofas experimentadas, por que não permitir um pouco de segurança emocional nessa fase tão confusa da vida? “Estar cercada de pessoas que me apoiam me faz feliz. Fazer parte de um grupo, sentir que pertenço, sabe?”, reflete May antes de emendar: “Acho que todo adolescente, talvez todo mundo, se sente solitário com frequência”. Emma completa: “A solidão está sempre lá, mas quando você encontra pessoas que te amam, isso é felicidade”.

Emma e May são amigas desde a infância. No tempo livre, gostam de sair para comer, fazer compras e ouvir música de astros pop como Zayn Malik, Taylor Swift e Ariana Grande em uma adolescência que encontra muitos paralelos em quase todos os lugares do mundo ocidental (e até na remota Samoa, como o Gente Extraordinária publicou em fevereiro). Mas, também em Melbourne, as meninas já são submetidas a pressões sociais de gente grande como ‘ser feliz’, ‘poderosa’ e ‘segura’. “Você tem que ser popular. Ter todo mundo sabendo quem você é, essa é uma das coisas mais importantes hoje em dia”, explica Emma, a mais falante da dupla. Nenhuma delas é popular, e as duas adotam um ar de superioridade ao criticar a superficialidade de uma vida dedicada a parecer legal, a usar as roupas certas e a, de certa forma, encenar um papel todos os dias. “Não acredito nisso (em ser popular). Se a menina popular é uma pessoa legal, genuína com todo mundo e não só com os amigos cool dela, eu sou de boa. Mas isso é tão raro”, espeta May. “Acho que todo mundo tenta ser popular em algum momento da vida”, rebate Emma, “mas você precisa ser a mesma pessoa em cada segundo do dia. É muito difícil”. A maturidade para entender que a busca por status pode ser excruciantemente vazia, no entanto, não a impede de vestir uma máscara no dia a dia para ser aceita. “Você não precisa ter um sorriso no rosto o tempo todo, mas muita gente precisa esconder que está triste. Porque se você anda por aí com uma cara tristonha, as pessoas não vão se conectar da mesma forma que se você estivesse feliz. Pode parecer falso, mas pelo menos assim você consegue algum tipo de conexão”.

Quando se fala em popularidade entre adolescentes, a ideia que vem à cabeça é a de meninos e meninas tateando a melhor maneira de se conectar com o sexo oposto. Ser notado, enfim. Um início atabalhoado da descoberta do amor e do desejo permeado por canções água com açúcar de ídolos teen, Malhação, mascarar a insegurança debochando de quem se gosta. Emma e May, porém, tem pouco contato com esse turbilhão. Elas estudam em uma das 26 escolas exclusivas para garotas na cidade de Melbourne (existem 14 colégios só para rapazes na região), todas particulares. Conviveram com garotos até os doze anos de idade, na chamada escola primária, mas daí em diante foram limadas da relação cotidiana com eles. Quem imagina que um ambiente livre de piadas de pum e brigas no recreio seja automaticamente pacífico e com aroma de rosas… melhor pensar de novo. “Pode ser bem brutal”, diz May, com um riso nervoso.

Acontece que as duas gostariam de ter as mesmas possibilidades dos rapazes, o que nem sempre acontece. Aprendem a cozinhar e a escola dá uma ênfase especial à costura (sim, corte e costura, como no tempo de nossas avós), à música, ao teatro, dança e cerâmica. Enquanto isso, meninos estudam tecnologia da informação, línguas (duas entre mandarim, japonês, espanhol e francês) e política. Mais uma vez, as jovens parecem se defender dos problemas minimizando-os em seus discursos. “Estamos acostumadas com essa diferença, e está tudo bem. É que não seria mal se tivéssemos mais opções como os meninos… Mas está tudo bem”. O currículo acadêmico patriarcal, garantem, não é um obstáculo para seus planos de vida. Ambas querem ir para a universidade. May sonha em ser psicóloga, e Emma pretende se envolver na área da saúde no esporte, talvez como fisioterapeuta. A escolha dos pais por matricular as filhas na The Academy of Mary Immaculate cobra, também, sua conta no desenvolvimento das habilidades sociais das meninas. Conversar com meninos nem sempre é fácil. “Podemos falar com eles, temos autoconfiança. Só não vamos lá e dizemos ‘E aí, tudo bem?’. Mantemos a distância” diz Emma, e solta uma gargalhada. “Tenho um irmão de 18 anos, eu falo com seus amigos numa boa. É basicamente nesse grupo que eu tenho contato com meninos”, se explica May, sem segurar um riso constrangido, e Emma fecha o raciocínio: “Meu irmão é mais novo, então não é a mesma coisa… eu falo com os meninos, eu consigo tolerar isso”. A julgar pelo discurso das duas, então, arranjar um namorado não está nos planos. “Meninos são muito imaturos na nossa idade. Não quero, obrigado”, diz Emma, e May explica melhor: “Eles só vão atrás das gostosas, mesmo que elas não sejam legais. Precisam crescer um pouco e perceber que existe mais oportunidade por aí. Enquanto eu estiver na escola, não quero perder tempo com um namorado”.

Emma e May recusam também outro símbolo da juventude hoje: elas não têm Facebook. Verdade que a rede de Mark Zuckerberg vem perdendo espaço nas novas gerações, onde o Snapchat faz mais sucesso. E, sim, elas têm Snapchat. E Instagram. Mas não encostaram no celular nenhuma vez nas duas horas em que conversaram com o Gente Extraordinária, e parecem genuinamente abdicar de uma rotina conectada 24/7. “Não acho o Facebook importante. As redes sociais estão dominando nossas vidas, se bobear você passa o dia nelas”, May ensina. “Eu só não gosto da ideia de ter todo mundo participando da minha intimidade, sabendo o que eu estou fazendo. Gosto da liberdade de fazer o que bem entender sem ninguém para julgar”, finaliza Emma.

Então a escola dos meninos é melhor. Eles são imaturos, e elas preferem manter distância. Ser popular é vazio, e as redes sociais são uma extensão virtual da ideia de se mostrar sempre legal — pouco importa se é verdadeiro ou falso. Se sentir solitário é triste, e ficar triste é normal, mas convém vestir um sorriso para conseguir amigos. O que faz essas meninas felizes, afinal? A resposta delas parece saída da boca de uma miss universo: "Me faz feliz a percepção de que o que eu tenho é mais do que muita gente tem, e eu sou imensamente grata", declama Emma. "É preciso olhar para o lado bom da vida, mesmo que o dia pareça um desastre. Olhar para as pequenas coisas que te fazem sentir bem, como ver as crianças brincando e correndo e rindo no parque. O sorriso delas vai iluminar seu dia". May não difere muito: "Minha família, meus amigos, ter a possibilidade de ir para uma boa escola… principalmente as pessoas, ter pessoas que me amam perto de mim me faz feliz". Talvez seja isso mesmo. Ou talvez seja só aquela máscara que elas afirmaram usar quando estão tristes, usada aqui para ocultar as frustrações típicas dessa fase da vida. Quem sabe? Olive, a irmã de 9 anos de Emma, passou as duas horas da entrevista impaciente. Achou tudo uma bobagem, e explicou pros adultos a resposta quando finalmente a deixaram falar: "Para mim felicidade é dançar, porque ali eu expresso o que eu sou". E fecha a cortina.

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