Impacte Ambiental Junto à Quinta da Portela, Margem Direita do Rio Mondego (Parte I)

Giulia Resta
geologicalthings
9 min readMay 31, 2021

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Nota: A segunda parte já está online!
Devido a extensão deste assunto, ele será dividido em duas partes, sendo a segunda parte publicada na quarta-feira (2/06/21). A primeira parte consiste na caracterização da área e da intervenção. A segunda parte consiste no ordenamento do território, comparação do que foi e deveria ter sido feito, recomendações e considerações finais.

Em março de 2021 foi realizada terraplanagem na margem direita do Rio Mondego, junto a urbanização da Quinta da Portela, esta ação fez com que fossem arrasados cerca de 66 m^2 de área com vegetação. A ocorrência levantou questões acerca da legalidade e do impacte que o arrasamento geraria ao ecossistema ribeirinho e ao aumento da vulnerabilidade da zona a cheias. A área afetada integra a REN (Rede Ecológica Nacional), é uma Área de Recreio e Lazer, e é uma Área Inundável segundo o Plano Diretor Municipal de Coimbra. Ao longo do relatório, verificou-se uma série de incongruências respetivas a forma como trabalho de terraplanagem foi realizado e as exigências legais. Esta ação também favorece um maior risco de inundações para fenómenos de cheias como o de 2001. Os fatores que favorecem este risco é o talude verticalizado, a compactação do solo, a retirada de vegetação ripícola. É também importante ter em consideração que o fato do talude ser constituído por xistos cinzentos pode provocar contaminação radiológica por rochas terem afinidade com o urânio. Sendo a zona afetada constituída por algumas espécies invasoras e nativas. As principais plantas invasoras na galeria ripícola são as canas (Arundo donax) e as mimosas (Acacia dealbata) como pode ser observado no website invasoras.pt. As nativas existentes eram as espécies de salgueiro (Salicacea), amieiro (A. Glutinosa), choupos (Populus), lódão (C. australis), entre outras espécies. Este relatório incide na possibilidade de estudos futuros de caracterização da condutividade hidráulica, grau de contaminação e quantificação da probabilidade de cheia na área afetada.

Agradecimentos

Agradeço ao Prof. Doutor Pedro Costa por ter acompanhado todo o percurso deste trabalho.

A Prof. Doutora Joana Ribeiro pelo cuidado que teve em me ajudar com as dúvidas que tive quanto a tipologia do reconhecimento a ser realizado.

Ao Mestre Jael Palhas que referiu as espécies nativas e invasoras presentes na área de estudo.

Por último e não menos importante, agradeço a Dra. Ana Raquel Brás e ao Dr. Rui Melo, que me acompanharam no reconhecimento de campo e me auxiliaram na elaboração dos enquadramentos, geográfico, geomorfológico e geológico da área de estudo.

Introdução

Serão apresentados os enquadramentos geográfico, geológico e geomorfológico e, por fim, o enquadramento climático. Tendo em consideração estes aspetos, serão descritos os conceitos de Ordenamento de Território onde a área está integrada para que seja possível descrever o enquadramento legal e as recomendações dadas pela APA de forma a obter um modelo comparativo a intervenção que foi realizada na área. Este relatório sintetiza o caso da cheia de 2001 através de modelos dados em outros estudos para a estipulação de complicações causadas pela interferência causada na área de terraplanada. Este relatório pode servir de fio condutor para estudos a serem realizados para auxiliar no ordenamento da margem direita do Rio Mondego junto à urbanização da Quinta da Portela, como meio de atenuar os impactes ambientais causados, como modo de reduzir o risco de cheias e a degradação do ecossistema ripícola.

Objetivos

1. Apresentar enquadramento legal acerca da terraplanagem realizada;

2. Consequências das intervenções realizadas na área de estudo ao longo dos anos;

3. Proposta de remediação/requalificação.

Metodologia

Fig. 1. Organograma da metodologia utilizada no relatório.

Para a elaboração do relatório, optou-se pelo uso das fontes acima mencionadas para uma compilação de imagens de satélite e para a construção do mapa resumo do PDMC (Plano Diretor Municipal de Coimbra) e da carta resumo quanto a geologia local com o uso do CorelDRAW como ferramenta de desenho vetorial. Cada cor indica as diferentes etapas para a estrutura do relatório e a linha de raciocínio até a discussão de resultados.

Enquadramento Geográfico

A área em estudo está a margem direita do Rio Mondego, Quinta da Portela, Coimbra, correspondendo à área terraplanada assinalada abaixo (fig. 2, 3 e 4) com as coordenadas 40º10’55.08’’N; 8º24’12.37’’W.

A área é desprovida de acessos rodoviários diretos, envolvida por uma densa urbanização da Quinta da Portela, e junto, mais precisamente, da Estrada Nacional N17, pelo Rio Mondego e terrenos baldios.

Esta área corresponde a planície aluvial do percurso final do Rio Mondego antes dele passar pela Figueira da Foz e desaguar no Oceano Atlântico. Sendo uma planície aluvial, esta é uma zona suscetível a cheias.

Fig. 2. Polígono da área de estudo — perímetro: 1,76 km de perímetro; área: 66,04 m^2 (Google Earth, 2021).
Fig. 3. Área de estudo antes da intervenção em agosto de 2019 (Google Earth, 2021).

Segundo o PDM (fig. 4), a área terraplanada integra a zona de inundação e a zona recreativa e de lazer. Segundo a Estrutura Ecológica, a mesma zona está integrada na Rede Ecológica Nacional (REN) (Instituto Geográfico do Exército, 2013).

Fig. 4. Planta do Uso de Solos do Plano Diretor Municipal de Coimbra (Adaptado de Câmara Municipal de Coimbra, 2017).

Enquadramento Geológico e Geomorfológico

Geomorfologicamente, a área em estudo localiza-se em uma zona de planície aluvial, com cotas a rondar entre os 23–27 m.

Do ponto de vista geológico, a área em estudo está integrada na Carta Geológica de Portugal, folha 19-D de Coimbra-Lousã (2005), na escala 1:50K, cujo segmento é apresentado na Figura 5.

Fig. 5. Segmento da carta Geológica 1/50K; laranja: área de estudo (adaptado de Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, 2005).

A maior parte dos sedimentos observados no terreno são argilosos avermelhados com arenitos do grupo Grés de Silves. Na margem, observam-se as areias que constituem um depósito aluvionar.

Existe ao longo da margem da área estudada, um talude verticalizado de 3–4 m de altura com blocos soltos alóctones de xisto cinzento (maioritariamente) e metagrauvaques, possivelmente pertencentes a série negra e trazidos das obras próximas à Portela do Mondego.

Enquadramento Climatológico

Segundo o (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2020) em 30 de abril de 2020, a região centro apresentou uma percentagem de água no solo de 81–99 %. Sendo que Índice de Seca (Palmer Drought Severity Index — PDSI) para o mesmo mês, esteve entre o de “chuva normal” e “normal”.

Tab. 1 — Classes do índice PDSI — Percentagem do território afetado em 31 março e a 30 abril 2020 (Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 2020).

Segundo (Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 2012), o clima na bacia hidrográfica do Rio Mondego é temperado, húmido, com estações de Verão e Inverno bem definidas, inserindo-se nos climas do tipo mediterrânico, com influência oceânica. A temperatura média do ar na bacia é aproximadamente de 13,4ºC. Na zona do Baixo Mondego e junto à costa a temperatura média atinge os 15ºC.

De acordo com o PGBH (Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P., 2012), o Rio Mondego possui um escoamento anual médio de 533 mm. Sendo a precipitação anual média verificada na sua bacia é de 1 073 mm, e o seu escoamento anual médio é de 569 mm.

Segundo o PGBH da (Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P., 2012), observa-se um aumento do escoamento entre a albufeira da Raiva e a foz do Alva. Neste troço, e no restante trecho do Rio Mondego até à albufeira do açude-ponte de Coimbra, a distribuição do escoamento ao longo do ano hidrológico é, significativamente alterada pelo efeito regularizador da albufeira da Aguieira (fig. 6), transferindo água da estação húmida para a estação seca. Contudo, no Açude-Ponte de Coimbra, o caudal de 97 m^3/s é parcialmente derivado para consumos urbanos, industriais e de rega.

Fig. 6. — Esquema do Sistema Fronhas — Aguieira — Raiva — Açude de Coimbra (Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P., 2012).

Segundo (Alves & Mendes, 2014), a região do Baixo Mondego tem sido sujeita a inundações cuja extensão importa caracterizar. O leito central do Rio Mondego foi dimensionado para o caudal em Coimbra de 1200 m^3/s associado aos caudais de cheias com período de retorno de 25 anos nos afluentes a jusante do Açude-Ponte.

Tab. 2. Estimativas das cheias em regime natural na bacia do rio Mondego (Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P., 2012).

Controlo de Cheias

De acordo com (Alves & Mendes, 2014), para evitar o galgamento dos diques em situações de ocorrência de caudais superiores a 1200 m^3/s em Coimbra, foram criadas quatro estruturas de descarga ao longo do leito central que constituem o sistema de inundação controlada dos campos. O funcionamento pleno das quatro estruturas permite a descarga de um caudal total de 760 m^3/s.

Tab. 3. Sistema de descarga controlada (Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 2012).

Cenários de Simulação

(Alves & Mendes, 2014) realizaram uma simulação para o Rio Mondego da cheia de janeiro de 2001 cujo caudal máximo atingiu os 1 940 m^3/s, sendo que os afluentes do Baixo Mondego possuíam um caudal de 1 695 m3/s. Com esta simulação foi possível elaborar o mapeamento das inundações (fig. 7). No caso da simulação da cheia de janeiro de 2001, os níveis da superfície livre ao longo do trecho regularizado do rio Mondego aproximam-se da cota de coroamento dos diques, ultrapassando-a em vários troços, dando origem ao seu galgamento. Os resultados evidenciam que o não-funcionamento do sistema de inundação controlada do Baixo Mondego (hipótese desfavorável admitida neste cenário) conduz a níveis próximos ou superiores à cota de coroamento dos diques, sendo que a sua permanência no tempo pode enfraquecer e levar à rotura dos diques. Em termos de velocidades máximas atingidas no leito regularizado do rio Mondego a jusante do Açude-Ponte, a montante do Açude-Ponte observa-se a inundação das margens do rio Mondego junto à Cidade de Coimbra para a cheia de 2001. É de notar que para este modelo, as zonas inundáveis ultrapassam largamente as zonas de inundação incluídas na Planta do Uso de Solos do Plano Diretor Municipal de Coimbra de 2017. As zonas de inundação para este novo modelo afetam zonas como a área terraplanada, a Praia do Rebolim e a ETA da Boavista (integram a zona da Ereira).

Fig. 7. Zonas inundáveis junto a Coimbra para a cheia de 2001 (Alves & Mendes, 2014).

Também foi realizado outro cenário de inundações originadas pelas estruturas de descarga para um caudal do Rio Mondego em Coimbra com 2000 m^3/s e de 760 m^3/s para as estruturas de descarga. O funcionamento pleno das quatro estruturas de descarga (três sifões e um dique fusível), para este cenário, resulta na inundação generalizada dos campos da margem direita do Rio Mondego. Nas figuras 8 e 9 , apresentam-se os mapas e o gráfico das áreas inundadas ao fim de 8, 20 e 40 h após o início das descargas, verificando-se que a inundação se estende progressivamente para jusante atingindo a zona da Ereira (Alves & Mendes, 2014).

Fig. 8. Inundações na margem direita do Rio Mondego em vários instantes de tempo originadas pelo sistema de inundação controlada; ponto vermelho: Coimbra (Alves & Mendes, 2014).
Fig. 9. Alturas de água nos pontos 12C, 9C e 6C (Alves & Mendes, 2014).

No cenário mais desfavorável de conjugação de caudais elevados em Coimbra (cerca de 2000 m^3/s) e o não funcionamento do sistema de inundação controlada do Baixo Mondego, os níveis da superfície livre no leito na área de estudo e nas proximidades avizinham-se da cota de coroamento dos diques, ultrapassando-as em vários troços, podendo dar origem ao seu galgamento e eventual rotura. No cenário de funcionamento do sistema de inundação controlada do Baixo Mondego, constata-se a inundação generalizada da margem direita do vale do Mondego (Alves & Mendes, 2014).

Referências

Administração da Região Hidrográfica do Centro I.P. (2012). Plano de Gestão das Bacias Hidrográfica dos Rios Vouga, Mondego e Lis Integradas na Região Hidrográfica 4.

Agência Portuguesa do Ambiente. (2014). Limpeza e Desobstrução de Linhas de Água (p. 7).

Alves, E., & Mendes, L. (2014). Modelação da inundação fluvial do Baixo Mondego. Revista Recursos Hídricos, 35(2), 41–54. https://doi.org/10.5894/rh35n2-4

Diário da República, 2.a série — N.o 141–24 de julho de 2017, 5. https://www.cm-coimbra.pt/wp-content/uploads/2018/10/Alteração por Adaptação do PDM — Aviso 8289_2017.pdf

Ferreira, J. C. (2010). Estrutura Ecológica E Corredores Verdes. Estratégias Territoriais Para Um Futuro Urbano Sustentável. Pluris, 267, 12. http://pluris2010.civil.uminho.pt/Actas/PDF/Paper267.pdf

Instituto Geográfico do Exército. (2013). Carta Estrutura Ecológica Municipal.

Instituto Geográfico do Exército. (2017). Planta de Ordenamento — Classificação e Qualificação do Solo.

Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, I. P. (2005). Folha 19-D COIMBRA-LOUSÃ.

Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I. P. (2020). Boletim IPMA 04/20. https://doi.org/2183-1076

Laboratório Nacional de Engenharia Civil. (2012). Estudo das Inundações do Rio Mondego a Jusante da Confluência do Rio Ceira.

by. G. Resta

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