Humanidades Digitais…

Tiago Leite
Ideias de Biblio
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6 min readMay 19, 2018

O que temos a ver com isso?

Digital Humanities…

Falar de “digital” no atual momento da sociedade pode parecer banal, mas falar em humanidades digitais (HDs) pode não ser! A sociedade é digital, fazemos “quase tudo” pelo telefone, por exemplo: lemos, pagamos contas, pesquisamos, entre outras coisas. Posso dizer que a humanidade já é digital. Porém as HDs abordam outro aspecto, aquele ligado à ciência, tem a ver com as ciências sociais e humanas, isto é, considera-se a aplicação e uso da tecnologia para iniciativas, pesquisas, tendências, experiências, etc. pelas humanidades (ciências humanas e sociais).

Humanidades digitais

“Uma área em expansão, de pesquisa e ensino, que atua sobre a intersecção e aplicação de tecnologias às ciências humanas.” (SANTARÉM SEGUNDO, 2015).

“Campo híbrido não apenas de estudo e pesquisa, mas de ensino e, principalmente de acesso à informação e inovação, em que se destacam os conteúdos informacionais produzidos e circulantes nos espaços web informacionais”. (PIMENTA, 2016)”

Meu objetivo aqui não é conceituar as HDs, até porque o campo ainda está em processo de definição, mas sabe-se que já existem iniciativas ou tendências voltados a elas. Isto pode ter importância, pois tende a explicar o que os bibliotecários tem a ver com isso.

As HDs são consideradas por uns como campo interdisciplinar e por outros como transdisciplinar, também não pretendo discutir onde elas se encaixam, acho que pode ficar para outro texto, mas o que se pode inferir por consenso é que envolvem várias disciplinas. A exemplo disto temos dois eventos recentes acontecidos no Rio de Janeiro voltados para as HDs, o 2º Seminário de Tecnologia e Cultura, ocorrido na Fundação Casa de Rui Barbosa em novembro de 2017, e o HDRio, evento internacional ocorrido na FGV em abril de 2018. Nos dois eventos foi possível ver pesquisadores e profissionais de áreas diversas (historiadores, jornalistas, museólogos, arquivistas, bibliotecários etc.) e com variadas inciativas e projetos ligados as HDs.

A partir dessas informações e de estudos realizados voltados às HDs verifiquei que sua aplicação se vale de plataformas ou projetos voltados para memória, curadoria digital, coleções digitais, repositórios, georreferenciamento, Big Data, arquivo digital, museu virtual, blogs (voltados para pesquisas e discussões na área), internet das coisas, centros de pesquisas e mais uma variedade de possibilidades.

O objetivo aqui é citar alguns exemplos de inciativas que podem explicar o que temos (bibliotecários) a ver com as HDs, mas antes disso é legal falar rapidamente sobre seu histórico.

Padre Busa

Tudo começou em 1949 com o Padre Busa e seu Index Thomisticus (Índice Thomasticus), uma ferramenta literária e de pesquisa para pesquisar todas as obras escritas de Santo Tomás de Aquino. O trabalho foi publicado em 1974, no qual, pela primeira vez, foi aplicado o uso da computação no trabalho humanista;

Em 1989 ocorreu a primeira conferência chamada Digital Humanities Digital Humanities, iniciativa da Association for Computers and the Humanities e da Association for Literary and Linguistic Computing;

Em 2002 surgiu a Alliance of Digital Humanities Organizations (ADHO), que agrupa diversas iniciativas em HD no mundo;

Em 2010 foi publicado o Manifesto das Humanidades Digitais, por ocasião do ThatCamp ocorrido no mesmo ano.

Alguns autores afirmam que a origem das HDs (o termo) se deu pela necessidade dos departamentos de humanidades de universidades americanas (importantes) em manter seu orçamento condicionado ao sistema acadêmico, já que se se viram obrigados a incorporar o termo digital a sua área. (SILVA; ALMEIDA; HOOPER, 2016)

Elenquei algumas datas importantes e teorias somente para uma noção da evolução das práticas ou inciativas do campo no decorrer dos anos. É importante destacar também uma definição proposta no manifesto para as HDs:

“As HD surgem como uma concepção transdisciplinar ao apresentar métodos, dispositivos e perspectivas heurísticas ligadas ao processo de digitalização no campo das ciências humanas e sociais.”

(THATCAMP, 2011).

Em relação às inciativas, práticas, projetos laboratórios e centros de pesquisas, existem diversas associações, instituições ou grupos que os reúnem de forma a fortalecer as pesquisas na área, o estudo de Ricaurte Quijano e Brussa (2017) traz alguns exemplos:

International network of digital humanities centers;

Digital Research Infrastructure for the Arts and Humanities;

European Research Infrastructure for Language Resources and Technology;

The Alliance of Digital Humanities Organizations;

The European Association for Digital Humanities;

Red de Humanidades Digitales de México;

Red Colombiana de Humanidades Digitales;

Sociedad Internacional de Humanidades Digitales Hispánicas;

Associações em Humanidades Digitais;

Nota-se que esses exemplos estão espalhados pelo mundo, o que pode ajudar na diversidade de projetos voltados às HDs.

Uma inciativa bem interessante voltada às HDs é o “DH Commons”, “uma iniciativa da centerNet, é um centro on-line focado em projetos de humanidades digitais que buscam assistência com acadêmicos interessados ​​na colaboração de projetos. Esse centro responde a uma necessidade premente e demonstrável de um serviço de correspondência de projeto-colaborador que permitirá que acadêmicos interessados ​​em HDs entrem em campo unindo-se a um projeto existente e tornando os projetos existentes mais sustentáveis, atraindo participantes novos e bem pareados. Além disso, o DHCommons ajuda a quebrar as barreiras de um campo emergente conectando colaboradores entre instituições, uma necessidade particularmente aguda de praticantes a solo e aqueles sem acesso a um centro de humanidades digitais.”. Ou seja, esse centro permite que o pesquisador ou instituição adicione seu projeto a ele e que seja desenvolvido em colaboração espontânea com outros pesquisadores, pura interatividade e colaboração!

Outras iniciativas, projetos, laboratórios ou centros de pesquisa são interessantes:

Instituto de Pesquisa Bibliográfica e Crítica Textual (IIBICRIT);

Centro de História Pública: Humanidades Digitais;

Laboratório de Humanidades Digitais (LHuD);

Banco de Dados Biográficos da China;

Brasiliana;

Instituto Internacional de Humanidades Digitais;

Grupo de Pesquisas Humanidades Digitais (USP);

LarHuD — Laboratório em Rede de Humanidades Digitais.

Ao verificar alguns desses projetos, além dos laboratórios que são importantes para divulgação e pesquisa na área, temos bancos de dados e a Brasiliana (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin), inciativa brasileira, que utiliza o DSpace (software comumente utilizado em repositórios), isto é, temos uma biblioteca… pode ser o começo para sabermos o que temos a ver com humanidades digitais. Analisando por esse ponto, podemos incluir as bibliotecas citadas no post anterior sobre bibliotecas públicas (Biblioteca Virtual Consuelo Pondé e Biblioteca Virtual do Natal), como iniciativas em HDs.

Na minha opinião não é só por ter bibliotecas digitais ou repositórios como projetos em HD, que temos algo a ver com a área, estamos dentro desta área ou campo em expansão, pois ela está diretamente ligada à informação, como dito no meio do texto, as HDs se valem de plataformas e projetos que tudo tem a ver com a biblioteconomia e outras áreas.

Muitas vezes nos prendemos aos aspectos técnicos do nosso trabalho por vários motivos, isso nos limita no que se refere a pensar um pouco fora da caixa, deixando a tecnologia somente por conta do controle do acervo, mas ela pode ir bem além, aproveitando o conteúdo produzido pela própria instituição, por exemplo.

Ainda vejo pouca mobilização de bibliotecários com a área, muitas vezes trabalham com HDs, mas não têm ideia do que seja, saber se o projeto é voltado para o campo, pode abrir possibilidades para o desenvolvimento de novas aplicações, pesquisas, iniciativas e inovação em biblioteconomia.

Tiago Leite

Referências

PIMENTA, Ricardo Medeiros. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.20–33, jul. 2016. Semestral. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20>. Acesso em: 01 nov. 2017.

RICAURTE QUIJANO, Paola; BRUSSA, Virginia. Laboratorios ciudadanos, laboratorios comunes: repertorios para pensar la universidad y las humanidades digitales. Liinc em revista, v. 13, n. 1. Disponível em: <http://www.brapci.inf.br/v/a/23273>. Acesso em: 20 set. 2017.

SANTAREM SEGUNDO, José Eduardo. Web semântica, dados ligados e dados abertos: uma visão dos desafios do Brasil frente às iniciativas internacionais. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 8, n. 2, jul./dez. 2015. Disponível em: <http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/article/view/207>. Acesso em: 18 out. 2017.

SILVA, Cicero Inacio da; ALMEIDA, Jane de; HOOPER, Silvana Seabra. As Humanidades Digitais e as novas formas de disseminação do conhecimento. Lumina, v. 10, n. 2, 2016. Dsponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/581>. Acesso em: 11 out. 2017.

THATCAMP. Manifesto das humanidades digitais. ThatCamp [The Humanities and Technology Camp]. Paris: 2011. Disponível em: <http://tcp.hypotheses.org/category/manifeste>. Acesso em: 24 jun. 2017.

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Tiago Leite
Ideias de Biblio

Mestre em biblioteconomia pela UNIRIO, bibliotecário, estudante, eterno calouro com vontade de aprender continuadamente.