Levando transparência a sério

Em dezembro de 2019, o Laboratório de Inovação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Inova_MPRJ) deu o passo inicial para o lançamento do Impacta — primeiro programa de inovação aberta do MPRJ.

Está entre as metas do Impacta que o programa seja inovador em si mesmo e radicalmente transparente. Mas inovação e transparência são dois objetivos que não se pode atingir sozinhos.

Dentro da caverna havia… um contrato

No dia a dia do setor público brasileiro, o primeiro passo de qualquer compra ou contratação costuma ser a produção de documentos que descrevem, em detalhes, a solução que o órgão pretende adquirir.

Em regra, essa etapa — a “fase interna”, quando se refere a licitações — acontece em salas fechadas de repartições, sem tanta preocupação com transparência ou participação social. O processo só ganha publicidade na “fase externa”, momento de buscar potenciais interessados e cotações para o objeto da contratação. Há até casos — de questionável adequação legal — em que mesmo nessa fase impõe-se sigilo.

Quando o sigilo é a regra. Fontes: O Estado de S. Paulo (03 out. 2019) e Folha de S. Paulo (09 abr. 2020).

Os riscos de má condução do processo são conhecidos. Cláusulas para restringir a competitividade, publicidade insuficiente e direcionamento são apenas alguns exemplos. Intencionalmente ou não, trazem prejuízo para o governo e a sociedade.

Quando as irregularidades no processo de contratação são detectadas pelos órgãos de controle, pode ser tarde demais. Se já houve pagamento, a recuperação dos valores é uma dificuldade à parte.

A inovação aberta encontra o governo aberto

Não há remédio melhor para esses riscos do que a transparência sobre todas as etapas do processo de contratação. É nessa linha que o Impacta vem sendo desenhado — para que também sirva de exemplo de um processo de contratação inteiramente transparente e aberto.

Em linha com as diretrizes da Parceria para Governo Aberto (OGP, na sigla em inglês), o Inova_MPRJ está dando publicidade e detalhando, desde o primeiríssimo momento (o plano de contratação), todos os passos da contratação do Impacta. Além disso, está abrindo canais para participação pública por meio de críticas e comentários.

O processo de contratação é colaborativo. Assim, o programa já nasce com elementos de inovação aberta (dupla abertura!). A primeira minuta do Plano foi submetida a comentários públicos, com divulgação ao longo do mês de março. Foram mais de 50 comentários, que podem ser conferidos — com as nossas respostas — neste link.

Além disso, para tirar todo o proveito da inteligência coletiva, houve uma reunião aberta por videoconferência, para debater dúvidas e sugestões com qualquer interessado. O resumo da reunião pode ser conferido aqui.

Falando a mesma língua

Dez trilhões de dólares. Esse é o valor que as contratações públicas movimentam todo ano ao redor do mundo. Não é por acaso que historicamente os contratos públicos são um dos principais focos de corrupção.

Se você já tentou acompanhar uma contratação pública — seja porque trabalha com isso, ou porque participa de alguma iniciativa de controle social — sabe o quão complicado é acompanhar as informações sobre os contratos: letras miúdas em um Diário Oficial (nem sempre aberto e buscável), no qual você encontra só um pequeno extrato do que foi adquirido.

Caso deseje mais informações, é provável que precise buscar os contratos um de cada vez em um sistema arcaico de consulta de processos, e torcer para os documentos estarem on-line — geralmente, com centenas de páginas em um arquivo PDF de baixa qualidade.

Essa maneira de dar publicidade às contratações públicas não aproveita o crescente potencial da tecnologia e da ciência de dados como aliados da sociedade e dos órgãos de controle, para criar mecanismos preventivos de controle da corrupção e melhoria do gasto público.

Por isso, a Parceria por Contratos Abertos (OCP, na sigla em inglês) propõe algo simples, e radicalmente diferente: fazer com que todos os contratos, de todos os lugares do mundo, falem sempre a mesma língua — ou, melhor dito, um mesmo “padrão”.

“Um padrão de dados abertos é como uma cavar piscina com uma retroescavadeira, ao invés de uma colher de chá”. Fonte: Open Contracting Partnership.

Imagine um mundo em que todos os governos do mundo publicam as informações realmente importantes sobre a forma como estão gastando o dinheiro dos seus contribuintes, de uma maneira que permite a comparação entre eles.

De uma hora para outra, se tornaria possível usar uma mesma ferramenta para acompanhar o orçamento de uma cidade no interior da Índia; e para saber se o seu município está gastando mais ou menos do que o município vizinho com a merenda escolar ou com a compra de equipamentos para o posto de saúde.

Essa é a ideia por trás do Open Contracting Data Standard (OCDS, na sigla em inglês), lançado em 2015 pela OCP com o apoio do Banco Mundial e da Omidyar Network. Trata-se de uma estrutura mínima para qualquer governo que queira publicar dados de contratações de maneira mais acessível para as novas tecnologias da informação.

A esperança é que, com a adoção do padrão, surjam cada vez mais ferramentas para facilitar governos a encontrar os melhores fornecedores; as empresas a concorrer em condições mais competitivas; e cidadãos a acompanhar a aplicação efetiva dos recursos públicos.

O primeiro do Brasil

Inspirado na OCP e nos OCDS, o Impacta mira ainda mais alto. A abertura do plano de contratação para participação pública é só uma parte do esforço de fazer do programa um modelo da transparência que deveria ser o padrão em todos os contratos do setor público.

Com audácia criativa, o Impacta tornou-se o primeiro processo de contratação do Brasil compatível com padrões internacionais de abertura de dados. (Veja o atlas da OCP abaixo).

24 países, nos cinco continentes, já têm instituições publicando dados com o OCDS. O Brasil não era um deles. Fonte: Open Contracting Partnership.

Para isso, os dados iniciais da contratação do parceiro foram publicados buscando o máximo de conformidade com os padrões OCDS. Os dados estão no repositório do projeto no GitHub e continuarão sendo atualizados conforme avançar o processo de contratação.

E você, tem alguma ideia inovadora sobre participação social e transparência em contratos públicos? Caso tenha, deixe um comentário! Queremos saber como você também está trabalhando por um setor público cada vez mais inovador e aberto.

Com Leonardo Santanna, Manuella Caputo, Júlia Rosa, Daniel Lima Ribeiro, Beatriz Ferreira, Breno Gouvea, Gabriel Delman, Letícia Albrecht, Marcelo Coutinho e Matheus Donato.

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal do autor.

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