Como criar um (bom) processo seletivo — parte 1

Lili Fonseca
InPeople

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Sigo uma regra de ouro em todos os meus projetos: tudo precisa ter uma justificativa. Pode parecer um pouco óbvio, mas quando se trata de iniciativas de RH — em que muitas coisas acabam sendo feitas de maneira subjetiva — essa regra faz toda a diferença entre um projeto bom e um projeto ruim, além de ser a forma mais adequada de elevar o nível de discussão para um patamar mais estratégico de negócio.

“Mas Lili, qualquer um pode criar um processo seletivo: CV — Entrevista — Contratação, no máximo uma dinâmica ali no meio ou uns testes online para filtrar mais.”

Então antes de começar a falar das etapas de um bom processo de seleção, vamos entender o que tem de errado em pensar Seleção de um jeito tão simplista.

Um dia um cliente me apresentou um jogo que havia criado no ano anterior para seu processo seletivo. Seu objetivo era que eu fizesse uma nova versão da atividade. Era uma ferramenta simples e com um design bonito, até que ele começou a me explicar as regras e no meio da conversa tivemos o seguinte diálogo:

Cliente: “Nesse canto do tabuleiro temos as cartas-desafio, que são diferentes das cartas principais. Quando um candidato escolhe uma carta-desafio e a realiza corretamente, ele ganha moedas-desafio.”

Lili: “E qual o objetivo das cartas-desafio?

Cliente: “A ideia é ter uma atividade diferente pra não ficar só nas cartas principais.”

Lili: “E o que é avaliado com esses desafios?”

Cliente: “São perguntas rápidas de negócio, só pra mexer na dinâmica do jogo mesmo.”

Lili: “E as moedas-desafio, onde podem ser usadas?”

Cliente: “Ah…não tem um propósito, é só ganhar mesmo.”

Como olhei para o cliente depois desse diálogo

Fazendo um rápido paralelo com a área Financeira, você já imaginou alguém te apresentar uma planilha de controles e, ao ser questionado sobre determinada linha, a pessoa responde: “É só um valor pra completar a tabela.”

Ou ainda, o que já vi algumas vezes, alguém que usa metodologias ágeis em seu negócio e faz todas as cerimônias do Scrum, por exemplo. Aí você pergunta “Os rituais têm trazido um resultado bacana pra empresa?” e a resposta é: “Bom, é assim que todas as empresas de tecnologia fazem, né?”.

É importante chamar a atenção para esse tipo de decisão pouco embasada porque o conjunto delas é muitas vezes o que enfraquece o papel do RH em um negócio. E todos sabem que para se ter voz dentro de uma empresa é preciso ter domínio do que se fala.

Lembrete sempre importante: aumentar demais a velocidade em seleção de pessoas pode gerar um custo muito alto e difícil de mensurar em treinamento, retenção, desenvolvimento e é claro, em resultados de negócio.

Ao apresentar para vocês o que entendo como o racional por trás de um bom processo seletivo, meu objetivo é instigar que todo profissional, seja de RH ou gestor de pessoas, sejam cada vez mais críticos em Seleção. Questionem os motivos das decisões, busquem formatos mais adequados e não o que todo mundo faz, queiram saber exatamente como aquele processo vai te levar às pessoas certas. E se as respostas não forem satisfatórias, continuem perguntando até chegar no resultado esperado.

AS CINCO ETAPAS

Mas vamos ao que interessa — aqui na InPeople acreditamos que existem cinco etapas fundamentais na construção de um bom processo seletivo:

• Mapeamento de perfil

• Desenho do processo seletivo

• Treinamento dos envolvidos

• Execução/Operação

•Avaliação de resultados e aplicação em melhoria contínua

1. Mapeamento decente de perfil

Tanto para vagas pontuais como para processos seletivos massivos é preciso fazer um bom mapeamento de perfil. Esse material é a base para o projeto ser bem-sucedido ou não. Aqui precisamos ir além dos valores e competências e olhar a posição por completo:

Pode parecer muita informação e sim é, mas vale a pena. Os itens acima são alguns exemplos de perguntas que devem ser bem respondidas pelas áreas (e não pelo RH) para dar o pontapé inicial em qualquer processo de seleção.

Quando o processo seletivo ganha maturidade outras perguntas devem ser adicionadas para refinar e atualizar o perfil, como por exemplo: motivos de saída das últimas pessoas que ocuparam a vaga, quem são os mais bem avaliados na empresa com uma posição semelhante e por quê, que informações foram chave na seleção das pessoas que melhor desempenham nessa área, entre outras. Essas informações de mais longo prazo vão refinar o processo, torná-lo cada vez mais preciso e ajudam a desenvolver um olhar mais profundo de gestores e RH em futuras contratações.

Na InPeople temos alguns formatos para realizar o mapeamento de perfil dependendo do projeto, desde um modelo pensado para processos com alto volume de contratações com perfil semelhante até um modelo mais simples e poderoso, que pode ser ensinado para gestores terem autonomia no momento de abrir uma vaga em seu time e passar a demanda para o RH.

O importante dessa etapa é não menosprezar sua importância e nem acelerar desnecessariamente o tempo gasto aqui — como já falei na metáfora do supermercado. Quanto mais informações houver sobre a vaga, melhor será a etapa seguinte, onde vamos desenhar o processo.

PS: além de alimentar o desenho do processo, são as informações do perfil que devem apoiar a construção da estratégia de atração e comunicação da vaga/processo seletivo.

2. Desenho inteligente do processo seletivo

Aqui precisamos mais do que nunca da regra de ouro que falei no começo do texto. Criar um processo seletivo pode ser fácil, não posso negar. Qualquer pessoa pode colocar em um slide um fluxo qualquer como:

Análise de CVs/Inscrições — Triagem de requisitos — Entrevista com RH — Teste técnico ou Dinâmica — Entrevista com gestor — FIM

Já criar um bom processo seletivo, embasado e estratégico, são outros quinhentos.

Utilizando as informações obtidas no processo de mapeamento de perfil, o trabalho aqui é pensar quais os melhores formatos para avaliar o que a vaga precisa. Mais uma vez estou aqui escrevendo o óbvio para vocês, mas vamos voltar ao nosso analista de marketing pleno e ver isso na prática.

Vimos que essa posição precisa de um olhar analítico bem forte. Essa informação costuma chegar desse jeito para o RH buscar candidatos, porém é preciso diferenciar competências de comportamentos. “Olhar analítico” é uma competência, não um comportamento.

Quando não aprofundamos os comportamentos que refletem uma competência, o céu é o limite para a interpretação.

Uma vez dei um treinamento de seleção para líderes e fizemos um exercício bobo. Formamos duplas, pedimos para que cada pessoa escolhesse uma competência e escrevesse os principais comportamentos que a refletiam no dia a dia. Em seguida, uma das pessoas deveria ler os comportamentos listados e sua dupla deveria acertar a competência escolhida.

Fácil, não?
Praticamente todos erraram.

Vamos ver um exemplo do que apareceu:

Os comportamentos acima descrevem qual competência: Trabalho em Equipe, Liderança ou Relacionamento? Ou você pensou em outra?

O ponto aqui não é estabelecer uma regra universal e sim mostrar que cada pessoa pode interpretar uma competência de um jeito. Sem contar que as empresas possuem interpretações diferentes para cada competência — e valores também.

Um olhar superficial pode achar os comportamentos acima similares, mas no dia a dia descrevem pessoas completamente diferentes que trazem resultados diferentes dependendo do ambiente em que atuam.

O entendimento e o alinhamento entre o nome da competência e o que ela significa na prática é o primeiro passo para se desenhar um processo efetivo, já que qualquer atividade avaliativa deve se basear em comportamentos observáveis, as chamadas evidências, ou seja, indícios de que a pessoa possui ou não uma habilidade ou conhecimento.

Esse modelo [competência ➜ comportamento observável ➜ técnica] se aplica a qualquer processo seletivo, seja uma prova, uma entrevista, uma dinâmica ou qualquer atividade.

“Em entrevistas também, Lili?”
Sim. Sabendo o comportamento que queremos avaliar, podemos criar as perguntas certas para buscar as evidências necessárias sem que o candidato perceba o que estamos explorando.

Quando criamos processos seletivos embasados, criamos também um formato de avaliação muito mais preciso, já que é fácil observar se o candidato soube agir sobre pressão ou não, se fez as análises conforme era esperado ou não, se soube absorver as demandas pontuais ou se enrolou e por aí vai. Todas essas evidências nos levam para uma discussão menos nebulosa. É como um checklist. Não tem feeling. Não tem “ir com a cara”. Não tem o santo bater ou não. Ou a pessoa fez, ou não fez.

Com as competências e comportamentos definidos, fazer a transformação em técnicas e atividades é uma questão de unir repertório ao que o negócio quer. Será um processo online? Quanto tempo de duração temos para realizar o processo seletivo? Quantas vagas temos? Quantas pessoas irão trabalhar na operação do processo? Queremos uma experiência mais marcante? Queremos ser mais inovadores? O que queremos inserir de Employer Branding?

É com essa segunda camada de informações que finalizamos o desenho do processo e adicionamos os elementos que vão proporcionar uma melhor experiência para os candidatos e também para os avaliadores, que são parte fundamental do sucesso de um processo seletivo, mas essa parte vai ficar para um próximo texto porque se você chegou até aqui já está de parabéns.

Em breve a parte 2 com as etapas de Treinamento dos envolvidos, Execução/Operação e a minha favorita: Avaliação de resultados e aplicação em melhoria contínua.

Até logo!

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Lili Fonseca
InPeople

Questionando o modus operandi de Comunicação, Desenvolvimento e Gestão de Pessoas do jeito que são feitos até hoje.