Como não derrubar um candidato

Lili Fonseca
InPeople
4 min readJun 1, 2022

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Pontualidade, prazos claros, transparência e respeito são alguns dos itens que vem à mente quando falamos da experiência do candidato em processos seletivos. São importantes? Com certeza, mas seu impacto é pequeno no que se refere ao desempenho da pessoa avaliada.

Essa semana conversei com um amigo da área de tecnologia. Rômulo é um profissional sênior com cerca de 10 anos de experiência e uma grande bagagem técnica. Coleciona boas avaliações de performance e reconhecimento dos times que faz parte. Com essa trajetória, costuma ser bastante abordado pelo mercado para posições em diversos tipos de empresa, dentro e fora do Brasil. Dos processos seletivos que já participou, costuma ir bem e foi reprovado um número de vezes menor do que cabe em uma mão.

Rômulo me ligou essa semana para contar que fez uma entrevista muito desejada e estava se sentindo mal porque provavelmente não havia sido aprovado.

É impossível ser aprovado em tudo e minha abordagem inicial foi consolá-lo, mas como alguém que vive Seleção a maior parte do tempo, fui em busca de evidências que pudessem me mostrar porque ele estava tão convicto da reprovação.

“O que perguntaram? O que você respondeu?” — o problema não parecia estar aqui. Boas perguntas, boas respostas. A investigação continuou.

“Como eles reagiam às suas respostas?” — Bingo. Começamos a achar a origem do mal-estar.

Sérios, frios, poucas reações. Três entrevistadores que, por motivos desconhecidos, criaram um ambiente de desconforto tão grande que na metade da entrevista Rômulo só queria que aquilo acabasse.

Tecnicamente parecia que tudo ia bem, mas a falta de conexão e até de algum tipo de feedback não verbal de encorajamento minou sua confiança. Um excelente profissional se viu em uma situação tão vulnerável que sua preocupação não era mais expor quem é e o que pode agregar de valor ao negócio, e sim chegar ao fim daquela uma hora pesada e ir embora o mais rápido possível.

Os dois principais resultados disso são:

1) Obviamente Rômulo não foi bem na entrevista e a empresa não conseguiu acessar o potencial que ele tem para oferecer.

2) A percepção de Rômulo sobre a empresa é inevitavelmente ruim em relação ao clima, pessoas e ao ambiente.

Não é a primeira vez que falo sobre a energia de quem conduz um processo seletivo, mas percebo que é um tema ainda muito negligenciado principalmente por lideranças que não se apropriaram do seu papel em gestão de pessoas. Se em Rômulo, um profissional experiente, os entrevistadores conseguiram esse efeito tão devastador, o que será que acontece com profissionais mais jovens, com menos segurança e bagagem?

Pode parecer clichê, mas é sempre bom relembrar que o papel de TODOS que avaliam pessoas em entrevistas, dinâmicas ou qualquer outro formato é proporcionar aos candidatos um espaço em que possam ser sua melhor versão.

E eu reforcei a palavra “todos” porque entrar mudo e sair calado, mas passar a entrevista inteira olhando para a pessoa candidata com olhar inquisidor tem o mesmo efeito negativo.

Para fechar, alguns lembretes para conduzir uma boa avaliação de pessoas — pulando os clichês que vocês já sabem, mas reforçando alguns pontos óbvios importantes:

· Se preocupe em oferecer um ambiente confortável onde possam se sentar, não haver interrupções, não haver barulho e se possível água e café.

· Se for virtual, verifique se a pessoa recebeu as instruções corretas de acesso e pergunte se possui a conexão e o equipamento necessário para se conectar.

· Verifique o seu estado de espírito antes de começar a entrevista. Se não estiver em um dia bom e não puder remarcar, convide alguém para avaliar junto, faça o exercício de deixar o incômodo fora da entrevista ou ainda, se se sentir confortável, comente com o candidato que está com algumas questões a resolver, mas que isso não irá afetar sua avaliação — e cumpra.

· Faça o famoso quebra-gelo. Pergunte se a pessoa está bem, fale de algum tema livre antes de mergulhar na avaliação propriamente dita. A pessoa não te conhece e a conexão ainda precisa ser construída entre vocês.

· Preste atenção no que a pessoa fala de verdade. Faça perguntas complementares mostrando que você está acompanhando seu raciocínio. Evite a repetição do ciclo “pergunta > resposta > ok, próxima”. Isso dá sensação de que você está apenas seguindo um roteiro e não imerso em conhecer a pessoa de verdade.

· Dê feedbacks verbais ou não verbais que encorajem, mesmo que as respostas não sejam as melhores. Dê a chance para que a pessoa possa crescer durante o tempo de entrevista.

· Não formule perguntas que derrubam a pessoa, como “Então você não conhece esse programa, né? ou “Vi no seu CV que atualmente você não está fazendo nada, certo?” — formule de forma positiva como “Quais programas você conhece com profundidade?” ou “Quais suas principais atividades hoje?” — para saber mais como fazer boas perguntas, leia aqui.

· Agradeça, se coloque disponível para responder dúvidas, estabeleça um prazo claro de devolutiva e dê as informações de contato em caso de dúvida ou demora na resposta. Isso diminui drasticamente a ansiedade da pessoa.

· Sorria. Nada é mais convidativo do que um sorriso na chegada, após uma resposta e no final da entrevista.

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Lili Fonseca
InPeople

Questionando o modus operandi de Comunicação, Desenvolvimento e Gestão de Pessoas do jeito que são feitos até hoje.