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Por que as empresas querem desesperadamente automatizar a seleção de pessoas?

Lili Fonseca
InPeople

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Estava lendo esse artigo e algumas postagens no LinkedIn sobre a problemática dos algoritmos de seleção utilizados pelas HRTechs para filtrar pessoas em processos seletivos. Muitos candidatos se sentem injustiçados porque não conseguem a aprovação em nenhuma vaga e os critérios utilizados são nebulosos. Sem contar na tragédia da diversidade, afinal a inteligência artificial e os modelos de machine learning são movidos por padrões. Se a empresa costuma contratar homens brancos de determinadas universidades, o sistema vai entender que esse é o caminho certo.

Acho sempre peculiares as justificativas dadas sobre como esses sistemas funcionam, como essa que tirei do artigo citado acima:

“…utilizar critérios sobre as empresas que os candidatos já trabalharam para calcular habilidades. Ou seja, se um candidato já trabalhou na empresa X, a IA presume que o profissional possui competências que não foram descritas no CV apenas pelo histórico profissional.”

Eu ri, desculpa.

Se a pessoa teve um bom desempenho naquela empresa ou não, pouco importa? Eu posso escrever no meu currículo que fundei a NASA. Talvez a IA me veja como uma boa candidata para empresas de tecnologia ¯\_(ツ)_/¯

Mas o que me intriga é: se até as empresas de IA para seleção afirmam que “o fator humano é essencial e insubstituível”, por que cargas d’água há uma corrida desesperada por automatizar esse processo?

Talvez você pense que a resposta a essa pergunta seja o volume de candidatos. Ninguém tem tempo para entrevistar com profundidade centenas e até milhares de pessoas, mas na minha opinião, essa é uma desculpa bem rasa e mascara um problema que existe há anos nas áreas de Pessoas, Recursos Humanos, Cultura e Gestão, Capital Humano, ou qualquer nome bonito que sua empresa tenha dado.

A resposta precisa de contexto.

É sabido que por muito tempo o RH teve a maioria dos seus profissionais oriundos da Psicologia, uma graduação que não possui formação em negócios, o que acabou criando distanciamento e uma dificuldade de comunicação e entendimento do papel da área.

E quando um setor não possui poder político, impacto financeiro direto ou voz ativa em decisões estratégicas, sua capacidade de influência e entrega fica gravemente comprometida.

A partir do momento em que se institucionalizou um departamento incumbido de cuidar das “Pessoas” e esse departamento não possuía força real dentro do negócio, sendo apenas um braço operacional, foi muito fácil para que as demais áreas terceirizassem suas responsabilidades de gestão para essa galera. Para os psicólogos. Aqueles que não entendem de negócio e sim de gente.

E isso incluiu Seleção. Treinamentos. Feedback. Conversas difíceis. Plano de Desenvolvimento. Processos relacionados a pessoas que as lideranças terceirizaram e normalizaram ser desse jeito.

“Não consigo fazer essa demissão. Você fala com ele?”

“Conduz essa entrevista comigo, você tem um olhar mais profundo.”

“O que você acha que a Júlia precisa desenvolver esse ano no PDI dela?”

(Você é o maldito chefe da Júlia! Se você não sabe o que ela precisa desenvolver, como eu vou saber?!” — desabafo de um RH sincero)

Já ouvi essas e muitas outras frases ditas por gestores de pessoas para profissionais de RH.

Mas qual problema de terceirizar?

O problema é que as pessoas chegam nas cadeiras de liderança sem saber fazer gestão. Sem saber avaliar competências comportamentais. Sem saber dar um feedback correto. Sem saber o que é um plano de recuperação. Sem saber a complexidade por trás dessas ações. E sem perceber que a responsabilidade por tudo isso é delas e não de outra área.

Se você não sabe fazer uma coisa, é fácil achar que dá pra automatizar.

E o pior: as pessoas permanecem nessas cadeiras de liderança por toda a sua carreira, repetindo fórmulas que não funcionam. Replicando modelos que não pensam o processo. E aí, até hoje, as pessoas são contratadas no “feeling” ou porque “o santo bateu”. Contratações são feitas com base em achismos e vieses que enfraquecem as decisões de RH e só reforçam o estereótipo negativo da área — afinal, quem “cuida” de recrutamento e seleção é RH, lembra?

Antes de tentarmos corrigir os problemas causados pela automação dos processos de seleção, a gente precisa capacitar e devolver a responsabilidades sobre os processos de pessoas para as lideranças.

Se você faz seleção de pessoas, você precisa:

  • Saber a diferença entre competências técnicas e comportamentais — e quais as maneiras mais acertadas de as avaliar.
  • Ter profundidade para analisar as necessidades de uma vaga e saber traduzi-las em um briefing detalhado e claro da posição, para que qualquer pessoa (RH ou consultoria) entenda o que precisa buscar no mercado.
  • Dominar a arte de fazer perguntas e investigar competências comportamentais.
  • Fazer uma excelente gestão do seu tempo para se dedicar com qualidade ao antes, durante e depois de uma seleção — cuidar da experiência do candidato também conta!
  • E por último, parar de insistir na ideia de que em algum momento vai haver um sistema infalível para selecionar candidatos. É o mesmo que querer um sistema que sempre indique a decisão que vai dar lucro. Isso se chama mágica, não gestão de pessoas.

Talvez se os profissionais em posição de gestão se sentissem responsáveis por esse processo e tivessem profundidade crítica para repensá-lo, muitos outros formatos e modelos poderiam ser criados para resolver, por exemplo, o problema de filtrar um alto volume de candidatos. E isso não é papinho inspiracional, eu já vi e já fiz projetos desse tipo.

Para mim, querer colocar todas as fichas em automação no que diz respeito à seleção de pessoas é preguiçoso e até um pouco irresponsável. Existem outros caminhos melhores, mas a gente vai precisar se capacitar, dedicar tempo e pensar nisso de verdade.

Tem espaço na sua agenda pra isso?

Artigo publicado originalmente no LinkedIn em 25 de julho de 2023.

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Lili Fonseca
InPeople

Questionando o modus operandi de Comunicação, Desenvolvimento e Gestão de Pessoas do jeito que são feitos até hoje.