ELOGIO DA SERENIDADE

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJan 6, 2020

Por Valdemar Figueredo (Dema)

Foto: Norberto Bobbio, Divulgação

As virtudes do estadista estão mais para a bravura da conquista do que para a serenidade do sábio. Presume-se que nas sociedades organizadas para a produção e o consumo há forte propensão para a hierarquização das virtudes. Enquanto a temperança é tida por “virtude fraca”, a ambição é posta na categoria de “virtude forte”.

Dito doutro modo:

“E para falar a verdade — a esta altura da vida, pouco além do meio da estrada — estou mais interessado em encontrar velhos em paz do que jovens em fúria.”

Nessa frase, longe do ambiente da filosofia do direito e da filosofia política trabalhada por Bobbio, Caio Fernando Abreu dá margem ao seu desejo. Embora estejamos diante de uma citação que remete ao plano estritamente pessoal, ela nos ajuda a aguçar o embate entre virtudes fortes x virtudes fracas.

Isso para dizer, segundo a filosofia moral de Bobbio, existem virtudes que além de impopulares são impolíticas. A serenidade é algo aparentemente mais presente na fase senil do que na fase juvenil. Pois é exatamente neste aspecto que o autor se aproxima do tema sabendo que a serenidade é tratada genericamente como “virtude fraca”.

A serenidade como “virtude fraca” pode ser equivocadamente confundida com passividade e até mesmo como negação da ação política. Ora, Gandhi figura como exemplo de serenidade aplicada à vida pública de um modo contundente. Neste caso exemplar, a serenidade é refletida como virtude política.

A concepção de política desenvolvida por Maquiavel distingue virtudes cristãs impolíticas de virtù dos clássicos gregos com as quais almejava aconselhar os estadistas. Fica explícito que Bobbio tinha essa concepção ao distinguir as virtudes entre fracas e fortes.

Giuliano Pontara pondera. Tendo como referência a ação de Gandhi, Pontara coloca a serenidade como virtude política, sabidamente pacífica, o que não é o mesmo que passiva. Haveria, segundo o interlocutor, a necessária inflexão de Bobbio para relativizar o binarismo maquiaveliano.

Tratando-se do pensamento de Bobbio, o fato de hierarquizar as virtudes entre “fortes e fracas” não é o mesmo que descrever as virtudes dos “fortes e fracos”. A “virtude fraca” não é a “virtude dos fracos”. A possível confusão semântica ocorre por conta da confusão entre ética pessoal e ética política. Dessa forma, no contexto político há uma nítida diferenciação das virtudes e essas categorias valorativas extravasam no convívio e percepções sociais.

Estamos assistindo mundo afora o surgimento de líderes que se afirmam pela força. Figuras grotescas que em nada lembram a virtude da serenidade, mas que em tudo elogiam a hostilidade. Conquistam votos quando sobem o tom. Governam em sistemas democráticos conscientes que são “politicamente incorretos”. Talvez acreditem que a correção e a serenidade são para os fracos.

ABREU, Caio Fernando. Caio de A a Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 64.

BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

Valdemar Figueredo (Dema). Editor do Instituto Mosaico, professor universitário e pastor batista. Doutor em Ciência Política (IUPERJ) e em Teologia (PUC-RJ).

Twitter: @ ValdemarDema2

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