ENSINO DOMICILIAR PARA AUTISTAS, DIREITOS HUMANOS?

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJul 12, 2019

Por Valdemar Figueredo (Dema)

Este é o terceiro da série de três artigos. Recomendamos que leia:

  1. ENSINO DOMICILIAR, QUEM PROPÕE?

2. ENSINO DOMICILIAR PARA AUTISTAS, QUEM SE BENEFICIA?

Foto: Matheus Bertelli, Canva

Mãe, caso o seu filho/filha autista não esteja se adaptando à escola, talvez tenha a ver com uma confusão comum, não dele/dela, mas das escolas com os seus projetos em formar mão de obra qualificada para o mercado. A escola vidrada em adultos de sucesso se desorganiza quando se depara com crianças que não estão brincando nesse jogo.

Mãe, não creio que por maldade, mas por ignorância, perceba o raciocínio da Damares: crianças que não estão se adaptando à escola APRENDERIAM melhor em casa. A senhora ministra reproduz a concepção de escolas que apostam em altos desempenhos promovendo nas salas de aulas a competição. Nesses ambientes tóxicos e doentios, talvez o autista seja visto como uma pessoa estranha. É o diferente que na sua singeleza expõe o ridículo da sociedade que cultua o dinheiro/poder/glória em detrimento do humano/infantil/afeição.

Toda criança é especial. Algumas têm necessidades especiais no ambiente escolar. Digo, não escolas “especiais” separadas, mas escolas “normais” atentas a eles/elas que não são incapazes ou “deficientes”, apenas peculiares. Peculiar no sentido belo da diversidade humana. A escola é esse lugar que desafia e frustra, estimula e qualifica, aborrece e entristece, socializa e humaniza, cansa e desnorteia, ensina e emociona. Não deixe seu filho/filha fora disso. Seja qual for as necessidades especiais que eles tenham.

Repito, não estou discutindo propriamente o Projeto de Lei do Ensino Domiciliar. Basta dizer por enquanto que acho isso absolutamente anacrônico num país como o Brasil em que as desigualdades sociais na área da educação são gritantes e persistentes, maculando as noções mais rudimentares de Direitos Humanos. Dessa pasta deveríamos receber propostas que criassem demandas para os ministérios da área econômica e infraestrutura e não discurso que dissimula as responsabilidades do governo.

Pergunto: o Projeto de Lei conhecido como Ensino Domiciliar tem como principal motivação o corte de custos governamentais ou o conforto das famílias com crianças “especiais”?

Caso tenha-se pensado em promover regulações nesses aspectos para facilitar a vida de famílias com crianças com diversas síndromes, erraram no diagnóstico e do prognóstico das políticas públicas aventadas. Na administração pública republicana de estadistas bem-intencionados, os erros ocorrem e são corrigidos quando percebidos. No entanto, se por um acaso o real motivo tem a ver com custos financeiros e essa é mais uma medida para enxugar o orçamento, aí, no centésimo dia do governo Jair Bolsonaro, no pacote dos dezoito atos, temos uma sórdida expressão de uma covardia. Um tipo de cavalo de troia. E usar o exemplo de famílias que estão enfrentando com dores e angústias a situação escolar de seus filhos com transtornos do espectro autista (TEA) seria de uma sordidez inclassificável.

Prefiro acreditar que a ministra Damares expôs a sua ignorância e não a sua sordidez. Divergência política não precisa se transformar em desqualificação pessoal. Até provem o contrário, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não é paga para fazer maldades e muito menos para dissimular a realidade.

O desafio da inclusão e da promoção da acessibilidade das crianças com necessidades específicas nas escolas está na ordem do dia. A propósito, não é uma questão de gosto ou preferência, mas de direitos. Que nós, afetados direta ou indiretamente pelo aceno do “pacote dos cem dias” no que concerne às competências da ministra Damares, para além das bandeiras partidárias ou nível de adesão ao governo Jair Bolsonaro, saibamos exigir os direitos e inibir os retrocessos.

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

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