Visão histórica do pensamento indutivo e recursivo

Bruno Oliveira
Internet das Coisas
7 min readApr 23, 2017

Para iniciar o estudo da recursão e fractais, se faz necessário realizar um breve estudo sobre indução, já que as propriedades inerentes às funções e a qualquer conjunto recursivo possui características indutivas. Por exemplo, se o número natural “0” possui uma propriedade, e 𝑛 + 1 tem essa propriedade sempre que n também a possui, então todos os números naturais possuem essa propriedade [Aczel, 1977].

Indução ilustrada — o que acontece com uma peça em uma posição n, logo irá acontecer com outra peça na posição n+1

Em uma nota histórica lançada pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa [2005], um debate em relação ao surgimento do conceito é levantado:

“Kokiti Hara em 1962 (Pascal et l’induction mathématique, Revue d’Histoire des Sciences) […] reapresenta Pascal como o começo absoluto da história da indução matemática. Tese que volta a enfrentar nova contestação em 1970, quando Levi ben Gerson pela mão de Rabinovitch (Rabi Levi ben Gerson and the origins of mathematical induction, Archive for History of Exact Sciences) é tornado no “o primeiro escritor conhecido por ter usado sistematicamente em toda generalidade e por tê-lo reconhecido como um procedimento matemático distinto. Em sequência Roshdi Rashed vem defender que, relativamente a ben Gerson, é possível encontrar em matemáticos anteriores, como em al-Karaji e em as-Samaw’al, formas mais elaboradas de raciocínios do tipo indutivo.[…] Quer Pascal […] ou qualquer um dos antecessores mencionados, nunca atribuíram um nome ao método de raciocínio em questão. A ausência de nome parecia significar que ele não era mais do que um procedimento particular inerente a um determinado domínio, e não um método de demonstração autônoma utilizável em qualquer área da matemática, fato que exigiria a atribuição de um título. ”

A expressão “indução matemática”, foi usado pela primeira vez com De Morgan, no artigo Induction (Mathematics), publicado em 1838, na Penny Cyclopedia.

As leis de De Morgan são fundamentais para a construção das definições de lógica matemática

Entretanto, o termo não foi aderido inicialmente, tendo registros posteriores sobre estudos do mesmo tema, mas sem atribuir este termo ao conceito. Um exemplo é o matemático alemão Hermann Grassmann que, em 1861, utiliza fortemente o conceito para definir as operações aritméticas e para demonstrar suas propriedades, mas ela é apresentada apenas como um “raciocínio conhecido”, e este foi o primeiro termo amplamente aceito por matemáticos para o fenômeno.

Acerca desse “raciocínio conhecido”, Biraben [1994] afirma que os autores anteriores utilizam-se do conceito de definições por indução e que o conceito de 4 provas por indução, que se aproxima mais desse “raciocínio conhecido”, é muito mais antigo, como é exemplificado na seguinte proposição:

“Caso base: ‘1 dia antes do feriado’ não deve ser interpretada incluindo o feriado, porque teria o mesmo significado que a expressão ‘o feriado’ e parece não ter sentido interpretar essas duas expressões como se fossem sinônimas. […] O argumento apresentado pode ser generalizado para expressões na forma ‘n dias antes do feriado’, com n qualquer, pelo fato de que não tem sentido que ‘n dias antes do feriado’ e ‘n+1 dias antes do feriado’ sejam sinônimas. Dado seu conteúdo elementar, o exemplo é útil para mostrar que os raciocínios indutivos têm uma origem muito antiga, tornando-se difícil o estabelecimento de sua data histórica. ”

Giuseppe Peano foi um matemático italiano e o primeiro a dar uma construção axiomática da aritmética em 1889, em sua obra Arithmetices principia novo methodo exposita. Boyer [1974] relata:

“Os axiomas de Peano representaram a tentativa mais singular, realizada no século XIX, de reduzir a aritmética comum e, consequentemente, a maior parte da matemática, à pura essência do simbolismo formal. O método axiomático alcançou tal grau de precisão nunca antes alcançado, não dando margem a ambiguidades ou a suposições tácitas”.

A formulação de Peano é a seguinte [Boyer, 1974]:

“Seja A um conjunto de números naturais e, dado um natural n, indiquemos por 𝑆(𝑛) seu sucessor. Se:

 1 ∈ A;

 para cada número natural n, se n ∈ A , também , 𝑆(𝑛) ∈ A

Então A=N, isto é, A é o conjunto de todos os naturais.Para cada número natural n, consideremos a propriedade Pn. Se:

 P1 é verdadeira, isto é, vale Pn para n=1;

 para todo natural r, do fato de Pn ser verdadeira para n=r, pode-se deduzir que Pn é verdadeira para n=S(r), Então Pn é verdadeira para todo número natural n.”

O surgimento da recursão é algo que gera debate entre os estudiosos. Entretanto, tem-se que o primeiro registro formal do uso do conceito de recursão de acordo com Chomsky [1957] é o de Panini, linguista indiano, há aproximadamente 500 AC, que definiu regras gramaticais recursivas para definir o Sânscrito (língua clássica da Índia antiga) através da publicação Aṣṭādhyāyī. A obra é uma lista de 5 regras, que incluem verbos, sufixos e outros termos gramaticais. A recursão da obra encontra-se justamente na interação entre as regras, as ideias encontradas podem transitar de uma regra pra outra ou entre uma regra e outras vinte, uma regra pode controlar uma regra ou um conjunto de regras que também a controla.

A outra grande prova de que o conceito de recursão está presente desde tempos antigos, é a crença em Ouroboros (vem da junção das palavras transcritas do grego antigo oura (cauda) e boros (devora), logo, designa aquele que devora). Na Grécia, onde recebe o nome, adota o sentido de eternidade e do infinito, servindo de inspiração para o símbolo do infinito ∞ (que supostamente seriam dois Ouroboros). Albert Pike [1872], em seu Livro Enigmático do Netherworld, explica:

“A serpente, enrolada em um ovo, era um símbolo comum para os egípcios, os druidas e os indianos. É uma referência à criação do universo “.

Síntese de todo o pensamento indutivo e recursivo (visão filosófica e popular)

Julius Wilhelm Richard Dedekind, nascido em Braunschweig, na Alemanha, em 6 de outubro de 1831, foi o primeiro matemático a fornecer uma justificação das definições por indução. A definição proposta é a seguinte [Boyer, 1974]:

“Seja θ uma função de Ω em Ω, onde Ω é um conjunto qualquer, e seja w um elemento qualquer de Ω. Então, existe uma e só uma função ψ de N em Ω, onde N é um conjunto simplesmente infinito qualquer, tal que:

[1] ψ{1} = w;

[2] ψ{n’} = θ(ψ);”

Basicamente, um conjunto é recursivamente infinito quando é semelhante a uma parte própria dele mesmo. BIRABEN [1994] afirma, sobre Dedekind, que:

“[ele] não pensava que fosse necessário executar seu trabalho sobre fundamentação usando exclusivamente definições […] que fornecem procedimentos para decidir, dado um argumento qualquer, se ele cumpre ou não a condição da definição”.

Provas por indução

Dedekind também escreveu alguns axiomas para definir formalmente indução criando algumas regras axiomáticas para definição do comportamento indutivo de sua definição (a função S(x) é uma função sucessora) [Dedekind e Grassmann apud Odifreddi, 1992]:

A1 S(x) = S(y)  x=y

A2 0 != S(y)

A3 x != 0  ( y) (x = S(y)).

A4 x + 0 = x

A5 x + S(y) = S(x+y)

A6 x * 0 = 0

A7 x * S(x) = x*y + x

Basicamente, Dedekind define algumas propriedades de indução, e por consequência sobre recursão, que serão muito úteis para as ideias de Skolem (mostrado nos próximos posts), principalmente pela presença da função sucessora.

Dedekind propôs uma série de outras ideias (como o corte de Dedekind) que também ajudaram na formalização da ideia de indução, e por consequência de infinito com seu amigo Cantor

As ideias de Dedekind foram logo aceitas, principalmente pelo apoio que teve de matemáticos como Cantor, que também fez uso dessas ideias para explorar cada vez mais o infinito (assunto do próximo texto).

Esse artigo faz parte de uma série de posts que busca falar sobre assuntos relacionados a fractais. O próximo artigo da série é sobre infinito.

Referências:

ACZEL, Peter. “An introduction to inductive definitions”, Handbook of Mathematical Logic, J. Barwise (ed.). Manchester, 1977.

BIRABEN, Rodolfo Cristian Ertola. “Tese de Church: algumas questões histórico conceituais”. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Campinas, 1994.

BOYER, Carl. História da Matemática. Editora Edgard Blucher Ltda, São Paulo, 1974.

CHOMSKY, Noam. “Syntactic Structures”. MIT, Massachucets. 1957.

IST. “Nota histórica sobre indução”. Tópicos sobre Indução Matemática. Disponível AQUI. Lisboa, 2005.

PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Boston, 1872

Material com maior formalização do conteúdo:

http://cs.swan.ac.uk/~csfnf/thesis/thesis.pdf

http://www.cse.chalmers.se/~peterd/papers/ESSLLI94.pdf

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.