Plano Nacional de Internet das Coisas — Parte 2
Em continuação a análise do Plano Nacional de Internet das Coisas — no artigo anterior falamos do estudo prévio ao decreto que definiu o panorama atual e algumas diretrizes para definição do Plano. O objetivo deste artigo é tentar dar foco para alguns dos pontos mais importantes do Decreto nº 9.854, de 25 de junho de 2019.
Em primeira mão, o decreto traz as seguintes informações relevantes: (i) conceito do que é Internet das Coisas — excluindo as máquinas de cartão de crédito e débito do escopo (por questões de tributos); (ii) cria a Câmara de IoT — Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina e Internet das Coisas; (iii) destaca as quatro verticais prioritárias: agronegócios, saúde, cidades inteligentes e indústria; e (iv) algumas questões de tributação.
1. Definição de Internet das Coisas
Para quem está começando no mundo de Internet das Coisas, uma das coisas que mais aparece são definições sobre o que é (e não é) Internet das Cosias. As definições são infinitas, e o decreto trata de trazer mais uma. E antes que você comece a reclamar de ter um novo conceito do tema, entenda que esse é um fato bem relevante, já que ele define em todo o território nacional o que pode ser considerado, do ponto de vista legal, a Internet das Coisas. E isso dá uma segurança jurídica significativa, para o desenvolvimento de projetos e financiamento de iniciativas desse tipo de tecnologia. A definição que o decreto traz é a seguinte:
Internet das Coisas = infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade
A partir do momento que todo mundo delimita e utiliza os mesmos termos para falar das mesmas coisas, ganha-se maior sinergia entre todos os players do mercado — e esse é um grande ponto positivo da norma, ainda que pareça algo simples. A partir de diretrizes em comum, os principais agentes conseguem interagir com maior segurança e alinhamento, e um novo ecossistema sustentável e fluído começa a surgir.
2. Câmara de IoT
O decreto define a criação da Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina e Internet das Coisas (Câmara de IoT) como o órgão de assessoramento responsável pelo acompanhamento e implementação do Plano Nacional de Internet das Coisas. O órgão é um colegiado formado por diferentes representantes da academia, mercado e governo, público e privado, para tentar representar a pluralidade dos interesses relacionados ao tema:
A estrutura de governança proposta para o órgão inclui também a formação de um Conselho Consultivo, um Conselho Executivo e uma estrutura de estudo sobre o tema.
Dentre as principais atribuições da Câmara, estão as seguintes:
I — monitorar e avaliar as iniciativas de implementação do Plano Nacional de Internet das Coisas;
II — promover e fomentar parcerias entre entidades públicas e privadas para o alcance dos objetivos do Plano Nacional de Internet das Coisas;
III — discutir com os órgãos e entidades públicas os temas do plano de ação;
IV — apoiar e propor projetos mobilizadores; e
V — atuar conjuntamente com órgãos e entidades públicas para estimular o uso e o desenvolvimento de soluções de IoT.
3. Priorização de verticais
Para definição das áreas prioritárias que serão contempladas nas iniciativas oriundas do Plano Nacional de Internet das Coisas, foram seguidos as seguintes etapas: (i) levantamento de insumos para priorização; (ii) priorização as áreas, demandas e ofertas; e (iii) priorização das verticais.
No levantamento de insumos, foi considerado o benchmarking realizado com outros países, e elencados alguns ambientes que fossem aplicados para o Brasil.
Tendo estes insumos, passaram a definir alguns critérios, baseados em demanda, oferta e capacidade de desenvolvimento, além de estipular algumas métricas para avaliar cada um dos ambientes elencados no passo anterior.
Aplicando estes critérios para todos os ambientes, montou-se uma matriz que estipulou, baseando principalmente em demanda e capacidade de desenvolvimento, as áreas prioritárias, que ficou definido em: Saúde, Rural, Cidades e Indústria.
Além das frentes que foram escolhidas como prioritárias, foram definidas algumas verticais que seriam aplicadas a todas e seriam escopo do Plano e balizarão as próximas iniciativas do Plano, que foram definidas no decreto como sendo:
I — ciência, tecnologia e inovação;
II — inserção internacional;
III — educação e capacitação profissional;
IV — infraestrutura de conectividade e interoperabilidade;
V — regulação, segurança e privacidade; e
VI — viabilidade econômica.
4. Tributação
Com a definição proposta de Internet das Coisas, cria-se o conceito de IoT como um serviço de valor adicionado, cujo próprio decreto traz uma definição clara e específica:
serviço de valor adicionado — atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde novas utilidades relacionadas ao acesso, ao armazenamento, à apresentação, à movimentação ou à recuperação de informações, nos termos do disposto no art. 61 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
Com isso, afasta a questão sobre a natureza jurídica da IoT ser de telecomunicação. Ela deverá ser, na maioria das vezes, de serviços prestados para viabilizar o produto, principalmente o processamento de dados, como Softwares as a Service (SaaS) ou Infrastructure as a Service (IaaS).
Entretanto no art. 8º, o decreto considerou os equipamentos M2M (comunicação de máquina com máquina) passíveis da cobrança da Taxa de Fiscalização de Instalação das estações móveis do Serviço Móvel Pessoal, do Serviço Móvel Celular ou de outra modalidade de serviço de telecomunicações, no valor de R$ 5,68, reduzido para R$ 1,89 a partir do 2º ano.
Art. 8º Para fins do disposto no art. 38 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, são considerados sistemas de comunicação máquina a máquina as redes de telecomunicações, incluídos os dispositivos de acesso, para transmitir dados a aplicações remotas com o objetivo de monitorar, de medir e de controlar o próprio dispositivo, o ambiente ao seu redor ou sistemas de dados a ele conectados por meio dessas redes.
§ 1º Para fins do disposto no caput, os sistemas de comunicação máquina a máquina não incluem os equipamentos denominados máquinas de cartão de débito e/ou crédito, formalmente considerados terminais de transferência eletrônica de débito e crédito, classificados na posição 8470.50 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados — TIPI, aprovada pelo Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 2016.
§ 2º Compete à Agência Nacional de Telecomunicações regulamentar e fiscalizar o disposto neste artigo, observadas as normas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Logo, para os projetos que envolvam exclusivamente M2M, pode haver um entrave tributário, já que os impostos podem dificultar a implementação desse tipo de tecnologia em larga escala. Os chips utilizados nestes tipos de equipamentos seriam mais como sensores do que como aparelhos de telecomunicações, e por isso na minha visão não faria sentido esse tipo de cobrança. A expectativa daqui pra frente é o surgimento de novos projetos de lei que trate de maneira mais adequada a questão de tributação deste tipo de tecnologia — benefícios fiscais seriam grandes mobilizadores.
Para mais assuntos de IoT, existem outros artigos que eu escrevi sobre o assunto, que estão ligados diretamente sobre o tema do Plano Nacional de Internet das Coisas:
- IoT #01 — Além do hype da Internet das Coisas: artigo introdutório sobre o que é Internet das Coisas e também traz algumas conceituações mais usadas pela academia (dá para comparar com a definição que o governo brasileiro fez de Internet das Coisas);
- IoT #04 — Perspectiva Brasileira: Privacidade e Proteção de Dados com o advento da Internet das Coisas: uma das grandes preocupações da implementação de Internet das Coisas em larga escala, é a questão da privacidade e segurança dos dados. O artigo dá uma breve perspectiva do quão preparado o Brasil está para o tema;
- IoT #07 — Plataformas IoT na nuvem: como há uma conceituação forte de serviços de IoT junto com serviços de nuvem, é importante entender a junção das duas tecnologias;
- IoT#10 — Plano Nacional de Internet das Coisas — Parte 1: pequena análise do estudo realizado antes da publicação do decreto, ajuda a entender um pouco do contexto e das diretrizes que levaram a publicação do documento;
- Cloud #01 — Análise teórica do modelo de Nuvem Governamental: este artigo ajuda a entender como deve ser o mindset de uma empresa governamental para implementar um novo paradigma de computação (no caso computação em nuvem) mas serve de experiência também para o mundo de Internet das Coisas — já que também é indissociável da computação em nuvem.
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